
| D.E. Publicado em 22/10/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento ao agravo retido e ao recurso de apelação da CONSTROESTE e dar parcial provimento à apelação do SEMAE, nos termos do relatório e voto do relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, acompanhado pelos Desembargadores Valdeci dos Santos e Cotrim Guimarães, vencidos os Desembargadores Wilson Zauhy e Souza Ribeiro.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001785-02.2014.4.03.6106/SP
VOTO-VISTA
Pedi vista dos autos para melhor análise da discussão aqui travada e, feito isto, peço vênia ao E. Relator para divergir de seu voto, pelas razões que passo a expor:
Do agravo retido
Inicialmente, rejeito a alegação de nulidade dos relatórios elaborados pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE e pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador - CEREST, bem como de nulidade da sentença pela não realização de nova perícia na máquina em que se deu o acidente.
Os relatórios em questão foram devidamente elaborados por quem de direito, não existindo obrigação legal de que tais diligências sejam acompanhadas de laudo técnico emitido por engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho, sendo esta mera faculdade conferida pelo item 28.1.4.5 da Norma Regulamentadora n° 28, que transcrevo:
Ainda, cabe ao Juízo apreciar estes documentos enquanto elementos de prova, não estando de forma alguma vinculado às conclusões que os agentes ali expuseram.
Com isto, vê-se que o Juízo de Origem formou o seu convencimento com base nas provas dos autos, fundamentando devidamente sua decisão, não se havendo de falar em prejuízo processual a qualquer dos réus.
Ademais, os testemunhos constantes dos autos são no sentido de que a máquina em questão seria pertencente à Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto e que, após o acidente e sua interdição, teria sido a ela restituída, não se conhecendo o seu atual paradeiro e, portanto, havendo forte indício de que restaria inviável eventual realização designação da perícia judicial pretendida pelo corréu.
Da constitucionalidade do art. 120 da Lei n° 8.213/1991
Afasto a alegação de inconstitucionalidade do art. 120 da Lei n° 8.213/91 porque a norma se revela em conformidade com o art. 201, parágrafo 10° da Constituição Federal, tal como incluído pela Emenda Constitucional n° 20/1998, segundo o qual "Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado".
Assim tem entendido esta Corte:
Por fim, não se há de falar em conversão da contribuição previdenciária em verdadeiro imposto porque, em verdade, o dever de ressarcimento ao INSS dos valores despendidos a título de benefício previdenciário em favor do segurado acidentado ou de seus dependentes não exsurge automaticamente do infortúnio trabalhista, mas depende que este tenha se dado diretamente em função da inobservância, pela empregadora, das normas gerais de segurança e higiene do trabalho, como veremos mais adiante.
Da responsabilidade do empregador
Da análise do caso concreto, concluo que não se faz presente a condição necessária a justificar a pretensão do Instituto, posto que não resta demonstrado nos autos tenha a empresa ou seus responsáveis deixado de cumprir com a obrigação de atender a normas gerais de segurança e higiene do trabalho, circunstância que impede o Instituto de valer da norma que dá suporte ao pedido, considerando-se a cobertura social suportada pelo empregador para com o Estado.
Primeira premissa: a ação regressiva do artigo 120, da Lei 8.213-91, não se confunde com as culpas in elegendo ou in vigilando.
A ação de regresso prevista no artigo 120, da Lei n 8.213/91, não se confunde com a responsabilidade civil geral, dado que elege como elemento necessário para sua incidência a existência de "negligência quanto às normas gerais de padrão de segurança e higiene do trabalho".
A dicção legal é clara ao não estabelecer a responsabilidade também por negligência quanto a eventuais condutas pontuais em desacordo com aquelas normas de segurança e higiene do trabalho. A lei não elege, como se vê, a responsabilidade (regressiva) em razão de acidente ocorrido sob o manto da infortunística pura.
E o que se há de entender por normas gerais, posta pelo artigo120 supra referido, que dá suporte à ação regressiva?
