
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002392-36.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GILVANIA DE ALBUQUERQUE VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: BEATRIZ STEFANNY TAVARES RODRIGUES - MS27533-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002392-36.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GILVANIA DE ALBUQUERQUE VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: BEATRIZ STEFANNY TAVARES RODRIGUES - MS27533-A
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta em face de sentença, não submetida a reexame necessário, que julgou procedente o pedido para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a conceder auxílio-acidente à parte autora, desde a cessação administrativa, acrescido dos consectários legais e antecipados os efeitos da tutela.
Em suas razões recursais, o INSS alega a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Requer o retorno dos autos à origem para complementação do laudo, porquanto não restou comprovado o estado incapacitante da parte autora. Impugna, ainda, os honorários de advogado, as custas judiciais e alega a prescrição quinquenal.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002392-36.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GILVANIA DE ALBUQUERQUE VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: BEATRIZ STEFANNY TAVARES RODRIGUES - MS27533-A
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Preliminarmente, não prospera a alegação de cerceamento de defesa.
De fato, é pacífico que a incapacidade laborativa somente pode ser atestada por prova documental e laudo pericial, nos termos do que preconiza o artigo 443, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC).
Na hipótese, como prevê o artigo 370 do CPC, foi coletada a prova pericial, a fim de verificar a existência, ou não, de incapacidade laborativa.
O laudo pericial apresentado, elaborado pelo médico de confiança do Juízo, mencionou o histórico dos males relatados, descreveu os achados no exame clínico e nos registros complementares que lhe foram apresentados e respondeu aos quesitos essenciais ao deslinde da lide.
Desse modo, não se vislumbra ilegalidade na decisão recorrida, pois não houve óbice à formação do convencimento do MM. Juízo a quo por meio da perícia realizada, revelando-se desnecessária a sua complementação.
A mera irresignação da parte com a conclusão do perito ou a alegação de que o laudo é contraditório, sem o apontamento de nenhuma divergência técnica justificável, não constituem motivos aceitáveis para realização de nova perícia, apresentação de quesitos complementares ou realização de diligências.
Ademais, o médico nomeado pelo Juízo possui habilitação técnica para proceder ao exame pericial da parte requerente, de acordo com a legislação em vigência, que regulamenta o exercício da medicina, não sendo necessária a especialização para o diagnóstico de doenças ou para a realização de perícias.
A propósito, é entendimento desta Corte ser desnecessária a nomeação de um perito especialista para cada sintoma alegado. Nesse sentido: TRF 3ª Região - Proc. nº. 2007.61.08.005622-9 - 9ª Turma - Rel. Des. Fed. Marisa Santos - DJF3 CJ1 05/11/2009, p. 1.211.
Superada a preliminar, passo a análise do mérito.
Discute-se nos autos o direito da parte autora ao auxílio-acidente.
A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em 13/11/2019 (EC n. 103/2019):
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)”.
O auxílio-acidente é um benefício de natureza indenizatória, disciplinado pelo art. 86 da Lei n. 8.213/1991 e pelo art. 104 do Decreto n. 3.048/1999.
Nos termos do art. 86 da Lei de Benefícios Previdenciários, com a redação dada pela Lei n. 9.528/1997, o benefício "será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia".
Portanto, para a concessão do auxílio-acidente faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza; (b) a redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia o segurado e (c) o nexo causal entre a consolidação das lesões e a redução da capacidade laborativa.
Cabe salientar que, uma vez demonstrada a redução permanente da capacidade laboral, estão preenchidos os requisitos definidos no art. 104, I, da Lei n. 8.213/1991 para a concessão do auxílio-acidente, ainda que a redução se dê em grau mínimo.
Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AUXÍLIO-ACIDENTE. LESÃO MÍNIMA. DIREITO AO BENEFÍCIO.
1. Conforme o disposto no art. 86, caput, da Lei 8.213/91, exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido.
2. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão.
3. Recurso especial provido". (REsp 1109591/SC, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 08/09/2010)
No caso dos autos, a perícia médica judicial, realizada em 4/8/2023, constatou a incapacidade laboral total e temporária da autora (nascida em 1980, qualificada no laudo como operadora de caixa), por ser portadora de neoplasia maligna de mama.
