Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0008557-69.2020.4.03.6332
Relator(a)
Juiz Federal CLECIO BRASCHI
Órgão Julgador
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
02/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 08/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE INDEVIDOS. DE ACORDO COM A
PERÍCIA MÉDICA, A INCAPACIDADE É ANTERIOR AO REINGRESSO AO RGPS. NA
INTERPRETAÇÃO RESUMIDA NO VERBETE DA SÚMULA 53 DA TURMA NACIONAL DE
UNIFORMIZAÇÃO, “NÃO HÁ DIREITO A AUXÍLIO-DOENÇA OU A APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ QUANDO A INCAPACIDADE PARA O TRABALHO É PREEXISTENTE AO
REINGRESSO DO SEGURADO NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL”.
REINGRESSO, NA CONDIÇÃO DE CONTRIBUINTE INDIVIDUAL, QUANDO JÁ
INCAPACITADA PARA O TRABALHO, SEGUNDO O LAUDO PERICIAL, CUJA CONCLUSÃO
DEVE PREVALECER. AUTORA QUE JÁ TINHA CONHECIMENTO DO ESTADO
INCAPACITANTE QUANDO TENTOU REINGRESSAR AO REGPS. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA MANTIDA, POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, COM ACRÉSCIMOS.
RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0008557-69.2020.4.03.6332
RELATOR:5º Juiz Federal da 2ª TR SP
RECORRENTE: MUNIKE TIEME TADA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: AGUEDA LETICIA SANTANA MATIOLI - SP348968-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0008557-69.2020.4.03.6332
RELATOR:5º Juiz Federal da 2ª TR SP
RECORRENTE: MUNIKE TIEME TADA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: AGUEDA LETICIA SANTANA MATIOLI - SP348968-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Recorre a parte autora da sentença, que julgou improcedente o pedido de concessão do
benefício previdenciário por incapacidade.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0008557-69.2020.4.03.6332
RELATOR:5º Juiz Federal da 2ª TR SP
RECORRENTE: MUNIKE TIEME TADA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: AGUEDA LETICIA SANTANA MATIOLI - SP348968-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o
período de carência, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por
mais de 15 (quinze) dias consecutivos, desde que o segurado não seja portador da doença ou
lesão apresentados como motivos para a concessão do benefício, ao se filiar ao Regime Geral
de Previdência Social, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou
agravamento dessa doença ou lesão (artigo 59, cabeça e § 1º da Lei 8.213/1991).
A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será
devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e
insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, ante
a existência de incapacidade total e definitiva para o trabalho, e ser-lhe-á paga enquanto
permanecer nesta condição. A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se
ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez,
salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa
doença ou lesão (artigo 42, cabeça e § 2º, da Lei 8.213/1991). “Não se nega a possibilidade em
tese de que a superveniente incapacidade laboral decorrente de doença preexistente à filiação
no Regime seja coberta pelo seguro social. O que não se permite é a cobertura social à
incapacidade preexistente à filiação ao Regime (...). Portanto, a doença pode ser preexistente,
não a incapacidade. (...). A preexistência ou não da incapacidade é questão a ser esclarecida
com base em técnica pericial (...)” (AREsp 1188470/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 04/10/2019).
Na interpretação resumida no verbete da Súmula 53 da Turma Nacional de Uniformização, “Não
há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o
trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”.
A concessão do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez depende do cumprimento da
carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nos casos de acidente de qualquer natureza
ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após
filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista
elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos,
de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe
confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado (artigos 25, I, e 26,
II, da Lei 8213/1991).
O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação
das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem
redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (Lei 8.213/1991, artigo 86),
ainda que mínima (REsp 1109591/SC, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 08/09/2010).
“Comprovada a incapacidade parcial e permanente para a atividade habitual, o segurado faz jus
ao recebimento do auxílio-doença, até que seja reabilitado para o exercício de outra atividade
compatível com a limitação laboral, nos termos dos arts. 59 e 62 da Lei n. 8.213/1991, restando
afastada a concessão de aposentadoria por invalidez, cujos requisitos são incapacidade total e
permanente, insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade laborativa” (REsp
1584771/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
28/05/2019, DJe 30/05/2019).
