Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5001967-34.2018.4.03.6114
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO. PEDIDO DE REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. ERRO ADMINISTRATIVO. RESP 1.381.734/RN - TESE 979 DO E. STJ. NÃO
CABIMENTO. VERBAS ALIMENTARES. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.
- Aplicação da Tese 979 do E. STJ:“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu
desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a
hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo
com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”
- Demonstrado,in casu, a boa-fé da parte autora, somada ao caráter alimentar do benefício, deve
ser aplicado o princípio da irrepetibilidade dos valores pagos pelo INSS.
- Recurso parcialmente provido para declarar a desnecessidade de restituição de valores
recebidos de auxílio-doença.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001967-34.2018.4.03.6114
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: LINCOLN FERREIRA FILHO
Advogado do(a) APELANTE: CLAYTON EDUARDO CASAL SANTOS - SP211908-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001967-34.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: LINCOLN FERREIRA FILHO
Advogado do(a) APELANTE: CLAYTON EDUARDO CASAL SANTOS - SP211908-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a anulação da cobrança de valores recebidos a título de
benefício previdenciário de auxílio-doença, bem como a concessão do benefício de auxílio-
doença (NB 6091013347, 6062104178, 5431907871 e 5346535345), além de indenização por
danos morais.
O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.
A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando,
preliminarmente,necessidade de realização de novo exame pericial, sob responsabilidade de
médico especialista na enfermidade do apelante, bem como produção de prova testemunhal.
No mérito, aduz em síntese,que os valores foram recebidos de boa-fé, aplicabilidade ao caso do
Tema 979/STJ,cumprimento dos requisitos legais à concessão pretendida e direito a
indenização por danos morais.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001967-34.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: LINCOLN FERREIRA FILHO
Advogado do(a) APELANTE: CLAYTON EDUARDO CASAL SANTOS - SP211908-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Preliminarmente, não procede a alegação de nulidade decorrente do indeferimento do pedido
de realização de novo laudo médico pericial, com especialista.
É notório que a incapacidade laborativa deva ser provada por laudo de perito médico.
O médico nomeado pelo juízo possui habilitação técnica para proceder ao exame pericial da
parte requerente, de acordo com a legislação em vigência, que regulamenta o exercício da
medicina, não sendo necessária a especialização para o diagnóstico de doenças ou para a
realização de perícias.
Neste processo, o laudo foi produzido por médico de confiança do juízo, que fez a devida
anamnese do periciando e respondeu a todos os quesitos do juízo e das partes.
Além disso, conforme informou no laudo, foram analisados todos os exames e atestados
médicos apresentados.
A perícia revelou-se suficiente para a formação do convencimento do juízo, revelando, a
insurgência da parte autora, inconformismo insuficiente para gerar dúvidas quanto à integridade
do documento médico produzido.
Eventual contradição entre o laudo pericial e os atestados médicos apresentados pela parte não
pode motivar a nulidade de um ou outro documento médico.
Alega a parte autora, ainda, o cerceamento de defesa, visto não ter sido dada oportunidade de
comprovar, por meio de prova testemunhal, a incapacidade laboral do apelante.
O caráter alimentar dos benefícios previdenciários imprime ao processo em que são vindicados
a necessidade de serem facultados todos os meios de prova, não só a documental, a fim de
que o autor possa devidamente comprovar os fatos por ele alegados.
Ocorre que, no presente caso, a prova a ser produzida refere-se a condição de saúde do
requerente, prova técnica que somente poderia ser realizada por profissional da área médica e
habilitado a comparar as limitações causadas pela doença com a atividade habitual do
apelante, não se prestando, a tal fim, a produção de prova oral, pelo que não há que se falar em
cerceamento de defesa em virtude do indeferimento do pedido de designação de audiência
para oitiva de testemunhas, que, reitere-se, não pode substituir a prova técnica pericial.
Rejeita-se, portanto, a preliminar em questão.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e
seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de
segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do
cumprimento da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do
mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a
concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e
definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação
habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a
possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu
durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Imprescindível, ainda, o preenchimento do requisito da qualidade de segurado, nos termos dos
arts. 11 e 15, ambos da Lei de Benefícios.