O perito fixou a data de início da incapacidade em 8/9/2020 e estimou prazo de tratamento de seis meses.
Lembro, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial. Contudo, os demais elementos de prova não autorizam convicção em sentido diverso.
O auxílio-acidente é indevido, porquanto a autora não demonstrou ter sofrido acidente de qualquer natureza.
Observa-se que a pretendida concessão de benefício por incapacidade tem como causa de pedir a alegada incapacidade laboral decorrente de doença adquirida.
O artigo 20 da Lei n. 8.213/1991 equipara doença do trabalho com acidente do trabalho. Somente certos tipos de doenças, conectadas com o trabalho, são passíveis de constituírem fato gerador de auxílio-acidente.
Assim, as outras doenças não relacionadas com o trabalho - como é o caso daquela de que a autora é portadora - não podem gerar auxílio-acidente.
Nesse sentido, cito julgados desta Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. NÃO COMPROVADO A OCORRÊNCIA DE ACIDENTE DE QUALQUER NATUREZA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS.
Sentença condicionada ao reexame necessário. Condenação excedente a 60 (sessenta) salários mínimos.
Preenchidos os requisitos legais previstos no art. 86 da Lei nº 8.213/91 - quais sejam, qualidade de segurado, redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia em decorrência de acidente - é de rigor a concessão do auxílio-acidente.
Ausentes os requisitos necessários para a concessão de auxílio-acidente, pois não se constatou que tenha efetivamente ocorrido acidente de qualquer natureza, cujas seqüelas impliquem em redução da capacidade funcional do autor, não se enquadrando no conceito de acidente a descoberta de enfermidade cardíaca.
Remessa oficial e apelação a que se dá provimento, para julgar improcedente o pedido." (ApelReex 1241460, Proc. 2004.61.02.003360-1, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Therezinha Cazerta, D.E. 21/07/2009)
"PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO ACIDENTE. REQUISITOS. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. INDEFERIMENTO.
O pedido formulado na apelação tem como um de seus requisitos que as lesões sejam "decorrentes de acidente de qualquer natureza". No entanto, no caso "in comento", o perito judicial afirma que o autor é portador de "insuficiência coronariana tratada com cirurgia de revascularização do miocárdio", o que de fato, foi a causa de pedir desta lide. Cumpre ressaltar, não obstante os pedidos da inicial serem de Aposentadoria por Invalidez ou Auxílio Doença, a parte autora conformou-se com a sentença de improcedência quanto a esses pedidos, apelando, apenas, quanto ao Auxílio Acidente. Assim, sendo a parte autora portadora de incapacidade que não decorre de acidente de qualquer natureza, indevido o benefício. (...)"(AC 2004.03.99.013873-5/SP, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Eva Regina, D.E. 18/01/2010).
Dessa forma, concluo pelo não preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do benefício pretendido. O Erário não pode ser condenado a pagar benefício quando não obedecidos os preceitos legais, sobretudo quando o direito defendido é indisponível.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou provimento à apelação autárquica para julgar improcedente o pedido e revogo a tutela jurídica provisória, consoante Tema Repetitivo n. 692 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela antecipatória de urgência concedida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUXÍLIO-ACIDENTE. AUSÊNCIA DE ACIDENTE DE QUALQUER NATUREZA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
- A mera irresignação da parte autora com a conclusão do perito ou a alegação de que o laudo é contraditório, sem o apontamento de nenhuma divergência técnica justificável, não constituem motivos aceitáveis para realização de nova perícia. Preliminar afastada.
- O auxílio-acidente, de cunho compensatório, é devido somente quando comprovada a existência de sequela resultante de acidente de qualquer natureza e esta tenha provocado redução da capacidade laborativa do segurado, dificultando-lhe a realização do trabalho, nos termos do art. 86 da Lei n. 8.213/1991.
- Não configurado o acidente de qualquer natureza não é cabível a concessão do auxílio-acidente.
- Condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85 do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Tutela jurídica provisória revogada.
- Preliminar afastada. Apelação provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