No julgamento do pedido de uniformização de intepretação de lei federal representativo da
controvérsia nº 0506698-72.2015.4.05.8500/SE, em 26/02/2019 (tema 177, consistente em
“Saber se a decisão judicial de concessão/restabelecimento do benefício de auxílio-doença
também pode determinar a submissão do segurado a processo de reabilitação profissional ou
se tal ato se insere no âmbito da discricionariedade do INSS (arts. 62 e 89, ambos da Lei n.
8.213/1991”), a Turma Nacional de Uniformização fixou as seguintes teses: “1. Constatada a
existência de incapacidade parcial e permanente, não sendo o caso de aplicação da Súmula 47
da TNU, a decisão judicial poderá determinar o encaminhamento do segurado para análise
administrativa de elegibilidade à reabilitação profissional, sendo inviável a condenação prévia à
concessão de aposentadoria por invalidez condicionada ao insucesso da reabilitação; 2. A
análise administrativa da elegibilidade à reabilitação profissional deverá adotar como premissa a
conclusão da decisão judicial sobre a existência de incapacidade parcial e permanente,
ressalvada a possibilidade de constatação de modificação das circunstâncias fáticas após a
sentença”.
“É firme a orientação desta Corte de que não incorre em julgamento extra ou ultra petita a
decisão que considera de forma ampla o pedido constante da petição inicial, para efeito de
concessão de benefício previdenciário” (REsp 1584771/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA
COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/05/2019, DJe 30/05/2019).
Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: I - sem limite de prazo,
quem está em gozo de benefício; II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o
segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou
estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; III - até 12 (doze) meses após cessar a
segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória; IV - até 12 (doze)
meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; V - até 3 (três) meses após o
licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; e VI -
até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo. O prazo do inciso
II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120
(cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de
segurado. Esses prazos serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado,
desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e
da Previdência Social, sendo certo que, na interpretação da Turma Nacional de Uniformização,
resumida no verbete da Súmula 27, “A ausência de registro em órgão do Ministério do Trabalho
não impede a comprovação do desemprego por outros meios admitidos em Direito”. Durante
esses prazos, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social. A
perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no
Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês
imediatamente posterior ao do final desses prazos (artigo 15, incisos I a VI e §§ 1º a 4º da Lei
8.213/1991). “Mantém a qualidade de segurado, independente de contribuições e sem limite de
prazo, aquele que está em gozo de benefício previdenciário, inclusive auxílio-acidente, nos
termos dos arts. 15, I e § 3º, da Lei n. 8.213/1991 e 137 da INSS/PRES n. 77/2015 (e suas
alterações)” (REsp 1584771/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 28/05/2019, DJe 30/05/2019).
Na interpretação da Turma Nacional de Uniformização, “não cabe a concessão ou
restabelecimento de benefício de Auxílio-Doença ou Aposentadoria por Invalidez se o segurado
não apresenta incapacidade para o exercício de suas atividades laborativas habituais”
(PEDILEF 00539907320124036301, JUIZ FEDERAL RUI COSTA GONÇALVES, TNU, DOU
10/11/2016).
No caso concreto, a sentença resolveu o seguinte: “A parte autora objetiva a concessão de
benefício por incapacidade desde 27/08/2020, data do requerimento administrativo (NB
31/707.537.426-6). Ela apresenta patologia de natureza ortopédica incapacitante: C539,
Neoplasia maligna do colo do útero, não especificado. A doença surgiu em fevereiro de 2020,
data fixada pelo expert com base nas informações dadas pela parte autora. Segundo o perito,
há incapacidade total e temporária para a realização de suas atividades habituais. O prazo de
recuperação é de 6 (seis) meses. O perito asseverou que a incapacidade laborativa ocorreu, em
25/03/2020. O INSS impugnou a conclusão do perito. Requereu a expedição de ofício à
Secretaria de Saúde da Mulher – SUS – para que fosse acostado aos autos a cópia completa
do prontuário médico da parte autora, bem como para que o perito fosse intimado a esclarecer
se retificava ou ratificava as suas conclusões (evento 23), o que foi acolhido pelo Juízo (evento
28). Após, anexação da documentação requerida (eventos 33 a 46), o perito foi novamente
intimado a se manifestar. Constou do relatório de esclarecimentos do expert (evento 48) que:
‘Ante o despacho judicial e a manifestação da parte, venho esclarecer que o prontuário
acostado aos autos permitiu retroagir a data de início da incapacidade para 04/03/2020,
conforme página dois do arquivo 34 dos autos. Ainda, observo que houve recidiva da neoplasia
maligna com nova quimioterapia e cirurgia em 14/04/2021, conforme páginas 33, 34 e 35 do
arquivo 42 dos autos. Por fim, constato que em 02/06/2021 ainda havia persistência local do
câncer. Desse modo, retifico a conclusão para: 1-Foi constatada incapacidade total e
temporária para o trabalho a partir de 04/03/2020; 2-Não há incapacidade para as atividades da
vida independente; 3-Deverá ser reavaliada 12 meses após esta perícia com exames e
relatórios recentes (inclusive, que versem sobre o tratamento, a persistência/recidiva da doença
e o prognóstico)’. Portanto, o perito retificou a sua conclusão para fazer constar a data da
incapacidade laborativa, em 04/03/2020, bem como o prazo estimado de recuperação passou
para 12 (doze) meses. Assim, do contexto do laudo médico, tenho, portanto, como preenchido o
requisito em questão. Passo a analisar o requisito da qualidade de segurada. (...) No caso
vertente, a parte autora efetuou recolhimento como contribuinte individual entre 01/02/2017 a
31/07/2017, mantendo a qualidade de segurada por mais 12 (doze) meses até 15/09/2018.