"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer
atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem
remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de
segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para
prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já
tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a
perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado
desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do
Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a
Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado
no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês
imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
A perda da qualidade de segurado, portanto, ocorrerá no 16.º dia do segundo mês seguinte ao
término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei n.º 8.212/91, salvo na hipótese do § 1.º do art. 102
da Lei n.º 8.213/91 – qual seja, em que comprovado que a impossibilidade econômica de
continuar a contribuir decorreu da incapacidade laborativa.
Registre-se que, perdida a qualidade de segurado, imprescindível a existência de, pelo menos,
seis meses de recolhimento, para que seja considerado novamente filiado ao regime, nos
exatos termos do art. 27-A da Lei de Benefícios.
Por fim, necessário o cumprimento do período de carência, nos termos do art. 25 dessa mesma
lei, a saber:
“Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social
depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no artigo 26:
I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;”
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra
pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor
da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
DO CASO DOS AUTOS
In casu, a matéria devolvida à apreciação dessa Corte cinge-se à análise da regularidade da
determinação de restituição a Autarquia ré de valores oriundos de benefício por incapacidade
recebido em razão de erro da administração NB/31-537.264.974-3, de 1.º/9/2009 a 31/8/2010,
bem como o cumprimento dos requisitos necessários a concessão do auxílio-doença na
atualidade e o cabimento de indenização por danos morais.
Alega a apelante que na hipótese em apreciação deve ser reconhecida a boa-fé no recebimento
do benefício, natureza alimentar da verba auferida, afirma que observou todos os
procedimentos legais para conseguir o benefício administrativamente, submetendo-se a todas
as exigências da Autarquia que através de análise médica realizada por perito do próprio órgão
administrativo, entendeu ser o caso da concessão do beneficio.
Sobreveio, em 10/3/2021, por meio do julgamento do REsp 1.381.734/RN (tema repetitivo 679),
decisão de seguinte teor:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991.
DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E
MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO.
POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS
ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA
PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada
ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à
hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio
também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou
assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e
similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à
suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte
tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por
força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência
Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má
aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má
aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque
também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser
aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a
sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução
dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível
que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a
presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela
administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum
compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração
previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos
objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale
dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro,
necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n.
3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou
indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de
erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o
devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com
desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o
seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal,
ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé
objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste
representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável
interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a
centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os
processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste
acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a
cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se
estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de
simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na
exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos
benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da
vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos
efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente
pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.” (Superior
Tribunal de Justiça. REsp 1.381.734 - RN (2013/0151218-2). Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES. Órgão julgador 1ª SEÇÃO. Data do julgamento 10/3/2021. Data de publicação
DJ. 23/4/2021)
Do voto do Ministro relator se infere que, face ao poder-dever da Administração Pública de
rever seus próprios atos, quando eivados de vícios insanáveis, é imperativo que, diante de erro
administrativo no deferimento de benefícios previdenciários, instaure-se, incontinenti, processo
administrativo de suspensão, respeitado o devido processo legal, em atendimento ao quanto
preconizado pela Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: "A administração pode
anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se
originam direitos".
Nesse sentido, a jurisprudência pátria consolidou-se no sentido de que, nos casos de errônea
interpretação e/ou má aplicação da lei, por parte da Administração Pública, ora representada
pelo ente autárquico, não pode ser o beneficiário penalizado com a devolução de verba de
caráter alimentar paga além do devido, irrepetível, portanto, na medida em que não é razoável
imputar-lhe a necessidade de profundo conhecimento das leis previdenciárias e processuais
para que pudesse identificar possível erro administrativo nos cálculos ou na própria concessão
do benefício. Presume-se, destarte, a boa-fé objetiva do beneficiário, cabendo ao ente
autárquico cercar-se da cautela necessária à adequada aplicação dos ditames normativos.
Diversa é a situação em que o recebimento indevido decorre de erro da Administração
Previdenciária, em que se deve aprofundar a avaliação do quadro fático de forma a determinar
se, in casu, o beneficiário “tinha condições de compreender a respeito do não pertencimento
dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de
lealdade para com a Administração Previdenciária”, conforme registrou o Eminente Relator, que
ainda concluiu poder-se “afirmar com segurança que o caso de erro material ou operacional,
para fins de ressarcimento administrativo do valor pago indevidamente, deve averiguar a
presença da boa-fé do segurado/beneficiário, concernente na sua aptidão para compreender,
de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento”.