Normas gerais, no contexto legal da legislação infortunística, são aquelas estabelecidas para dado segmento econômico como "standards" ou padrões de segurança, segundo normas básicas firmadas pelos respectivos órgãos encarregados de estabelecer tais parâmetros mínimos (e gerais) de comportamentos, de uso de equipamentos adequados à execução da atividade laboral, e condutas adequadas a evitar os riscos decorrentes do exercício do trabalho.
Portanto, atendendo a empresa a esses padrões básicos, em todo o conjunto de seu complexo industrial ou comercial, não se há de falar, em ocorrendo evento infortunístico, em sua pronta responsabilidade, uma vez comprovado o estrito cumprimento das regras e princípios gerais da ergasiotiquerologia.
Eventos ocasionais, pontuais, ocorridos dentro de circunstâncias que não decorram diretamente da violação ou descumprimento - pela empresa - de observância de regras e normas gerais de segurança e higiene do trabalho, não se há de falar em ação regressiva contra o empregador.
Registre-se, ainda, que a Lei nº 8.213/91, em seus artigos 19 a 23, estabelece normas sobre acidente de trabalho, prevendo seu artigo 19, o seguinte:
Bem se vê que o conceito de normas gerais está aí bem delineado, estabelecendo-se que em caso de não observância de tais preceitos protetivos do trabalhador, responderá o responsável por delito de contravenção penal.
No caso concreto, houve instauração de inquérito policial para apuração dos fatos (fls. 141/143), sem que conste dos autos a adoção de quaisquer outras providências penais, não sendo possível se concluir, sequer em tese, pelo descumprimento de norma geral.
Perceba-se que o § 2º do artigo 19, transcrito, é bem didático ao estabelecer os contornos do que se deve entender por normas gerais de segurança e higiene do trabalho, o que não se confunde, repita-se, com a responsabilidade aquiliana tradicional.
Portanto, sem a firme constatação da prática de contravenção penal - a aí compreendida, portanto, violação a normas gerais - não é possível se concluir pelo descumprimento, pelo empregador, das normas gerais de segurança e higiene do trabalho, requisito necessário ao direito de regresso da autarquia.
Segunda premissa: o sistema de seguridade do acidente do trabalho é contributivo-contratual. Responsabilidade da Seguridade Social
Ainda que assim não fosse, o sistema de seguridade de acidentes de trabalho vigente em nosso ordenamento compreende a cobertura de infortúnios ocasionais à Previdência Social, mediante o regime contributivo (CF, art. 201, § 10 : "Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado").
Neste ponto, trago à colação uma breve síntese da evolução histórica sobre a responsabilidade civil quanto aos acidentes do trabalho em nosso ordenamento, conforme os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior (Acidente do Trabalho na Nova Constituição. Disponível em https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1016/949):
O Decreto n° 3.724, de 15/01/1919, foi a primeira lei a tratar de acidentes do trabalho no país e admitia o risco profissional do empresário, mas de modo restritivo, abrangendo apenas certas atividades e adotando critério restritivo para as doenças profissionais. Muito embora a indenização estivesse a cargo do empregador, não havia a obrigatoriedade do seguro, de modo que não existia garantia do efetivo pagamento.
Após a Revolução de 1930, adveio o Decreto n° 24.637, de 10/07/1934, que ampliou a área de abrangência da tutela infortunística e - o que é mais importante - obrigou o empregador à contratação de seguro específico para este fim ou à realização de depósito em valor proporcional ao número de empregados, "podendo a importância do depósito, a juízo das autoridades competentes, ser elevada até ao triplo, si se tratar de risco excepcional ou coletivamente perigoso" (art. 30, caput e parágrafos, do Decreto n° 24.637/1934).
Já na Constituição de 1934, promulgada poucos dias depois do decreto, a garantia de reparação dos danos advindos do acidente do trabalho ganhou assento constitucional (art. 121, alínea h da Constituição Federal de 1934).