Após esta data ela perdeu a qualidade de segurada. Ela efetuou novo recolhimento somente
01/01/2020 com vistas a se refiliar ao sistema, bem como em 01/02/2020. Ocorre que o
recolhimento de 01/01/2020 foi efetivado em 30/06/2020, sendo, portanto, extempororâneo
conforme se verifica do evento 58. Já o recolhimento de 01/02/2020 foi realizado em
16/03/2020, sendo, sendo portanto, extemporânea, pois a primeira contribuição após a perda da
qualidade de segurada deve ser sempre realizada até o dia 15 (quinze) do mês subsequente à
sua competência. Ausente, pois, a qualidade de segurada. No presente caso, sequer se pode
falar que houve um primeiro recolhimento a ser considerado para fins do marco da qualidade de
segurada. Por outro lado, entendo que tendo ela retornado tão na véspera da eclosão de sua
incapacidade (04/03/2020), considero que há preexistência de sua incapacidade laborativa.
Ademais, constato dos documentos acostados aos autos que a parte autora ficou um longo
período sem contribuir e retornou ao regime contributivo, no momento em que estava prestes a
eclodir sua incapacidade laborativa e, quando estava principalmente, doente, pelo que não faz
jus ao benefício, nos termos do art. 42, § 2º, da Lei 8213/91. Portanto, quando da eclosão da
incapacidade laborativa, em 04/03/2020, ela não apresentava mais qualidade de segurada.
Perfeito, portanto, o indeferimento do benefício pelo INSS. Assim, não preenchido o requisito
para a concessão do benefício pleiteado, pela ausência de qualidade de segurada, a parte
autora não tem direito ao recebimento do benefício previdenciário ora pleiteado”.
Em suas razões recursais, a autora afirma que “Primeiramente, é com espanto que se observa
a total discrepância entre os pareceres de ambos os técnicos (do Hospital Pérola Byington e do
juízo). Enquanto o médico que acompanha a Recorrente fixou o início da doença em fevereiro
de 2020 e o surgimento da incapacidade em agosto de 2020 (data do laudo que requer o
afastamento) o Perito Judicial firmou a data de 04/03/2020, segundo ele com fundamento em
documento E é com mais espanto ainda, data vênia, que se observa a D. Juíza acolher, em sua
integralidade (aparentemente), o laudo judicial, ainda que tenha fixado a incapacidade muito
antes da determinação do médico oncologista que acompanha o tratamento da Recorrente.