Nesse contexto, restou aprovada tese no sentido de que:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por
cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o
segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com
demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.
Ressalta-se que a apelante propôs a demanda com fito de que seja reconhecida a
irregularidade nos descontos em seu benefício, apresentando pedido de que seja reconhecido
que tais valores não são devidos, aduz que agiu de boa-fé, cumprindo as exigências impostas
pela Autarquia ré.
Lado outro, a Autarquia ré argumentou que possui a faculdade de rever seus atos
administrativamente, utilizando-se do seu poder de autotutela, sendo necessário a restituição ao
erário do montante percebido de modo irregular sob pena de enriquecimento sem causa.
Acrescentou que a análise do animus do beneficiário iria interferir apenas na forma como será
realizada a restituição.
À luz dos elementos colhidos nos autos, não se afigura plausível deduzir que a parte autora
sabia de sua incapacidade no momento do protocolo do pedido administrativo, isto porque o
termo inicial da incapacidade é constatado baseado em exames médicos analisados por
profissional capacitado para tanto. Denota-se, ainda, que a Autarquia ré apresentou narrativa
genérica, não se desincumbindo do seu ônus de comprovar quais atos específicos provam a
má-fé do autor no recebimento do benefício.
No presente caso, assiste razão a autora no que pertine ao argumento de que auferiu benefício
por incapacidade, mediante submissão de perícias promovidas por médicos da Autarquia ré e
tais profissionais também apresentaram conclusões divergentes quanto a existência de
incapacidade e seu termo inicial, desse modo, não há como se esperar, que a parte autora leiga
e enferma tenha plena consciência do momento a partir do qual não possui mais condições de
laborar.
Como se vê, e na linha do quanto decidido pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal
de Justiça, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, ao fixar a tese a que se fez
referência, supra, diante de casos de erro material ou operacional, como o que ora se analisa,
deve-se averiguar a presença da boa-fé do segurado.
Com efeito, há evidente erro administrativo da Autarquia ao não identificar o momento a partir
do qual se iniciou a incapacidade, tal equívoco persistiu por quase um ano, diante das perícias
administrativas as quais a autora foi submetida, se o médico perito do INSS indica que há
incapacidade nos moldes necessários a concessão do benefício não haveria por que a parte
autora leiga questionar o parecer médico. Dessa maneira, a Autarquia ré não se desincumbiu
do ônus de comprovar o fato constitutivo de seu direito, no presente caso, a má-fé da autora no
procedimento de concessão do auxílio-doença.
Desse modo, não merece acolhimento o pedido de restituição de valores referentes a auxílio-
doença recebidos em razão de erro administrativo, dado o contido no Tema 979 do STJ e a
ausência de comprovação de má-fé da parte autora no recebimento do benefício.
Passa-se a análise do cumprimento dos requisitos necessários a concessão do auxílio-doença
na atualidade.
A principal condição para deferimento do benefício não se encontra presente, uma não
comprovada a incapacidade para o trabalho.
Do que consta do laudo pericial anexado aos autos, a parte autora não está incapacitada para o
exercício de suas atividades laborativas.
Frisou, o perito, já considerada a documentação médica particular acostada, que a parte autora
apresenta doença inflamatórias em ombros e tendinopatia em dedo da mão (CID M75, M65).
Concluiu-se pela inexistência de incapacidade para o labor habitual (Id. 196467473).
Nem cabe argumentar que o juiz não se encontra vinculado ao laudo pericial, uma vez que não
foram trazidos aos autos elementos hábeis a abalar as conclusões nele contidas.
Nesse contexto, “a mera irresignação do segurado com a conclusão do perito ou a alegação de
que o laudo é contraditório ou omisso, sem o apontamento de nenhuma divergência técnica
justificável, não constituem motivos aceitáveis para a realização de nova perícia, apresentação
de quesitos complementares ou realização de diligências” (9.ª Turma, Apelação Cível 5897223-
19.2019.4.03.9999, rel. Desembargadora Federal Daldice Santana, e - DJF3 Judicial 1 de
03/03/2020).
No mesmo sentido, precedentes desta Turma julgadora:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-
DOENÇA. INCAPACIDADE LABORAL NÃO CONSTATADA.
