Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5001845-95.2017.4.03.6133
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
08/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/10/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. CONCESSÃO.
APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL.
AGENTES BIOLÓGICOS. ENQUADRAMENTO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO.
BENEFÍCIO CONCEDIDO DESDE A DER. CONSECTÁRIOS.
- Nos termos do art. 373, I, do CPC, é da parte autora o ônus de comprovar a veracidade dos
fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova suficiente e segura, competindo ao juiz
decidir a lide conforme seu livre convencimento, fundado em fatos, provas, jurisprudência,
aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao caso.
- A prova testemunhal não se reveste do caráter técnico necessário para os enquadramentos
requeridos. Cerceamento de defesa não visualizado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- A parte autora logrou demonstrar exposição habitual e permanente a agentes biológicos no
exercício de atividades em estabelecimento hospitalar, o que viabiliza o reconhecimento da
especialidade conforme os códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.3.4 e 2.1.3 do
anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 3.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n.
3.048/1999.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo
57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
- Termo inicial do benefício fixado na data do requerimento administrativo, consoante
entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), observada a tese firmada no
julgamento do Tema n. 709 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF).
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-
se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já computada a sucumbência recursal
pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85,
§§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, na fase
de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico
ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação da parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001845-95.2017.4.03.6133
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSEFA CINTAS DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: ELISMARIA FERNANDES DO NASCIMENTO ALVES - SP264178-
A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001845-95.2017.4.03.6133
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSEFA CINTAS DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: ELISMARIA FERNANDES DO NASCIMENTO ALVES - SP264178-
A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o enquadramento de atividade especial, com vistas à
concessão de aposentadoria especial.
A sentença julgou improcedente o pedido, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de
Processo Civil.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, no qual aduz, preliminarmente, a
nulidade do julgado por cerceamento de defesa. No mérito, pugna pelo reconhecimento, como
tempo especial, dos períodos descritos na exordial e a consequente concessão do benefício de
aposentadoria especial.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001845-95.2017.4.03.6133
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSEFA CINTAS DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: ELISMARIA FERNANDES DO NASCIMENTO ALVES - SP264178-
A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso de apelação atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
No mais, compulsados os autos, não está configurado o alegado cerceamento de defesa.
Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar a
veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura.
Nesse passo, a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos
vindicados, deve a parte suplicante carrear documentos aptos certificadores das condições
insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e permanência, como formulários
padrão e laudos técnicos individualizados, cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada, o
deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Com efeito, compete ao juiz a condução do processo, cabendo-lhe apreciar a questão de acordo
com o que está sendo debatido. Dessa forma, o juiz não está obrigado a decidir a lide conforme
pleiteado pelas partes, mas, sim, conforme seu livre convencimento, fundado em fatos, provas,
jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao caso.
Se não houver dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas
atividades laborativas, despicienda revela-se a produção de prova pericial para o julgamento da
causa e, por consequência, não estará configurado cerceamento de defesa ou violação de ordem
constitucional ou legal.
Ressalte-se, por fim, não se prestar à comprovação do alegado direito a prova testemunhal, visto
que a constatação da existência de agentes nocivos a caracterizar a natureza especial da
atividade laborativa opera-se por meio de prova eminentemente documental (técnica).
Assim, rejeito a preliminar arguida.
Passo à análise das questões de mérito trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt
no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído
acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado
pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade
sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No caso dos autos, em relação aos interregnos controvertidos de 11/8/1986 a 24/11/1991 e de
6/3/1997 a 7/4/2014 (DER), depreende-se do documentos juntados (Perfil Profissiográfico
Previdenciário - PPP - e laudo técnico) o exercício de atividades em estabelecimento hospitalar e
o contato com pacientes e a exposição habitual e permanente a agentes biológicos, fato que
permite o enquadramento nos termos dos códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n. 53.831/1964,
1.3.4 e 2.1.3 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 3.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997
e n. 3.048/1999.
Cumpre salientar que no tocante ao período de 11/8/1986 a 24/11/1991, não obstante o PPP
coligido aos autos não indicar especificamente a sujeição da parte autora a agentes biológicos,
extrai-se da análise da descrição das atividades exercidas pela requerente, na função de
“copeira” em hospital, a exposição habitual e permanente a agentes biológicos
infectocontagiosos, em virtude do contato direto com pacientes, ao servi-los nas unidades de
tratamento, o que viabiliza a contagem diferenciada requerida.
Nessa esteira, trago precedente desta Corte Regional (g.n):
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO.
RECONHECIMENTO DE LABOR ESPECIAL. AMBIENTE HOSPITALAR. AGENTES
AGRESSIVOS BIOLÓGICOS. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA.
APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. - A questão vertida nos autos cinge-se na possibilidade de
se reconhecer o trabalho especificado na inicial em condições especiais, para fins de conversão
do tempo especial em comum e consequente revisão da aposentadoria por tempo de contribuição
anteriormente concedida. - É possível o reconhecimento da atividade especial no interstício de
01/04/1997 e 01/10/2015- empregador Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pederneiras
- função de copeira, com atribuições de entregar refeições nos quartos dos pacientes, retirar
posteriormente os utensílios e realizar a limpeza - agentes agressivos biológicos decorrentes do
acesso ao ambiente hospitalar e contato com pacientes, conforme PPP ID 98382773. - Há
previsão expressa no item 2.1.3, do quadro anexo, do Decreto nº 53.831/64 e do Decreto nº
83.080/79, Anexo II e item 3.0.1, do Decreto nº 2.172/97, a categoria profissional dos médicos,
dentistas e enfermeiros, de modo que é inegável a natureza especial da ocupação da parte
autora. Ademais, a atividade desenvolvida pela autora enquadra-se no item 1.3.4 do Anexo I, do
Decreto nº 83.080/79 que contemplava os trabalhos em que haja contato permanente com
doentes ou materiais infecto-contagiantes, privilegiando os trabalhos permanentes nesse
ambiente. - No tocante aos agentes biológicos, a jurisprudência firmou entendimento no sentido
de considerar a especialidade do trabalho em razão da potencialidade do risco de contato com
esses agentes e não do contato propriamente dito. - O Perfil Profissiográfico Previdenciário
(PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com
referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo
pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais. - O uso de
equipamento de proteção individual - EPI não descaracteriza a natureza especial da atividade,
uma vez que tal tipo de equipamento não elimina os agentes nocivos à saúde que atingem o
segurado em seu ambiente de trabalho, mas somente reduz seus efeitos. - Assentados esses
aspectos, a requerente faz jus à conversão das atividades exercidas em condições especiais em
tempo comum e à revisão do valor da renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de
contribuição a partir da data do requerimento administrativo (01/10/2015), momento em que a
autarquia tomou ciência da pretensão da parte autora (ID 98382762 - pág. 48), observada a
prescrição quinquenal, a teor da Súmula STJ nº 85. - Com relação ao índice de atualização
monetária, deve ser observado o julgamento proferido pelo E. Supremo Tribunal Federal no RE nº
870.947, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal
em vigor por ocasião da execução do julgado. - Apelação da autora provida. - Apelação do INSS
desprovida.” (APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 6083467-56.2019.4.03.9999
..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, ..RELATOR: Desembargador
Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA, TRF3 - 8ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA:
16/07/2020)
Com efeito, as atividades exercidas pelos profissionais na área da saúde são de natureza
insalubre, pois sujeitos aos contatos com pessoas doentes, vírus e bactérias.
Nesse sentido: STJ - REsp: 1474433 PR 2014/0182773-0, Relator: Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, Data de Publicação: DJ 28/05/2015.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é
realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Ademais, no extrato do CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais consta o indicador
IEAN (“Exposição da Agente Nocivo”) em relação ao vínculo empregatício prestado na “Real e
Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência”. Por estar inserida no CNIS, tal informação
goza de presunção de veracidade, conforme disposto no artigo 19 do Decreto n. 3.048/1999.
Além disso, infere-se que o IEAN aponta que a empresa esteve sujeita ao pagamento da
contribuição do artigo 22, II, da Lei n. 8.212/1991 (SAT), que financia justamente as
aposentadorias especiais.
Destarte, os interstícios de 11/8/1986 a 24/11/1991 e de 6/3/1997 a 7/4/2014 devem ser
reconhecidos como especiais.
Nessas circunstâncias, considerando o período já reconhecido pelo INSS (25/11/1991 a
5/3/1997), acrescido aos lapsos especiais reconhecidos judicialmente, a parte autora conta mais
de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial até a DER e, desse modo, faz jus à
concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n.
8.213/1991.
Passo à análise dos consectários
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (DER
7/4/2014), consoante entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça (STJ),
observada a tese firmada no julgamento do Tema n. 709 da Repercussão Geral do Supremo
Tribunal Federal (STF).
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos
na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, contados
da citação, por força dos artigos 1.062 do CC/1916 e 240 do CPC/2015, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, ser
utilizada a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante
alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09
(Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux), observada, quanto ao
termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em
19/4/2017, Rel. Min. Marco Aurélio.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10%
(dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data
deste acórdão, já aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em
vez de sentença), consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal
de Justiça.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito
econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, tal isenção não exime a
Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte
autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou provimento à apelação da parte
autora para, nos termos da fundamentação: (i) enquadrar como atividade especial os intervalos
de 11/8/1986 a 24/11/1991 e de 6/3/1997 a 7/4/2014; (ii) determinar a concessão do benefício de
aposentadoria especial desde a data do requerimento administrativo (DER 7/4/2014); e (iii) fixar
os consectários.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. CONCESSÃO.
APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL.
AGENTES BIOLÓGICOS. ENQUADRAMENTO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO.
BENEFÍCIO CONCEDIDO DESDE A DER. CONSECTÁRIOS.
- Nos termos do art. 373, I, do CPC, é da parte autora o ônus de comprovar a veracidade dos
fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova suficiente e segura, competindo ao juiz
decidir a lide conforme seu livre convencimento, fundado em fatos, provas, jurisprudência,
aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao caso.
- A prova testemunhal não se reveste do caráter técnico necessário para os enquadramentos
requeridos. Cerceamento de defesa não visualizado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- A parte autora logrou demonstrar exposição habitual e permanente a agentes biológicos no
exercício de atividades em estabelecimento hospitalar, o que viabiliza o reconhecimento da
especialidade conforme os códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.3.4 e 2.1.3 do
anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 3.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n.
3.048/1999.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo
57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
- Termo inicial do benefício fixado na data do requerimento administrativo, consoante
entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), observada a tese firmada no
julgamento do Tema n. 709 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF).
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-
se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já computada a sucumbência recursal
pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85,
§§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, na fase
de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico
ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar provimento à apelação da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