Com efeito, do laudo administrativo se observa que o médico, na ocasião, firmou o início da
incapacidade a partir do início da quimioterapia a que foi submetida a Demandante. Já a
interpretação equivocada do perito judicial foi convalidada pela Magistrada em sentença,
conforme trecho da fundamentação acima transcrito. Todavia, Excelências, o Perito Judicial não
tinha acesso ao histórico de saúde da Autora, inclusive àqueles mais antigos (elaborados em
março, abril e maio de 2020), e, mesmo assim, constatou a incapacidade em momento anterior
a data em que de fato o tratamento incapacitou a Recorrente para o trabalho! Incorreto o
diagnóstico emitido pelo médico nomeado pelo juízo, que firmou a incapacidade somente pela
data do diagnóstico, e não com fundamento no cansativo tratamento quimio e radioterápico a
que foi submetida a Recorrente. Aliás, o fato de a Autora ter trabalhado até do início do
tratamento torna ainda mais questionável o diagnóstico do Perito, pois, se estivesse mesmo
incapaz para o labor já em 04/03/2020, o primeiro pedido de afastamento junto ao INSS teria já
acontecido naquela data. Ora, Excelências, é evidente que a incapacidade laborativa não
remete à data de 04/03/2020, quando fechado o diagnóstico, mas sim ao início do tratamento
com o agravamento do quadro de saúde da Recorrente. Se fosse o caso de incapacidade
laborativa já em 04/03/2020, seguramente teria a Autora formulado, naquele período, pedido de
concessão de benefício previdenciário. Porém, tal circunstância não se faz presente! Muito pelo
contrário, reitera-se: os exames apresentados (que fundamentaram a decisão do Perito judicial,
convalidado pela Juíza) nunca constituíram prova ou demonstraram a incapacidade da
Demandante, já que o médico oncologista que de fato acompanha a Recorrente o fez somente
em agosto de 2020”.
O recurso não pode ser provido. A sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos,
com os seguintes acréscimos.
Deve prevalecer a data de início de incapacidade fixada pelo perito médico judicial, qual seja,
04/03/2020, em que a autora não detinha a qualidade de segurada. O perito elaborou sua
conclusão motivado nas informações obtidas do prontuário médico, da entrevista com a autora
e do exame físico no dia da perícia. A conclusão pericial está fundamentada em critérios
técnicos e científicos.
Segundo o laudo pericial, “Ao ser questionada sobre o que a incapacita para o trabalho,
responde que pode trabalhar na atualidade, mas quer receber pelo tempo prévio em que esteve
incapacitada, ou seja, de 25/03/2020 a 25/02/2021 – sic. Nesse sentido, apresenta documentos
que corroboram em parte os eventos narrados, incluindo a internação hospitalar, a transfusão e
a neoplasia maligna do cérvix”.
Como se vê, a própria autora admitiu estar incapacitada em março de 2020, e não somente a
partir de agosto daquele ano, ao contrário do que alega em seu recurso. Os sinais
incapacitantes da patologia apareceram a partir de fevereiro de 2020, pois, de acordo com o
perito, “...o periciando apresenta relatos dos diagnósticos acima elencados, sendo que refere
que em fevereiro de 2020 começou a apresentar sangramento via vaginal. Até que, em
25/03/2020 desmaiou e foi socorrida para o hospital. Foi transfundida com concentrado de
hemácias e submetida à investigação que diagnosticou neoplasia maligna do colo uterino”. Se
assim é, não procede a alegação de que o agravamento do quadro de saúde somente ocorreu
em agosto de 2020.
Ciente do estado incapacitante naquele momento (fevereiro/março de 2020), a autora, fora do
Regime Geral da Previdência Social desde 2018, resolveu pagar extemporaneamente várias
contribuições previdenciárias, na condição de contribuinte individual, a partir do começo de
2020, para recuperar a qualidade de segurada. Trata-se de nítido intuito de não observar as
regras do sistema, pois sabia da preexistência de sua incapacidade quando reingressou ao
sistema.
A crítica veiculada ao laudo pericial trata-se de mera opinião do profissional de advocacia, que,
com o devido respeito, não pode ser acolhida, por se tratar de matéria técnica. Somente um
médico pode emitir opinião técnica desse teor, nos moldes dos artigos 4º, XII, e 5º, inciso II, da
Lei nº 12.842/2013: “Art. 4º São atividades privativas do médico: XII - realização de perícia
médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas,
toxicológicas, genéticas e de biologia molecular; “Art. 5º São privativos de médico: II - perícia e
auditoria médicas; coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às
atividades privativas de médico”. O profissional da advocacia, por mais qualificação técnica que
ostente, não tem formação profissional para questionar a qualificação técnica do perito médico
ou a necessidade de realização de nova perícia na mesma ou em outra especialidade médica.
Essa impugnação caracteriza exercício da medicina, pois somente outro profissional médico,
assistente técnico da parte autora, poderia veicular manifestação técnica que desqualificasse o
perito que produziu o laudo ou o próprio laudo pericial, o que não ocorreu na espécie.