I- O laudo pericial foi devidamente apresentado, tendo sido respondidos os quesitos formulados
pelas partes, restando esclarecida a questão referente à capacidade laboral do demandante.
II- Submetida a parte autora a perícia médica judicial, que concluiu pela ausência de
incapacidade laboral, improcede o pedido de concessão do benefício (aposentadoria por
invalidez ou auxílio doença).
III - Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora desprovida.
(Apelação Cível 0020087-98.2018.4.03.9999, rel. Desembargador Federal David Dantas, j.
08/10/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/10/2018)
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO DOENÇA. REALIZAÇÃO
DE NOVA PERÍCIA. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE.
I- A perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo a quo, tendo sido
apresentado o parecer técnico devidamente elaborado, com respostas claras e objetivas,
motivo pelo qual não merece prosperar o pedido de realização de nova prova pericial por
médico especialista. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório,
pode concluir pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do
art. 370 do CPC.
II- Os requisitos previstos na Lei de Benefícios para a concessão da aposentadoria por invalidez
compreendem: a) o cumprimento do período de carência, quando exigida, prevista no art. 25 da
Lei n° 8.213/91; b) a qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios e c) a
incapacidade definitiva para o exercício da atividade laborativa. O auxílio doença difere apenas
no que tange à incapacidade, a qual deve ser temporária.
III- In casu, a alegada invalidez não ficou caracterizada pela perícia médica, conforme parecer
técnico elaborado pelo Perito. Afirmou o esculápio encarregado do exame que a autora, nascida
em 17/7/59, “salgadeira”, é portadora de episódio depressivo grave com sintomas psicóticos,
transtorno de adaptação, escoliose lombar, espondilartrose lombar e transtorno do plexo
lombossacral, concluindo que não há incapacidade para o trabalho. Esclareceu o esculápio que
a autora é “portadora de patologias do sistema musculoesquelético, alterações multifatorial
como fatores genéticos, degenerativos, traumas, má postura, onde pode surgir sintomas
associados com quadro de inflamação, dores, desconforto e limitações. O tratamento é
sugerido pelo médico especialista, tratamento conservador com fisioterapia, uso de
medicações. Autora relata estar mantendo acompanhamento com especialista, e com
programação de fisioterapia agendada, relata uso de medicações quando tem quadro de dores,
e faz uso de medicações de uso contínuo para pressão arterial e estabilidade do humor.
Mediante avaliação não constatado comprometimento físico que impeça de exercer suas
atividades laborativas atuais” (ID 73285409, grifos meus).
IV- Preliminar rejeitada. No mérito, apelação improvida.” (grifos nossos)
(Apelação Cível 5787526-63.2019.4.03.9999, rel. Desembargador Federal Newton de Lucca, j.
06/11/2019, Intimação via sistema DATA: 08/11/2019)
Forçoso, portanto, o reconhecimento da improcedência do pedido.
Ademais, não se demonstra cabível suscitar a existência de direito a indenização por danos
morais, isto porque não houve ilegalidade na cessação do benefício anterior, bem como não há
cumprimento dos requisitos necessários a concessão de benefício na atualidade. A boa-fé do
autor se presta tão somente a garantir o direito de não restituir os valores recebidos, não possui
o condão de tornar regular o recebimento do benefício em momento anterior, mormente porque
o laudo médico pericial relatou expressamente que o apelante não apesentou exames que
comprovassem sua incapacidade.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar procedente o
pedido formulado, declarando indevida a restituição dos valores recebidos por meio do
benefício de auxílio-doença n.º 537.264.974-3, nos termos da fundamentação, supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO. PEDIDO DE REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. ERRO ADMINISTRATIVO. RESP 1.381.734/RN - TESE 979 DO E. STJ. NÃO
CABIMENTO. VERBAS ALIMENTARES. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.
- Aplicação da Tese 979 do E. STJ:“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o
seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal,
ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé
objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido.”
- Demonstrado,in casu, a boa-fé da parte autora, somada ao caráter alimentar do benefício,
deve ser aplicado o princípio da irrepetibilidade dos valores pagos pelo INSS.
- Recurso parcialmente provido para declarar a desnecessidade de restituição de valores
recebidos de auxílio-doença.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