O Decreto n° 24.637/1934 continuou em vigor sob a égide da Constituição de 1937, até que sobreveio o Decreto-Lei n° 7.036, de 10.11.44. Ali se acolheu a teoria do risco da atividade, dando-se maior amplitude ao conceito de empregado e dos eventos que se poderiam considerar como acidentes do trabalho, incluindo lesões e mortes em que o trabalho não seria causa exclusiva, mas apenas concausa.
O seguro manteve-se obrigatório, mas, se antes tinha de ser contratado perante "companhias ou sindicatos profissionais legalmente autorizados a operar em seguros contra acidentes do trabalho", agora devia ser realizado "na instituição de previdência social a que estiver filiado o empregado" (art. 36, § 1º do Decreto 24.637/1934 e art. 95 do Decreto-Lei n° 7.036/1944).
Sobreveio o Decreto-Lei n° 293, de 28/01/1967, transferindo o seguro para as companhias seguradoras privadas. Não obstante, este regime teve vida curta, posto que sobreveio a Lei n° 5.316, de 14/09/1967, que, além de ampliar o conceito de acidente do trabalho para fins de cobertura infortunística, incluindo eventos ocorridos fora da empresa e longe da vigilância do empregador, tornou obrigatória a contratação do seguro acidentário junto à Previdência Social (art. 1° da Lei n° 5.316/1967).
Com a Constituição de 1969, consagrou-se a transformação total do seguro acidentário em seguro social, com a expressa previsão de que tais riscos estariam cobertos pela "previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprêgo, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado" (art. 165, XVI da Constituição de 1969).
Evidentemente, este regime contributivo foi adotado pela Constituição Federal de 1988, que deixou a cargo do legislador infraconstitucional disciplinar a cobertura do risco de acidente do trabalho, "a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado" (art. 201, § 10 da Constituição Federal de 1988).
Conclusão:
O que se dessume de toda essa evolução da cobertura social ao acidente do trabalho, é que a responsabilidade pelo pagamento dos eventos decorrentes dos infortúnios é da Seguridade Social, que, por sua vez, conta com ingressos (obrigatórios) de recursos pela iniciativa privada, precisamente para esse tipo de reparação social-laboral.
As duas únicas exceções à exclusividade pela reparação acidentária, pelo INSS, são postas pela própria Constituição, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, que estabelece como direito do trabalho o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa" (replicado no artigo 121, da Lei 8.213-91 : "O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem").
Já o artigo 120, que não tem estofo constitucional, como se vê dos termos claros do artigo 7º, que trata de dolo ou culpa (responsabilidade civil, portanto), introduziu uma outra exceção à regra da cobertura social exclusivamente pelo INSS (suportada por contribuições dos segmentos econômicos correspondentes), estabelecendo um direito que denomina "de regresso" contra o empregador em caso de descumprimento a "normas gerais de segurança e higiene do trabalho").
Essa hipótese, como se vê, excepciona a regra geral de responsabilidade regressiva do empregador, que conta com cobertura securitária social impositiva, devendo, em razão disso, ser interpretada igualmente de modo excepcional e restrito, sem alargamentos hermenêuticos.
Assim, o direito de regresso posto pelo artigo 120, da Lei nº 8.213/91 só se justificará nas hipóteses de ocorrências das circunstâncias expressas na própria lei de regência excepcional.
E tal raciocínio se justifica por uma razão elementar: à Seguridade Social (autarquia) é dado o encargo de arrecadar recursos e cobrir, precipuamente, o risco social do acidente de trabalho, pagando diretamente ao segurado ou a seus dependentes o respectivo benefício previdenciário.
Apenas excepcionalmente, na hipótese de descumprimento, pelo empregador, de normas padrão de segurança e higiene do trabalho, do qual decorra diretamente o acidente de trabalho, é que exsurge o dever de o empreendedor ressarcir aos cofres da autarquia previdenciária os valores despendidos a este título.
Tanto isto é verdade que a Lei n° 6.367/1976 prevê que os encargos decorrentes da cobertura de acidentes de trabalho serão realizados pelas contribuições previdenciárias devidas pela empresa, acrescendo uma alíquota de 0,4%, 1,2% ou 2,5% à contribuição do empregador de acordo com o grau de risco da atividade empreendida, se classificado como leve, médio ou grave (art. 15, caput e incisos I a III da Lei n° 6.367/1976).
Assim, quanto maior for o risco da atividade empresarial - portanto, maior a probabilidade de o risco social coberto pela Previdência Social vir a se concretizar - tanto maior será a contribuição do empregador à autarquia previdenciária.
Em outras palavras, resta cristalino que o atual regime constitucional da responsabilidade acidentária prevê que o risco social do acidente do trabalho está coberto pelo sistema de seguridade social, gerido pelo INSS e para o qual contribuem os empregadores.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa Corte, como se vê dos seguintes precedentes:
Desta forma, para que se decida pelo dever de ressarcimento à autarquia previdenciária, tornam-se necessárias as demonstrações de que a) a empresa tenha deixado de observar as normas gerais de segurança e higiene do trabalho e b) que o acidente tenha decorrido diretamente desta inobservância.
No caso concreto, em 08/10/2012, o empregado da correquerida e segurado da Previdência Social, sr. Elton Pereira, desenvolvia suas atividades laborais em uma máquina destinada à trituração de galhos quando, ao tentar remover um pedaço de madeira que a obstruía, teve sua mão atingida pelo equipamento, sofrendo lesões.
O infortúnio foi descrito em relatório elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE nos seguintes termos (fls. 75/76):
À autoridade policial, a vítima do acidente prestou depoimento, do qual destaco os seguintes trechos (fl. 149):
Foram ouvidas testemunhas nestes autos, de cujos depoimentos destaco o que se segue (mídia acostada à fl. 897):
O sr. Elton Pereira, vítima do acidente:
O sr. Paulo Roberto da Cruz, Diretor Operacional da empresa requerida:
O sr. Isaque Vieira da Cruz, técnico de segurança do trabalho da empresa ré:
Com isto, tenho que os elementos probatórios carreados aos autos são no sentido de que à vítima do acidente incumbia tão somente alimentar a máquina trituradora com galhos e que, espontaneamente, o funcionário houve por bem tentar desobstruir o equipamento, adotando atitude contrária às orientações de seus superiores e, o que é mais importante, afastando dispositivo de segurança que impedia que partes de seu corpo entrasse em contato com a zona de corte da máquina, daí decorrendo o acidente.
Sequer se pode atribuir o evento à ausência de treinamento do empregado para operar uma máquina, uma vez que, além de não lhe ter sido exigido o tipo de reparo que tentou efetuar, não são necessários conhecimentos especiais para que se saiba dos riscos relacionados à inserção da mão do empregado nas proximidades da área de trituração da máquina, bastando a experiência ordinária para tanto.
Assim, o certo é que a situação de infortúnio retratada nos autos não induz à conclusão de haver a requerida (empregadora) violado "normas gerais de segurança e higiene do trabalho", a justificar sua responsabilidade civil, de modo regressivo.
Por tais razões, concluo que não restou demonstrada nos autos a criação, pela apelante, de risco extraordinário àquele coberto pela Seguridade Social, não se havendo de falar em seu dever de ressarcimento dos valores gastos pela autarquia apelada a título de benefício previdenciário.
Da litigância de má-fé
Afasto a condenação em litigância da má-fé da corré SEMAE, eis que imposta tão somente pelo fato de não ter comparecido à audiência e ter informado a impossibilidade de aceitar a proposta de acordo formulada pela autora, hipóteses que não autorizam a aplicação de sanção desta natureza por ausência de previsão legal.
Daí não decorreu prejuízo processual a quem quer que seja, tampouco restou demonstrada nos autos a intenção de protelar o andamento do processo ou, sequer, qualquer embaraço ao andamento do feito ou maior demora em seu desfecho.
Há que se ressaltar que a omissão da parte quanto à prática de atos no curso do processo que lhe sejam incumbidos tem por efeito, em regra, tão somente a aplicação dos ônus processuais correspondentes, estando as penas de litigância de má-fé reservadas às hipóteses legalmente elencadas.
Dos honorários advocatícios
Com o provimento de seus recursos para se julgar improcedente o pedido, os réus passam a ser integralmente vencedores na demanda, não lhes cabendo arcar com custas processuais nem honorários advocatícios.
Considerando o valor atribuído à causa, de R$ 30.931,59 em abril de 2014 (fl. 38), e a baixa complexidade do feito, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 3°, I do CPC/2015, a ser igualmente repartido entre as defesas dos réus.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido da corré Constroeste Ltda. e dar provimento às apelações dos réus para julgar improcedente o pedido, condenando o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 3°, I do CPC/2015, a ser igualmente repartido entre as defesas dos réus.
WILSON ZAUHY
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001785-02.2014.4.03.6106/SP
RELATÓRIO
O EXMO DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):
Trata-se de ação regressiva ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com base nos artigos 120 e 121 da Lei nº 8.213/91, em desfavor de CONTROESTE CONSTRUTORA E PARTICIPAÇÕES LTDA e SERVIÇO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - SEMAE, objetivando o ressarcimento dos valores despendidos com o pagamento de benefícios previdenciários decorrentes de acidente de trabalho sofrido por Sr. Elton Pereira, supostamente por negligência da empresa no cumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho.
Sobreveio sentença proferida pelo Juízo Federal da 3ª Vara de São José do Rio Preto/SP, que concluiu pela procedência do pedido, condenando solidariamente as empresas ao ressarcimento do INSS de todos os valores pagos até a propositura da ação e as parcelas vindouras a título de benefício de auxílio-doença acidentário, valores devidamente corrigidos conforme os índices previstos no Provimento CORE/TRF3 nº 64/05.
Considerando a ausência do SEMAE na audiência de instrução e a sua consequente revelia, condenou-a ao pagamento de multa por litigância de má-fé, em valor correspondente a 9% (nove por cento) do valor da causa devidamente atualizado, além de honorários advocatícios arbitrado em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). (fls. 1.007/1.012)
Apela o SEMAE. Sustenta, em síntese, a culpa da vítima pela ocorrência do acidente, e a configuração de bis in idem na exigência do INSS em reembolsar valores pagos ao segurado e do pagamento de contribuição previdenciária ao SAT. Requer a exclusão integral de sua responsabilidade pelo acidente ou, subsidiariamente, o afastamento da condenação por litigância de má-fé e honorários correlatos. (fls. 1.021/1.036)
Irresignada, a CONSTROESTE insurge-se contra a sentença. Reitera, preliminarmente, a apreciação de recurso de agravo retido. No mérito, alega a ausência de fundamento jurídico da ação regressiva; bis in idem na cobrança regressiva dos valores pagos a título de benefício previdenciário pago ao acidentado e ausência dos requisitos do art. 120 da Lei nº 8.213/1991. (fls. 1.039/1.074)
Com contrarrazões (fls. 1.110/1.118), subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
VOTO
O EXMO DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):
Do agravo retido
Urge rechaçar a alegação de nulidade dos relatórios elaborados por Auditor Fiscal do Trabalho e CEREST, e de imprescindibilidade de nova perícia.
O procedimento administrativo realizado por Auditor Fiscal do Trabalho é regular e goza de presunção de legitimidade e veracidade, sendo o agente obrigado a lavrar Auto de Infração à vista de descumprimentos de preceitos legais ou regulamentares.
A autenticidade do Relatório de Análise do Acidente, elaborado por Auditor do Ministério do Trabalho e Emprego após inspeção in loco e usados todos os meios necessários à comprovação das irregularidades, não está condicionada ao acompanhamento de parecer técnico de Engenheiro de Segurança do Trabalho.
Pelo contrário, o agente público de inspeção, caso constatado descumprimento de normas de segurança e saúde do trabalhador, tem o dever e a autorização legal de realizar relatório circunstanciado e impor as penalidades cabíveis, podendo propor a imediata interdição do estabelecimento, máquina ou equipamento, ou ainda, conceder prazos para a correção das irregularidades identificadas.
Diversamente do entendimento do apelante, o item 28.1.4.4, da NR 28, não impõe a apresentação de laudo técnico de engenheiro de segurança do trabalho como condição para a autenticidade do relatório do Auditor, mas apenas prevê a possibilidade do agente público lavrar Auto de Infração tão somente com base em documento emitido por esse profissional.
No que tange ao documento emitido pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador - CEREST, não vislumbro qualquer nulidade, porquanto cumpriu com sua função dar subsídio técnico para o SUS, para o tratamento e reabilitação do trabalhador, nos termos do art. 7º da Portaria nº 2.728, de 11 de novembro de 2009, do Ministério da Saúde.
Com relação à suposta necessidade de perícia técnica, não deve prosperar o pedido. Em face do tempo transcorrido, seria inócuo exame pericial, pois não mais se pode analisar e periciar objetos e condições presentes no instante do acidente. Além disso, as provas coligidas aos autos são suficientes para o convencimento motivado do julgador.
Assim, nego provimento ao agravo retido.
Da contribuição ao SAT e suposto bis in idem
A imposição de ressarcimento ao INSS de valores pagos a título de benefícios acidentários em casos de atuação negligente do empregador não se confunde com o pagamento da contribuição ao SAT, tributo voltado ao custeio geral dos benefícios previdenciários decorrentes de acidente de trabalho relativamente a riscos ordinários do empreendimento.
Em outras palavras, a exigibilidade de contribuição previdenciária do Seguro de Acidente do Trabalho presta-se, exclusivamente, para arcar com os benefícios relacionados com os riscos ordinários do trabalho, uma vez que a concessão de benefício previdenciário depende necessariamente de uma prévia fonte de custeio (art. 195, §5º da CF/88).
No entanto, os benefícios acidentários desembolsados pelo INSS em virtude do descumprimento das normas trabalhistas não são abrangidos pela exação, visto que excedem os riscos comuns atribuídos à atividade laboral, impondo-se, nesses casos, o ressarcimento à Autarquia Previdenciária a fim de preservar o equilíbrio atuarial do regime. Assim, não merece guarida a alegação de que a pretensão regressiva do INSS caracteriza bis in idem .
Além disso, a presente ação apresenta dupla finalidade, qual seja, evitar que a inobservância da legislação trabalhista pelo empregador onere toda a sociedade, promovendo, assim, a distribuição do ônus contra quem efetivamente teve a responsabilidade pelo acidente, bem como estimular a obediência por parte das empresas quanto às normas trabalhistas, sobretudo aquelas que visam assegurar a higiene e segurança do trabalho, de forma a garantir ao trabalhador direito constitucional de redução de riscos inerentes ao trabalho contemplado no art. 7º, XXII, da CF/88.
A esse respeito, exaustivamente, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o recolhimento de contribuição previdenciária pela pessoa jurídica não a isenta de responsabilidade por casos de acidente do trabalho decorrentes de culpa por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.
Confira-se:
Da responsabilidade do empregador
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ajuizou ação de ressarcimento contra CONSTROESTE e SEMAE, objetivando o ressarcimento dos valores despendidos, e aqueles ainda por despender, a título de benefícios previdenciários concedidos ao segurado Sr. Elton Pereira, em razão de acidente de trabalho ocorrido em 08.10.2012, supostamente por negligência da empresa no cumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho.
Conforme dispõe o art. 120, da Lei nº 8.213/91, "nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis". Tal previsão decorre da regra inserta no art. 19, §1º, do mesmo diploma legal, cuja disposição estabelece que "a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalho".
Igualmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no art. 157, inciso I, instrui que "cabe às empresas cumprir e faze cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho", bem como "instruir os empregados [...] quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais" e "adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente".
Observa-se, portanto, que a legislação pátria é explícita e resoluta ao impor à empresa o dever de adotar medidas protetivas obrigatórias, bem como responder, em sede de ação regressiva, pelos eventuais valores pagos pela Autarquia nos casos em que o benefício previdenciário decorra de acidente laboral ocorrido por culpa da empresa, pelo descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho.
O segurado, empregado da empresa "CONSTROESTE", prestadora de serviço da SEMAE, Autarquia Municipal de Água e Esgoto de São José do Rio Preto, exercente da função de Servente Geral, sofreu grave acidente de trabalho enquanto operava máquina de trituração de galhos. Segundo consta dos autos, o funcionário teve seu braço puxado para a área de corte e a mão direita decepada ao tentar "desembuchar" (desobstruir a alimentação de galhos) o maquinário.
A despeito do desígnio das corrés de comprovar a ausência de culpa das empresas no sinistro, a Gerência Regional do Trabalho e Emprego de São José do Rio Preto/SP, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, em relatório de Análise de Acidente de Trabalho, após estudo do caso, vistoria das instalações, oitivas e auditagem de documentos apresentados, indicou diversas irregularidades cometidas pela empresa.
Em inspeção realizada no equipamento envolvido no acidente, verificou que "não possuía as proteções fixas, ou móveis intertravadas, necessárias para garantir um nível mínimo de segurança exigível para a operação do equipamento (...). No caso em tela, o trabalho com o maquinário sem a devida proteção evidencia uma tolerância ao descumprimento de normas e procedimentos de segurança na operação de máquinas." (fls. 78)
Constatou, ainda, mediante depoimento da parte envolvida, que o embuchamento "era um incidente comum durante a jornada de trabalho e causava transtornos na operação do maquinário.", concluído que "esta exposição constante dos trabalhadores a riscos de acidentes, ante a ausência de proteção da máquina, induz à banalização dos riscos, pois os trabalhadores passam a se acostumar com os riscos e deixam de temê-lo, tornando a exposição aos mesmos ainda mais perigosa." (fls. 79)
Além disso, segundo declaração colhida pelo Auditor, "a operação da máquina trituradora não era um trabalho que fazia parte das funções habituais do acidentado (...)", e que "não era experiente na operação do maquinário e tudo que recebeu foi um treinamento de duas horas de duração realizado pelo técnico de segurança da empresa". (fls. 78)
Diante das irregularidades encontradas, foram lavrados diversos Autos de Infração contra a empresa por: "deixar de elaborar procedimento de trabalho e/ou segurança específico e/ou padronizado com descrição detalhada de cada tarefa e que obedeça a análise de risco," nos termos do item 12.130 da NR-12."; "deixar de instalar proteção móvel quando o acesso a zona de perigo for requerido um a ou mais vezes por turno de trabalho", com base no item 12.44 da NR-12. " deixar de adotar sistema de segurança em máquina de cortar e/ou de picar e/ou de triturar e/ou de moer e/ou de desfibrar e/ou similar que impossibilite a contato do operador ou demais pessoas com as zonas de perigo", na forma do item 6.9, anexo XI, da NR-12. (fls. 79)
No mesmo sentido, destaca-se o "Relatório de Análise de Acidente Grave" elaborado pelo Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador, da Prefeitura de São José do Rio Preto, cujo parecer apontou que "o trabalhador não tinha conhecimento de todos os riscos existentes na operação da máquina que operava"; "não tinha qualificação necessária"; "trabalhador contratado para serviços gerais não tem capacitação para operar máquinas, se o mesmo não passou pelas qualificações com etapas teóricas e práticas exigidas pelo Anexo II da NR 12". (fls. 130)
Em sede de ação indenizatória por ato ilícito decorrente do acidente, ajuizada pelo empregado no âmbito da justiça do trabalho, não foi diferente a conclusão a que chegou médica perita oficial, confirmando que "no caso em discussão houve amputação de membro em máquina trituradora de galhos e madeiras, que podia ser evitado. O trabalho em máquina tem riscos, mas devem ser utilizados meios prevencionistas para evitar acidentes e doenças de trabalho". (fls. 439)
Portanto, à luz dos elementos probatórios coligidos aos autos, evidenciada a falta de capacitação ao empregado, a ausência de supervisão de sua rotina de trabalho, bem como a falha na proteção adequada do maquinário, resta comprovada a negligência da "CONSTROESTE", razão pela qual deve ser responsabilizada a ressarcir ao erário os valores pagos ao autor a título de auxílio-doença acidentário em decorrência das graves violações às normas de segurança e higiene do trabalho previstas na NR 12 (item 1 do Anexo II; item 6.9 do Anexo XI;).
Da responsabilidade do ente público
O SERVIÇO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, Autarquia Municipal, contratou com particular, após procedimento licitatório na modalidade pregão eletrônico, a prestação de serviço de "carregamento, revolvimentos e descarregamentos na área interna de materiais compostos de resíduos do lodo de tratamento de esgoto e resíduos vegetais provenientes da poda de árvores do perímetro urbano, bem como vegetação rasteira, incluindo-se a preparação do material de poda (...)".
Não obstante o particular gerir o serviço a ele outorgado por sua conta e risco, devendo responder direta e objetivamente perante terceiros por danos causados em razão da prestação do serviço (art. 37, §6º da CF/88), é certo que a Autarquia Municipal, titular do serviço público, deve também arcar com os prejuízos derivados do exercício de um poder investido pelo próprio Estado.
Com efeito, o ente público é responsável por danos causados a terceiro decorrentes da prestação de serviço público, em virtude de não comprovar o cumprimento de suas obrigações previstas na Lei nº 8.666/93, especialmente sua função de ente fiscalizador da prestação de serviço.
Nesse sentido, dispõe a Lei nº 8.666/93, nos artigos 67 e 70:
Insta ressaltar, por não se tratar de matéria de ordem pública, não haverá pronunciamento judicial sobre eventual subsidiariedade da responsabilidade estatal, porquanto não houve formulação de pedido, nem mesmo discussão da matéria por parte da Autarquia, cuja defesa se limitou à investida de excluir integralmente a obrigação imposta.
Da condenação por litigância de má-fé
No tocante à condenação por litigância de má-fé, não restaram evidenciadas as hipóteses elencadas no artigo 80 do CPC, considerando que a má-fé não se presume, ou seja, tem que estar inequivocamente identificável.
A propósito, trago à colação os seguintes julgados:
Deste modo, afasto a condenação por litigância de má-fé da SEMAE e a consequente fixação de honorários arbitrados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
Dos honorários advocatícios
Quanto ao valor dos honorários advocatícios, questão contra a qual insurge a CONSTROESTE, entendo que a r. sentença fixou-o em consonância com os critérios enumerados no art. 85 do CPC e com aos parâmetros usualmente aceitos pela jurisprudência.
Na hipótese, houve esmero do patrono da parte vencedora, em causa de média complexidade, razão pela qual tenho que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) afigura-se apropriado, quantia que atende aos postulados legais e adequa-se aos padrões adotados por esta Corte.
Dispositivo
Ante o exposto, nego provimento ao agravo retido e à apelação da CONSTROESTE e dou parcial provimento ao recurso de apelação do SEMAE, apenas para afastar sua condenação por litigância de má-fé e os correspondentes honorários advocatícios.
É o voto.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal
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