A parte deve apresentar críticas concretas ao laudo pericial por meio de assistente técnico de
quem não tenha sido paciente, não bastando para tanto a apresentação de atestado ou relatório
médico genérico de médico que não atua como assistente técnico nem dirige críticas concretas
ao laudo pericial. O assistente técnico também deve se expor às críticas, ao contraditório e à
ampla defesa, enfrentando concretamente os fundamentos e as conclusões expostos no laudo
pericial, por meio de parecer técnico que aponte o erro na interpretação adotada pelo perito
judicial ou a falta de qualificação profissional deste na área médica específica em que produzida
a perícia. Sem que a parte apresente parecer de assistente técnico que impugne concretamente
a laudo pericial, relatórios e/ou atestados médicos, especialmente de profissionais de que seja
ou tenha sido paciente, não servem para infirmar os fundamentos e as conclusões expostos
pelo perito. Cumpre salientar que “Na formação de sua opinião técnica, o médico investido na
função de perito não fica restrito aos relatórios elaborados pelo médico assistente do
periciando”, é o que estabelece a primeira parte do artigo 3º da Resolução 126/2005, do
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo - CREMESP. “O atestado ou relatório
médico solicitado ou autorizado pelo paciente ou representante legal, para fins de perícia
médica, deverá conter informações sobre o diagnóstico, os exames complementares, a conduta
terapêutica proposta e as consequências à saúde do paciente, podendo sugerir afastamento,
readaptação ou aposentadoria, ponderando ao paciente, que a decisão caberá ao médico
perito” (artigo 8º da Resolução 126/2005 do CREMESP). Por força de Resolução do Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo, atestados ou relatórios médicos não vinculam a
decisão do médico perito, a quem incumbe decidir, com absoluta exclusividade e de modo
vinculante, sobre a incapacidade do periciando para o trabalho e suas ocupações habituais. É
importante ter presente também que por força do § 1º do artigo 7º da referida Resolução
126/2005 do CREMESP, “É dever do perito judicial e dos assistentes técnicos conferenciarem e
discutirem o caso sub judice, disponibilizando, um ao outro, todos os documentos sobre a
matéria em discussão após o término dos procedimentos periciais e antes de protocolizarem os
respectivos laudos ou pareceres”. Somente se observado esse procedimento, por meio de
críticas concretas ao laudo pericial por assistente técnico, haverá respaldo técnico em que o juiz
poderá se motivar para afastar o laudo pericial. Fora desse procedimento, sem respaldo em
laudo pericial o Poder Judiciário não tem capacidade institucional para resolver a questão
técnica.
A capacidade para o trabalho deve ser comprovada por perícia médica oficial a cargo da
Previdência Social, a teor da Lei 8.213/1991 (artigos 42, § 1º, e 60, § 4º). A Lei 8.213/1991 não
autoriza a concessão de benefício por incapacidade com base em atestado ou relatório médico
apresentados pelo segurado. É necessária a produção de perícia médica oficial para a
concessão desse benefício, nos termos da Lei 8.213/1991. Indeferido o benefício pela
Previdência Social, com base na perícia médica oficial, cabe a revisão judicial do ato de
indeferimento do benefício. Para tal revisão é necessária a produção de perícia médica em
juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. A revisão judicial do ato de indeferimento
do benefício não pode se dar com base em relatórios ou atestados emitidos por médicos que
atendem o segurado. Os diagnósticos, conclusões ou opiniões constantes de tais documentos,
porque produzidos unilateralmente pela parte autora, devem ser confirmados em juízo,
observados o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, por meio de perícia
médica realizada por perito nomeado pelo Poder Judiciário. Na espécie, não há nenhum
relatório ou atestado médico que afirme que a incapacidade da parte autora para o trabalho se
deu em data distinta àquela fixada no relatório médico de esclarecimentos apresentados nestes
autos.
O perito não desrespeitou nenhuma prescrição ou tratamento recomendados pelo médico do
segurado. O fato de o perito emitir laudo pericial e emitir opinião contrária à exposta em
relatórios ou atestados médicos sobre a data de início da incapacidade para o trabalho não
constitui desrespeito a prescrição ou tratamento de paciente, determinados por outro médico.
Caso contrário seria inútil a produção de laudo pericial, pois o perito judicial sempre seria
obrigado a concordar com a opinião do médico do segurado. Bastaria a parte apresentar
relatório de médico particular que afirmasse a incapacidade para o trabalho que o benefício por
incapacidade seria concedido automaticamente. Mas não é isso o que estabelece a Lei
8.213/1991. Conforme assinalado acima, esta estabelece a necessidade de perícia médica
oficial pela Previdência Social. Se o segurado não concorda com o resultado da perícia oficial,
tem direito de acesso ao Poder Judiciário. Ajuizada a demanda, instaura-se o processo de
revisão judicial do ato administrativo. O Poder Judiciário nomeia perito médico equidistante das
partes, que não fica vinculado à opinião do perito médico oficial tampouco ao médico do
segurado. Se o perito não pudesse emitir opinião diversa da do médico do segurado, então nem
deveria haver perícia pela Previdência Social nem revisão judicial do ato de concessão do
benefício. A mera exibição do atestado médico implicaria concessão automática do benefício.
Não é isso o que estabelece a lei, segundo a qual a Previdência Social produz a perícia oficial e
esta é suscetível de revisão judicial pelo Poder Judiciário, que se vale de perito imparcial e
equidistante das partes. De resto, consoante também já frisado, por força de Resolução do
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (artigo 8º da Resolução 126/2005 do
CREMESP) atestados ou relatórios médicos não vinculam a decisão do médico perito, a quem
incumbe decidir, com absoluta exclusividade, independência e de modo vinculante, sobre a
incapacidade do periciando para o trabalho e suas ocupações habituais - aliás, o médico do
segurado nem sequer pode figurar como assistente técnico deste; se o segurado pretender
apresentar parecer de assistente técnico, deverá fazê-lo por meio de médico do qual não é
paciente.
É certo que o artigo 479 do CPC dispõe que “O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o
disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar
de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito”. Assim,
para poder desconsiderar as conclusões do laudo pericial, o juiz deve observar o método
científico utilizado pelo perito e somente pode desconsiderar o laudo pericial quando restar
evidenciado que não é predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento
da qual se originou. Ocorre que estes juízes da Turma Recursal não procederam ao exame
médico da parte autora com base em método científico, para poderem desconsiderar as
conclusões do laudo pericial. Tampouco está comprovado que o laudo pericial adotou
metodologia que não é aceita pela medicina. Daí por que os juízes necessitam da opinião de
um perito para fundamentar julgamento com base em critérios técnicos. Não cabe ao juiz emitir
opinião pessoal, com base em critérios discricionários, em tema que só pode ser resolvido com
conhecimentos técnicos ou científicos. Não procede a afirmação corrente de que o juiz é “o
perito dos peritos”. Em tema que exija conhecimentos técnicos ou científicos, não existe
nenhuma margem de discricionariedade para o juiz formar seu convencimento, ainda que
motivado. Seria uma mera opinião pessoal, que, como qualquer outra, poderia estar certa ou
errada. O novo CPC limitou a possibilidade de desconsideração, pelo juiz, das conclusões do
laudo pericial: para fazê-lo deve observar o método científico, esclarecendo-o e demonstrando
ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou.
Fora dessa limitação, sem a observância do método científico imperam a arbitrariedade, o
solipsismo e o decisionismo, que atentam contra a democracia e, portanto, são inaceitáveis.
Nesse sentido os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: “No caso dos autos, o
laudo pericial categoricamente afirmou ter o autor condições para o trabalho e ressaltou não
haver diminuição da capacidade funcional ou prejuízo da função da mão atingida. Note-se que
nestes casos a avaliação da prova técnica é indispensável, não podendo ser desconsiderada. 3.
Não há falar em incidência da Súmula 7/STJ ao presente caso, uma vez que o quadro fático-
probatório foi narrado pelo próprio Tribunal a quo, não tendo sido feita análise literal das provas
dos autos Agravo regimental improvido” (AgRg no AREsp 414.456/SP, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2013, DJe 14/11/2013); “Ao
Tribunal a quo não é dado valer-se apenas de conhecimentos pessoais do julgador, de natureza
técnica, para dispensar a perícia, elemento probatório esse indispensável à comprovação do
grau de lesão e da redução da capacidade laborativa do acidentado. 2. A matéria não está
atrelada ao exame de provas, cuja análise é afeta às instâncias ordinárias, mas sim à
revaloração do conjunto probatório dos autos, razão pela não qual não há falar em incidência, à
espécie, da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental improvido” (AgRg no Ag 892.012/SP, Rel.
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 30.10.2007, DJ de
26.11.2007). “Não pode o Tribunal a quo valer-se tão-somente de conhecimentos pessoais do
julgador, de natureza técnica, para dispensar a perícia, conforme claramente ocorreu no caso
dos autos” (AgRg no AG 622.205/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, DJ
de 2/8/2005). “No caso dos autos, o laudo pericial categoricamente afirmou ter o autor
condições para o trabalho e ressaltou não haver diminuição da capacidade funcional ou prejuízo
da função da mão atingida. Note-se que nestes casos a avaliação da prova técnica é
indispensável, não podendo ser desconsiderada. 3. Não há falar em incidência da Súmula
7/STJ ao presente caso, uma vez que o quadro fático-probatório foi narrado pelo próprio
Tribunal a quo, não tendo sido feita análise literal das provas dos autos Agravo regimental
improvido” (AgRg no AREsp 414.456/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
TURMA, julgado em 07/11/2013, DJe 14/11/2013). “[A] diretriz resultante da interpretação
conjunta dos arts. 131 e 436, Código de Processo Civil, permite ao juiz apreciar livremente a
prova, mas não lhe dá a prerrogativa de trazer aos autos impressões pessoais e conhecimentos
extraprocessuais que não possam ser objeto do contraditório e da ampla defesa pelas partes
litigantes, nem lhe confere a faculdade de afastar injustificadamente a prova pericial, porquanto
a fundamentação regular é condição de legitimidade da sua decisão” (REsp 1095668/RJ, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 26/03/2013).
Mantenho a sentença nos termos do artigo 46 da Lei nº. 9.099/1995, por seus próprios
fundamentos, com acréscimos, nego provimento ao recurso e, com fundamento no artigo 55 da
Lei 9.099/1995, condeno a parte recorrente, integralmente vencida, a pagar os honorários
advocatícios, arbitrados no percentual de 10% sobre o valor da causa, atualizado na forma do
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (em razão do que
resolvido pelo STF no RE 870.947 em 20/9/2017), cuja execução fica condicionada à
comprovação, no prazo de 5 anos, de não mais subsistirem as razões que determinaram à
concessão da gratuidade da justiça, se deferida. O regime jurídico dos honorários advocatícios
é regido exclusivamente pela Lei 9.099/1995, lei especial, que neste aspecto regulou
inteiramente a matéria, o que afasta o regime do Código de Processo Civil. Os honorários
advocatícios são devidos, sendo a parte representada por profissional da advocacia,
apresentadas ou não as contrarrazões, uma vez que o profissional permanece a executar o
trabalho, tendo que acompanhar o andamento do recurso (STF, Pleno, AO 2063 AgR/CE, Rel.
Min. Marco Aurélio, Redator para o acórdão Min. Luiz Fux, j. 18.05.2017; AgInt no REsp
1429962/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
27/06/2017, DJe 02/08/2017).
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE INDEVIDOS. DE ACORDO COM A
PERÍCIA MÉDICA, A INCAPACIDADE É ANTERIOR AO REINGRESSO AO RGPS. NA
INTERPRETAÇÃO RESUMIDA NO VERBETE DA SÚMULA 53 DA TURMA NACIONAL DE
UNIFORMIZAÇÃO, “NÃO HÁ DIREITO A AUXÍLIO-DOENÇA OU A APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ QUANDO A INCAPACIDADE PARA O TRABALHO É PREEXISTENTE AO
REINGRESSO DO SEGURADO NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL”.
REINGRESSO, NA CONDIÇÃO DE CONTRIBUINTE INDIVIDUAL, QUANDO JÁ
INCAPACITADA PARA O TRABALHO, SEGUNDO O LAUDO PERICIAL, CUJA CONCLUSÃO
DEVE PREVALECER. AUTORA QUE JÁ TINHA CONHECIMENTO DO ESTADO
INCAPACITANTE QUANDO TENTOU REINGRESSAR AO REGPS. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA MANTIDA, POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, COM ACRÉSCIMOS.
RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo
decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, Juiz
Federal Clécio Braschi. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Juízes Federais Uilton
Reina Cecato, Fernando Moreira Gonçalves e Clécio Braschi, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA