Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5013956-79.2018.4.03.6100
Relator(a)
Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
Órgão Julgador
1ª Turma
Data do Julgamento
19/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 23/11/2021
Ementa
E M E N T A
CIVIL. APELAÇÃO. SEGURO PESSOAL. INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ NÃO É REQUISITO PARA COBERTURA SECURITÁRIA.
PERÍCIA JUDICIAL QUE COMPROVOU O SINISTRO. TERMO INICIAL FIXADO NOS TERMOS
DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÃO DA CEF. EMISSÃO DO TERMO DE
QUITAÇÃO. DESPESAS DA ESCRITURA A CARGO DO COMPRADOR. ART. 490 DO CC.
APELAÇÃO DA CEF PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DA CAIXA SEGURADORA
IMPROVIDA.
I - A concessão do benefício previdenciário aposentadoria por invalidez tem entre seus requisitos
precisamente a incapacidade total e permanente do segurado, sua constatação pressupõe a
existência de processo administrativo ou judicial nos quais a autarquia previdenciária ou o Poder
Judiciário tem a oportunidade de avaliar as provas apresentadas, bem como a oportunidade de
determinar a produção de prova pericial, levando em consideração fatores socioeconômicos
como o grau de instrução do segurado para fundamentar a decisão que reconhece o direito em
questão. Deste modo, o ato que concede o benefício previdenciário é documentado e dotado de
fé pública, podendo inclusive ser protegido pelos efeitos da coisa julgada quando reconhecido por
via judicial.
II - Por esta razão, nestas condições, existindo reconhecimento público da incapacidade total e
permanente da parte Autora, é de todo desnecessária a realização de nova prova pericial. Se a
hipótese de ocorrência do sinistro tem requisitos coincidentes ao do benefício previdenciário já
concedido, sua configuração resta presumida, sendo ônus do interessado, pelas vias adequadas,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
arguir e provar eventual ilicitude ou nova configuração fática que comine sua validade ou sua
eficácia no que diz respeito às hipóteses em questão.
III -O raciocínio inverso, aquele que pretende condicionar o reconhecimento do sinistro e a
cobertura pleiteada à prévia concessão de aposentadoria por invalidez, no entanto, não é
verdadeiro. Com efeito são inúmeras as razões para que a autarquia previdenciária possa recusar
o benefício pleiteado que não guardam relação com a incapacidade total e permanente do
requerente. Mesmo antes disso, não se cogita de prévio exaurimento da via administrativa
quando as partes, o objeto e a própria relação jurídica são distintos entre si. A aposentadoria por
invalidez representa uma robusta prova em favor da parte Autora, mas não representa requisito
necessário para a cobertura securitária em discussão.
IV - Nos contratos de seguro, a cláusula que exclui a cobertura de sinistros como a incapacidade
total e permanente, ou mesmo o óbito, se decorrentes de doença preexistente, reforça a ideia de
que o risco assumido pela seguradora abrange somente as situações fáticas posteriores à
contratação. A maneira mais rigorosa para avaliar a eventual existência de doenças que poderiam
vir a gerar incapacidade ou levar a óbito o contratante, mas que não seriam cobertas pelo seguro,
envolveria a realização de perícia médica antes da contratação do seguro. Esse, aliás, é o
entendimento consagrado na Súmula 609 do STJ, segundo a qual a recusa de cobertura
securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames
médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.
V - Diante da dificuldade operacional e financeira de realizar tantas perícias quantos são os
contratos de seguro assinados diariamente, a cláusula que versa sobre doenças preexistentes é
redigida de maneira ampla e genérica. Destarte surge a possibilidade de que a sua interpretação,
já se considerando a configuração categórica do sinistro, seja feita de maneira distorcida com
vistas a evitar o cumprimento da obrigação. Por esta razão, ainda que os primeiros sintomas da
doença tenham se manifestado antes da contratação do seguro, não é possível pressupor
categoricamente que, à época da assinatura do contrato, fosse previsível que a sua evolução
seria capaz de gerar a incapacidade total e permanente ou o óbito do segurado.
VI - De outra forma, doenças de origem genética e predisposição familiar, doenças que tendem a
se manifestar ou se agravar com a idade, doenças decorrentes de vícios ou maus hábitos do
segurado com sua própria saúde, doenças que apresentam evolução peculiar ou inesperada, a
depender da interpretação de seus sintomas, poderiam todas restar abrangidas pela cláusula em
questão, com potencial de esvaziar completamente o objeto do contrato neste tópico. Assim, nem
mesmo a concessão de auxílio doença, como fato isolado, exatamente por somente pressupor a
existência de incapacidade temporária, é suficiente para afastar a configuração do sinistro por
invalidez ou óbito decorrente de doença preexistente.
VII - Nas controvérsias judicializadas, é incumbência do magistrado avaliar de maneira casuística
a eventual incidência da cláusula que afasta a cobertura securitária por preexistência da doença
que veio a gerar o sinistro. Neste diapasão, o seu reconhecimento deve se restringir notadamente
às hipóteses em que era evidente que o quadro clínico do segurado levaria ao sinistro, ou quando
houver forte indício ou prova de má-fé do segurado, nos termos dos artigos 762, 765 e 766, caput
e parágrafo único, 768 do CC.
VIII - No caso em tela, a assinatura do contrato ocorreu em 10/12/2008, constando nos autos a
apólice de seguro contratada. A parte Autora apresentou, junto à inicial, relatórios médicos
assinados em 11/01/2018 e 29/03/2018, além de documento comprovando nova prorrogação do
auxílio doença. A perita judicial juntou nos autos o laudorealizado em 27/08/2019 apontando que
a parte Autora teve o diagnóstico de linfoma de células T periférico em 2015 e que em 07/06/2017
fez um transplante de medula óssea. Narra que, após esse fato, apresentou requerimento
administrativo de seguro habitacional em decorrência de invalidez junto à CEF no dia 05/01/2018.
Prosseguiu relatando que o autor está recebendo auxílio doença desde 14/10/2016 de forma
ininterrupta, fator que reforça que sua incapacidade não é temporária. Assenta que a condição do
autor aumenta as chances de contrair doenças infecciosas quando exposto a ambientes públicos
e em contato com raio UV. Não esta trabalhando desde 2015. Conclui que todos esses fatores
em conjunto demonstram a invalidez total e permanente do segurado.
IX - Nestas condições, mesmo ao se considerar que os primeiros sintomas da doença surgiram
entre 2014 e 2015, não há qualquer razoabilidade na alegação de doença pré-existente, muito
menos na existência de má-fé da parte Autora, uma vez que o contrato foi assinado em 2008. A
conclusão da perícia é inequívoca quanto à capacidade total e permanente.
X - No tocante ao termo inicial para a cobertura requerida, com efeito, é público e notório que o
tipo de doença que acometeu a parte Autora com muita frequência demora a ser percebida como
tal. A própria parte Autora, ao formular comunicado de sinistro em 05/01/2018, informou como
data de ocorrência do sinistro o dia 07/06/2017. A data coincide com a realização de transplante
de médula óssea que aumenta a exposição do paciente a outras doenças e serve de referência
para a ciência inequívoca da incapacidade total e permanente.
XI - Assiste razão à CEF quanto aos custos para regularizar a matrícula do imóvel, já que o art.
490 do CC assenta que, salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a
cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição. Em contrarrazões, a parte Autora não
apontou qualquer previsão que afaste a incidência da norma em questão. Desta forma, a
obrigação da CEF restringe-se à emissão do termo de quitação da dívida, ressalvando-se que
qualquer controvérsia envolvendo a seguradora e o cumprimento da sentença deverá ser objeto
de ação própria.
XII - Assiste razão à CEF quanto aos custos para regularizar a matrícula do imóvel, já que o art.
490 do CC assenta que, salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a
cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição. Em contrarrazões, a parte Autora não
apontou qualquer previsão que afaste a incidência da norma em questão. Desta forma, a
obrigação da CEF restringe-se à emissão do termo de quitação da dívida, ressalvando-se que
qualquer controvérsia envolvendo a seguradora e o cumprimento da sentença deverá ser objeto
de ação própria.
XIII - Apelação da seguradora improvida e apelação da CEF parcialmente para fixar o termo
inicial da cobertura securitária, além de restringir sua obrigação à emissão do termo de quitação
da dívida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5013956-79.2018.4.03.6100
RELATOR:Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, CAIXA SEGURADORA S/A
Advogado do(a) APELANTE: MARIA MERCEDES OLIVEIRA FERNANDES DE LIMA -
SP82402-A
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA -
SP344647-S
APELADO: CARLOS JOSE PEREIRA SILVA
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5013956-79.2018.4.03.6100
RELATOR:Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, CAIXA SEGURADORA S/A
Advogado do(a) APELANTE: MARIA MERCEDES OLIVEIRA FERNANDES DE LIMA -
SP82402-A
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA -
SP344647-S
APELADO: CARLOS JOSE PEREIRA SILVA
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido, extinguindo o
feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I do CPC, para declarar em favor do
Autor o direito de quitação do saldo devedor do financiamento com fundamento no prêmio de
seguro, na forma prevista nas cláusulas 12.1, 13.1 e 25.1, “b” da apólice de seguro, condenado
a corré CAIXA ECONÔMICA FEDERAL à obrigação de fazer consistente na averbação da
transferência do bem imóvel de matrícula nº 158.579 ao seu nome junto ao 12º Cartório de
Registro de Imóveis de São Paulo (SP). Custas na forma da Lei. Condenou as corrés a
pagarem honorários advocatícios ao Autor, fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos
termos do art. 85, § 2º do CPC.
A ação de procedimento comum proposta por CARLOS JOSÉ PEREIRA SILVA, representado
pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, em face de CAIXA SEGURADORA S.A. e CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL, objetivando a concessão de medida cautelar para que as corrés se
abstenham de praticar condutas judiciais ou administrativas relacionadas à retomada do imóvel,
bem como a tutela de urgência para que seja dado seguimento ao pedido de incidência de
cobertura securitária feito pelo Autor sem a necessidade de apresentação de carta de
concessão de aposentadoria por invalidez ou documento equivalente, realizando perícia médica
e demais exames pertinentes. Em sede de julgamento definitivo de mérito, requereu a
procedência da ação para que fosse declarada como devida a incidência de cobertura
securitária por invalidez permanente, com a condenação das corrés (i) à quitação do saldo
devedor do financiamento, nos termos da cláusula nº 25, “b” do contrato de seguro e (ii) à
transferência da propriedade do imóvel no RGI competente. Narrou ter celebrado com a corré
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, na data de 10.12.2008, contrato de financiamento de imóvel
com alienação fiduciária em garantia e previsão contratual de cobertura por prêmio de seguro.
Relatou que, em meados de 2015, foi diagnosticado com quadro de linfoma de célula-T
periférico, realizando, inclusive, transplante de medula óssea. Nesse contexto, em 05.01.2018,
houve por necessário realizar pedido administrativo de cobertura do seguro habitacional para o
caso de invalidez (comunicado nº 275678). Informou, todavia, que a corré CAIXA
SEGURADORA exigiu, para fins de concessão do prêmio, comprovação de publicação de
aposentadoria ou apresentação de carta de concessão de aposentadoria, o que não considera
lícito, na medida em que a perícia do INSS seria independente da perícia da CEF, bem como
pelo fato de sua incapacidade não ser temporária, estendendo-se há mais de dois anos por
ocasião da distribuição. Sustentou que não possui mais capacidade para arcar com as parcelas
do financiamento, por não conseguir se realocar no mercado de trabalho, dependendo
exclusivamente do recebimento de auxílio-doença e da contribuição de conhecidos.
Recebidos os autos, foi proferida a decisão deferindo a gratuidade da Justiça em favor do Autor
e determinando (ii) a suspensão da exigibilidade das parcelas decorrentes do contrato de
financiamento, desde eventual constituição em mora e devendo a corré CEF abster-se da
prática de qualquer ato tendente à execução extrajudicial; (iii) a realização de perícia médica
oncológica, com a nomeação de perita e sua intimação para o início dos trabalhos; e (iv) a
citação das corrés.
A corré CAIXA SEGURADORA S.A apresentou a contestação alegando não reunir condições
operacionais para cumprir o que foi requerido em caráter liminar em relação às parcelas de
financiamento, bem como a ausência de pretensão resistida com relação à cobertura
securitária. Quanto ao mérito, sustentou a ausência de provas quanto à invalidez total e
permanente invocada pelo Autor, inclusive na seara do procedimento administrativo em curso
perante o INSS.
A corré CAIXA ECONÔMICA FEDERAL apresentou a contestação, aduzindo sua ilegitimidade
passiva e a incompetência absoluta da Justiça Federal, haja vista que a apólice vinculada ao
contrato é livre, não guardando correlação com os recurso do FCVS, pertencendo, assim, ao
ramo privado; bem como porque as únicas relações jurídica existentes com o Autor são os
contratos de mútuo e hipoteca. Quanto ao mérito, aduziu (i) que as partes permanecem
vinculadas aos termos contratuais, (ii) que o Termo de Negativa de Cobertura informou que a
doença do mutuário era anterior à assinatura do contrato habitacional, (iii) a inaplicação do
Código de Defesa do Consumidor à demanda e (iv) o descabimento da pretensão de
recebimento da indenização securitária.
A Defensoria Pública da União informou que o benefício de auxílio doença foi renovado,
demonstrando que a incapacidade não é temporária; e alegou que a corré CEF interrompeu o
débito automático em conta corrente das parcelas do financiamento e recusou a emissão dos
boletos, requerendo, portanto, o deferimento de tutela incidental para autorizar a consignação
das parcelas vencidas e vincendas em juízo até o trânsito em julgado da ação.
Foi juntado o laudo pericial.
A corré CAIXA SEGURADORA manifestou-se sobre o laudo pericial, requerendo a juntada de
parecer técnico. Foi proferida decisão intimando a Autora para manifestar-se sobre as
contestações e concedendo às partes prazo para especificação de provas. A corré CAIXA
SEGURADORA requereu a realização de perícia médica para comprovação do alegado quadro
de invalidez total e permanente.
Sobreveio a decisão rejeitando as preliminares de falta de interesse de agir e a ilegitimidade
passiva da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL indeferindo a realização de perícia médica
complementar.
Foi proferida a sentença ora impugnada.
Em razões de apelação, a CEF sustenta, em síntese, que foi condenada à obrigação de fazer
consistente na averbação da transferência do bem imóvel, providência esta que não lhe cabe
por existirem despesas tributárias e cartorárias de responsabilidade do mutuário nos termos do
contrato firmado entre as partes. Afirma que não há qualquer sentido na reversão da referida
obrigação para a CEF. Entende que sua obrigação restringe-se à emissão do termo de quitação
da dívida. Assevera que não consta do dispositivo a data em que deve ser considerado o
sinistro "invalidez", essencial para o cumprimento da obrigação, além de eventual necessidade
do autor quitar prestações vencidas e não pagas anteriormente ao sinistro, ou, ao contrário, o
dever da CEF em devolver as prestações eventualmente pagas após a ocorrência deste. Refere
que, embora a perícia aponta o inicio da incapacidade laoral em 01/10/2015, o pedido de
cobertura pelo só foi feito em janeiro de 2018. Na hipótese de utilização da primeira data, na
hipótese de devolução de prestações já pagas, estas deverão ser corrigidas pelos mesmos
termos previstos no contrato. Protesta que a condenação deve ser dirigida à Caixa Seguros que
é pessoa jurídica distinta da CEF.
Em razões de apelação, a Caixa Seguradora defende a configuração de doença pré existente
como fundamento para afastar a condenação, uma vez que os primeiros sintomas surgiram em
2008. Protesta que o autor agiu de má fé ao preencher questionário de avaliação de risco,
omitindo a doença de que era portador, em arrepio ao teor do art. 765 do CC, fazendo incidir o
teor do art. 766 do CC. Refere que a submissão do segurado a exames médicos prévios à
celebração do contrato não é critério objetivo para fundamentar eventual negativa por parte da
seguradora.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região1ª Turma
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APELADO: CARLOS JOSE PEREIRA SILVA
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A concessão do benefício previdenciário aposentadoria por invalidez tem entre seus requisitos
precisamente a incapacidade total e permanente do segurado, sua constatação pressupõe a
existência de processo administrativo ou judicial nos quais a autarquia previdenciária ou o
Poder Judiciário tem a oportunidade de avaliar as provas apresentadas, bem como a
oportunidade de determinar a produção de prova pericial, levando em consideração fatores
socioeconômicos como o grau de instrução do segurado para fundamentar a decisão que
reconhece o direito em questão. Deste modo, o ato que concede o benefício previdenciário é
documentado e dotado de fé pública, podendo inclusive ser protegido pelos efeitos da coisa
julgada quando reconhecido por via judicial.
Por esta razão, nestas condições, existindo reconhecimento público da incapacidade total e
permanente da parte Autora, é de todo desnecessária a realização de nova prova pericial. Se a
hipótese de ocorrência do sinistro tem requisitos coincidentes ao do benefício previdenciário já
concedido, sua configuração resta presumida, sendo ônus do interessado, pelas vias
adequadas, arguir e provar eventual ilicitude ou nova configuração fática que comine sua
validade ou sua eficácia no que diz respeito às hipóteses em questão.
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SFH. INTERVENÇÃO DA UNIÃO:
DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA: NÃO CARACTERIZADO. COBERTURA
SECURITÁRIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE RECONHECIDA PELO INSS.
JUROS DE MORA: INCIDÊNCIA A PARTIR DA CITAÇÃO. RECURSOS NÃO PROVIDOS.
1. É desnecessária a intervenção da União em feitos nos quais se discute cobertura pelo Fundo
de Compensação de Variações Salariais - FCVS. Precedente obrigatório.
2. Em observância ao artigo 130 do Código de Processo Civil de 1973, deve prevalecer a
prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de prova em
audiência, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Precedentes.
3. No caso, as provas documentais carreadas aos autos são suficientes para a formação da
convicção do magistrado quanto à incapacidade da autora, sendo desnecessária a realização
de perícia médica para o mesmo fim.
4. É requisito legal para a concessão do referido benefício que o segurado seja acometido por
incapacidade total e permanente, o que foi reconhecido pelo INSS após perícia médica, no caso
da autora, ou não lhe teria sido concedida a aposentadoria por invalidez ainda na esfera
administrativa.
5. Eventual perícia realizada pela seguradora não teria o condão de afastar o resultado daquela
realizada pelo INSS. Ao alegar que a invalidez que acomete a autora seria apenas parcial,
pretende a apelante apenas eximir-se da cobertura contratada obrigatoriamente pela mutuária.
Precedente.
6. No caso dos autos, verifica-se que estiveram à disposição da seguradora pareceres médicos
de conclusões conflitantes, tendo a apelante embasado a negativa de cobertura naquele que
mais lhe convinha.
7. Quanto aos juros de mora incidentes sobre o total a ser restituído à autora, a obrigação de
indenizar retroage à data da ciência inequívoca da invalidez permanente da mutuária, o mesmo
ocorrendo com a obrigação de restituir-lhe as parcelas do financiamento, pagas quando sua
quota no mútuo já deveria ter sido quitada. Uma obrigação refletindo na outra, mostra-se
incabível o acolhimento da tese segundo a qual a CEF só estaria em mora se a sentença fosse
descumprida pela seguradora.
8. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do
Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a
comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso
interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento
de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
9. Preliminares afastadas. Apelações não providas.
(TRF3, AC 00000889120114036124, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1982538, PRIMEIRA TURMA,
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/11/2016)
O raciocínio inverso, aquele que pretende condicionar o reconhecimento do sinistro e a
cobertura pleiteada à prévia concessão de aposentadoria por invalidez, no entanto, não é
verdadeiro. Com efeito são inúmeras as razões para que a autarquia previdenciária possa
recusar o benefício pleiteado que não guardam relação com a incapacidade total e permanente
do requerente. Mesmo antes disso, não se cogita de prévio exaurimento da via administrativa
quando as partes, o objeto e a própria relação jurídica são distintos entre si. A aposentadoria
por invalidez representa uma robusta prova em favor da parte Autora, mas não representa
requisito necessário para a cobertura securitária em discussão.
Em um contexto de relações sociais e jurídicas massificadas, em que inúmeros sujeitos de
direito, diante da necessidade de contratar determinado serviço, tem sua autonomia reduzida a
aderir ou não a contratos padronizados e que pouco se distinguem entre os poucos ofertantes
de um determinado mercado, as controvérsias que se instauram entre os contratantes devem
ser dirimidas tendo como parâmetro o princípio da boa fé objetiva.
Nos contratos de seguro, a cláusula que exclui a cobertura de sinistros como a incapacidade
total e permanente, ou mesmo o óbito, se decorrentes de doença preexistente, reforça a ideia
de que o risco assumido pela seguradora abrange somente as situações fáticas posteriores à
contratação.
A maneira mais rigorosa para avaliar a eventual existência de doenças que poderiam vir a gerar
incapacidade ou levar a óbito o contratante, mas que não seriam cobertas pelo seguro,
envolveria a realização de perícia médica antes da contratação do seguro.
Nesta hipótese, restaria afastada, de um lado, por exemplo, a situação limite de um vínculo
constituído com má-fé, no qual o segurado portador de doença grave em estágio terminal
contrata seguro estando ciente da configuração certa do sinistro em futuro breve. De outro lado,
ao tomar conhecimento de quais hipóteses fáticas ou quais riscos predeterminados não seriam
cobertas pelo seguro, de maneira transparente e objetiva, o interessado poderia desistir de
assumir a obrigação ou ainda poderia realizar o contrato com a seguradora de sua preferência,
já que poderia entender esvaziado o seu interesse legítimo nestas condições, não se
justificando a contraprestação.
Esse, aliás, é o entendimento consagrado na Súmula 609 do STJ, segundo a qual a recusa de
cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência
de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.
Diante da dificuldade operacional e financeira de realizar tantas perícias quantos são os
contratos de seguro assinados diariamente, a cláusula que versa sobre doenças preexistentes é
redigida de maneira ampla e genérica. Destarte surge a possibilidade de que a sua
interpretação, já se considerando a configuração categórica do sinistro, seja feita de maneira
distorcida com vistas a evitar o cumprimento da obrigação.
Por esta razão, ainda que os primeiros sintomas da doença tenham se manifestado antes da
contratação do seguro, não é possível pressupor categoricamente que, à época da assinatura
do contrato, fosse previsível que a sua evolução seria capaz de gerar a incapacidade total e
permanente ou o óbito do segurado.
De outra forma, doenças de origem genética e predisposição familiar, doenças que tendem a se
manifestar ou se agravar com a idade, doenças decorrentes de vícios ou maus hábitos do
segurado com sua própria saúde, doenças que apresentam evolução peculiar ou inesperada, a
depender da interpretação de seus sintomas, poderiam todas restar abrangidas pela cláusula
em questão, com potencial de esvaziar completamente o objeto do contrato neste tópico.
Assim, nem mesmo a concessão de auxílio doença, como fato isolado, exatamente por
somente pressupor a existência de incapacidade temporária, é suficiente para afastar a
configuração do sinistro por invalidez ou óbito decorrente de doença preexistente.
Nas controvérsias judicializadas, é incumbência do magistrado avaliar de maneira casuística a
eventual incidência da cláusula que afasta a cobertura securitária por preexistência da doença
que veio a gerar o sinistro. Neste diapasão, o seu reconhecimento deve se restringir
notadamente às hipóteses em que era evidente que o quadro clínico do segurado levaria ao
sinistro, ou quando houver forte indício ou prova de má-fé do segurado, nos termos dos artigos
762, 765 e 766, caput e parágrafo único, 768 do CC.
PROCESSO CIVIL, CIVIL, CONSUMIDOR E SFH. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA
FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO
FRENTE AO PRÓPRIO MUTUANTE OU SEGURADORA POR ELE INDICADA.
DESNECESSIDADE. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE COBERTURA POR DOENÇA
PREEXISTENTE. PRÉVIO EXAME MÉDICO. NECESSIDADE.
- É inadmissível o recurso especial deficientemente fundamentado. Incidência da Súmula
284/STF.
- A despeito da aquisição do seguro ser fator determinante para o financiamento habitacional, a
lei não determina que a apólice deva ser necessariamente contratada frente ao próprio
mutuante ou seguradora por ele indicada. Precedentes.
- Nos contratos de seguro, o dever de boa-fé e transparência torna insuficiente a inserção de
uma cláusula geral de exclusão de cobertura; deve-se dar ao contratante ciência discriminada
dos eventos efetivamente não abrangidos por aquele contrato.
- O fato do seguro ser compulsório não ilide a obrigatoriedade de uma negociação transparente,
corolário da boa-fé objetiva inerente a qualquer relação contratual, em especial aquelas que
caracterizam uma relação de consumo.
- No seguro habitacional, é crucial que a seguradora, desejando fazer valer cláusula de
exclusão de cobertura por doença preexistente, dê amplo conhecimento ao segurado, via
exame médico prévio, sobre eventuais moléstias que o acometam no ato de conclusão do
negócio e que, por tal motivo, ficariam excluídas do objeto do contrato. Essa informação é
imprescindível para que o segurado saiba, de antemão, o alcance exato do seguro contratado,
inclusive para que, no extremo, possa desistir do próprio financiamento, acaso descubra estar
acometido de doença que, não abrangida pelo seguro, possa a qualquer momento impedi-lo de
dar continuidade ao pagamento do mútuo, aumentando sobremaneira os riscos do negócio.
Assim, não se coaduna com o espírito da norma a exclusão desse benefício nos casos de
doença preexistente, porém não diagnosticada ao tempo da contratação. Em tais hipóteses,
ausente a má-fé do mutuário-segurado, a indenização securitária deve ser paga. Recurso
especial não conhecido.
(STJ, RESP 200801560912, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1074546, MASSAMI UYEDA,
TERCEIRA TURMA, DJE DATA:04/12/2009)
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SFH. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF.
NEGATIVA DE COBERTURA SECURITÁRIA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE TERMO DE
RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. CLÁUSULA QUE IMPEDE A INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA
POR DOENÇA PREEXISTENTE AO CONTRATO. NOVAÇÃO. VALIDADE DO
INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA DA CEF. DANO MORAL INDENIZÁVEL:
INEXISTÊNCIA. RECURSO DO AUTOR PREJUDICADO. HONORÁRIOS RECURSAIS: NÃO
CABIMENTO. RECURSO PROVIDO.
1. A ação foi ajuizada com o escopo de obter a declaração de nulidade do termo de
renegociação de contrato de mútuo habitacional vinculado ao SFH, no qual figura como credora
a Caixa Econômica Federal. O fato de a cláusula declarada nula pela r. sentença versar sobre
cobertura securitária não retira a CEF da relação jurídica de direito material, nem tampouco da
relação jurídica de direito processual instrumentalizadora da primeira.
2. O Superior Tribunal de Justiça e a Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal da
Terceira Região já se posicionaram no sentido de que a Seguradora não pode alegar doença
preexistente a fim de negar cobertura securitária, nos casos em que recebeu pagamento de
prêmios e concretizou o seguro sem exigir exames prévios. Precedentes.
3. Somente a demonstração inequívoca da má-fé do segurado, no sentido de que teria
contratado o financiamento ciente da moléstia incapacitante com o fito de obter precocemente a
quitação do contrato, poderia afastar o entendimento jurisprudencial consagrado.
4. O termo de renegociação da dívida originária constitui inequívoca novação.
5. A novação se perfectibiliza se atendidos três requisitos, quais sejam: 1) deve haver uma
obrigação originária e válida; 2) a nova obrigação deverá possuir conteúdo essencialmente
distinto da primeira; e 3) deve haver o ânimo, ou seja, a vontade de novação ("animus
novandi").
6. No caso em exame, não houve demonstração de qualquer vício que pudesse macular o novo
contrato estabelecido entre as partes, de forma que restaram preenchidos os requisitos da
novação pactuada.
7. A narrativa do autor leva à conclusão de que não estão presentes os elementos necessários
à responsabilização da CEF no caso concreto, quais sejam: conduta ilícita, resultado danoso e
nexo de causalidade.
8. O termo de renegociação da dívida é plenamente válido, como visto, mesmo porque o autor
não logrou comprovar a alegada falta de discernimento quando da novação. A aplicação da
Cláusual Décima Segunda e parágrafos não pode ser tomada como ato ilícito praticado pela
seguradora. Menos ainda pode ser classificado como ato ilícito praticado pela CEF a inserção
de referida cláusula no termo de renegociação da dívida. A abusividade não decorre da cláusula
em si, mas da conduta de negar a cobertura securitária ao argumento da preexistência da
doença sem a realização de exames prévios.
9. Também não há ilicitude da apelante no fato de ter dado início ao procedimento de execução
extrajudicial do imóvel anteriormente à comunicação do sinistro pelo autor, que se encontrava
inadimplente desde outubro de 1999.
10. Ausente a ilicitude da conduta da CEF, não há que se falar, consequentemente, em nexo de
causalidade nem em dano moral.
11. A presença da Caixa Seguradora S/A no polo passivo do presente feito deu-se unicamente
em razão do requerimento da CEF, já que a demanda não foi ajuizada contra a seguradora.
Assim, entendo que o feito deve ser extinto sem resolução de mérito em relação à Caixa
Seguradora S/A, sendo-lhe devidos honorários advocatícios, pela CEF, em razão do princípio
da causalidade.
12. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do
Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a
comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso
interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento
de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
13. Preliminar afastada. Apelação da CEF provida. Apelação do autor prejudicada.(TRF3, AC
00078235020024036106, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1516641, DESEMBARGADOR FEDERAL
HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2016)
DIREITO CIVIL. SFH. TERMO DE RENEGOCIAÇÃO E RERRATIFICAÇÃO DA DÍVIDA.
NOVAÇÃO. SEGURO POR INVALIDEZ.
1. Ação proposta por mutuária do SFH onde pleiteia cobertura do seguro por invalidez.
2. Negativa de cobertura pelo agente financeiro sob a alegação de que a doença incapacitante
é pré-existente ao termo de renegociação da dívida, considerado novo contrato de
financiamento.
3. Ausente o animus novandi, o termo de renegociação da dívida não se consubstancia em
novo contrato, mas em confirmação do contrato de financiamento original.
4. Reconhecido o direito à cobertura do seguro por invalidez, uma vez que a autora foi
acometida de câncer após a assinatura do contrato de financiamento.
5. Apelação improvida.
(TRF5, AC 200280000080745, AC - Apelação Civel - 330439, Relator Desembargador Federal
Paulo Roberto de Oliveira Lima, Segunda Turma, DJ - Data::24/03/2004)
No caso em tela, a assinatura do contrato ocorreu em 10/12/2008 (ID 178855051), constando
nos autos a apólice de seguro contratada (ID 178855071, ID 178855074). A parte Autora
apresentou, junto à inicial, relatórios médicos assinados em 11/01/2018 (ID 178855052, 37 de
85) e 29/03/2018 (ID 178855052, 68 de 85), além de documento comprovando nova
prorrogação do auxílio doença (ID 178855283).
A perita judicial juntou nos autos o laudorealizado em 27/08/2019 (ID 178855302) apontando
que a parte Autora teve o diagnóstico de linfoma de células T periférico em 2015 e que em
07/06/2017 fez um transplante de medula óssea. Narra que, após esse fato, apresentou
requerimento administrativo de seguro habitacional em decorrência de invalidez junto à CEF no
dia 05/01/2018.
Prosseguiu relatando que o autor está recebendo auxílio doença desde 14/10/2016 de forma
ininterrupta, fator que reforça que sua incapacidade não é temporária. Assenta que a condição
do autor aumenta as chances de contrair doenças infecciosas quando exposto a ambientes
públicos e em contato com raio UV. Não esta trabalhando desde 2015. Conclui que todos esses
fatores em conjunto demonstram a invalidez total e permanente do segurado.
Nestas condições, mesmo ao se considerar que os primeiros sintomas da doença surgiram
entre 2014 e 2015, não há qualquer razoabilidade na alegação de doença pré-existente, muito
menos na existência de má-fé da parte Autora, uma vez que o contrato foi assinado em 2008. A
conclusão da perícia é inequívoca quanto à capacidade total e permanente.
No tocante ao termo inicial para a cobertura requerida, com efeito, é público e notório que o tipo
de doença que acometeu a parte Autora com muita frequência demora a ser percebida como
tal. A própria parte Autora, ao formular comunicado de sinistro em 05/01/2018, informou como
data de ocorrência do sinistro o dia 07/06/2017 (ID 178855052, 62 de 85). A data coincide com
a realização de transplante de médula óssea que aumenta a exposição do paciente a outras
doenças e serve de referência para a ciência inequívoca da incapacidade total e permanente.
Assiste razão à CEF quanto aos custos para regularizar a matrícula do imóvel, já que o art. 490
do CC assenta que, salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a
cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição. Em contrarrazões, a parte Autora
não apontou qualquer previsão que afaste a incidência da norma em questão. Desta forma, a
obrigação da CEF restringe-se à emissão do termo de quitação da dívida, ressalvando-se que
qualquer controvérsia envolvendo a seguradora e o cumprimento da sentença deverá ser objeto
de ação própria.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da seguradora e dou parcial provimento à
apelação da CEF para fixar o termo inicial da cobertura securitária, além de restringir sua
obrigação à emissão do termo de quitação da dívida, na forma dafundamentação acima.
É o voto.
E M E N T A
CIVIL. APELAÇÃO. SEGURO PESSOAL. INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ NÃO É REQUISITO PARA COBERTURA SECURITÁRIA.
PERÍCIA JUDICIAL QUE COMPROVOU O SINISTRO. TERMO INICIAL FIXADO NOS
TERMOS DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÃO DA CEF. EMISSÃO DO
TERMO DE QUITAÇÃO. DESPESAS DA ESCRITURA A CARGO DO COMPRADOR. ART.
490 DO CC. APELAÇÃO DA CEF PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DA CAIXA
SEGURADORA IMPROVIDA.
I - A concessão do benefício previdenciário aposentadoria por invalidez tem entre seus
requisitos precisamente a incapacidade total e permanente do segurado, sua constatação
pressupõe a existência de processo administrativo ou judicial nos quais a autarquia
previdenciária ou o Poder Judiciário tem a oportunidade de avaliar as provas apresentadas,
bem como a oportunidade de determinar a produção de prova pericial, levando em
consideração fatores socioeconômicos como o grau de instrução do segurado para
fundamentar a decisão que reconhece o direito em questão. Deste modo, o ato que concede o
benefício previdenciário é documentado e dotado de fé pública, podendo inclusive ser protegido
pelos efeitos da coisa julgada quando reconhecido por via judicial.
II - Por esta razão, nestas condições, existindo reconhecimento público da incapacidade total e
permanente da parte Autora, é de todo desnecessária a realização de nova prova pericial. Se a
hipótese de ocorrência do sinistro tem requisitos coincidentes ao do benefício previdenciário já
concedido, sua configuração resta presumida, sendo ônus do interessado, pelas vias
adequadas, arguir e provar eventual ilicitude ou nova configuração fática que comine sua
validade ou sua eficácia no que diz respeito às hipóteses em questão.
III -O raciocínio inverso, aquele que pretende condicionar o reconhecimento do sinistro e a
cobertura pleiteada à prévia concessão de aposentadoria por invalidez, no entanto, não é
verdadeiro. Com efeito são inúmeras as razões para que a autarquia previdenciária possa
recusar o benefício pleiteado que não guardam relação com a incapacidade total e permanente
do requerente. Mesmo antes disso, não se cogita de prévio exaurimento da via administrativa
quando as partes, o objeto e a própria relação jurídica são distintos entre si. A aposentadoria
por invalidez representa uma robusta prova em favor da parte Autora, mas não representa
requisito necessário para a cobertura securitária em discussão.
IV - Nos contratos de seguro, a cláusula que exclui a cobertura de sinistros como a
incapacidade total e permanente, ou mesmo o óbito, se decorrentes de doença preexistente,
reforça a ideia de que o risco assumido pela seguradora abrange somente as situações fáticas
posteriores à contratação. A maneira mais rigorosa para avaliar a eventual existência de
doenças que poderiam vir a gerar incapacidade ou levar a óbito o contratante, mas que não
seriam cobertas pelo seguro, envolveria a realização de perícia médica antes da contratação do
seguro. Esse, aliás, é o entendimento consagrado na Súmula 609 do STJ, segundo a qual a
recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a
exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.
V - Diante da dificuldade operacional e financeira de realizar tantas perícias quantos são os
contratos de seguro assinados diariamente, a cláusula que versa sobre doenças preexistentes é
redigida de maneira ampla e genérica. Destarte surge a possibilidade de que a sua
interpretação, já se considerando a configuração categórica do sinistro, seja feita de maneira
distorcida com vistas a evitar o cumprimento da obrigação. Por esta razão, ainda que os
primeiros sintomas da doença tenham se manifestado antes da contratação do seguro, não é
possível pressupor categoricamente que, à época da assinatura do contrato, fosse previsível
que a sua evolução seria capaz de gerar a incapacidade total e permanente ou o óbito do
segurado.
VI - De outra forma, doenças de origem genética e predisposição familiar, doenças que tendem
a se manifestar ou se agravar com a idade, doenças decorrentes de vícios ou maus hábitos do
segurado com sua própria saúde, doenças que apresentam evolução peculiar ou inesperada, a
depender da interpretação de seus sintomas, poderiam todas restar abrangidas pela cláusula
em questão, com potencial de esvaziar completamente o objeto do contrato neste tópico.
Assim, nem mesmo a concessão de auxílio doença, como fato isolado, exatamente por
somente pressupor a existência de incapacidade temporária, é suficiente para afastar a
configuração do sinistro por invalidez ou óbito decorrente de doença preexistente.
VII - Nas controvérsias judicializadas, é incumbência do magistrado avaliar de maneira
casuística a eventual incidência da cláusula que afasta a cobertura securitária por preexistência
da doença que veio a gerar o sinistro. Neste diapasão, o seu reconhecimento deve se restringir
notadamente às hipóteses em que era evidente que o quadro clínico do segurado levaria ao
sinistro, ou quando houver forte indício ou prova de má-fé do segurado, nos termos dos artigos
762, 765 e 766, caput e parágrafo único, 768 do CC.
VIII - No caso em tela, a assinatura do contrato ocorreu em 10/12/2008, constando nos autos a
apólice de seguro contratada. A parte Autora apresentou, junto à inicial, relatórios médicos
assinados em 11/01/2018 e 29/03/2018, além de documento comprovando nova prorrogação do
auxílio doença. A perita judicial juntou nos autos o laudorealizado em 27/08/2019 apontando
que a parte Autora teve o diagnóstico de linfoma de células T periférico em 2015 e que em
07/06/2017 fez um transplante de medula óssea. Narra que, após esse fato, apresentou
requerimento administrativo de seguro habitacional em decorrência de invalidez junto à CEF no
dia 05/01/2018. Prosseguiu relatando que o autor está recebendo auxílio doença desde
14/10/2016 de forma ininterrupta, fator que reforça que sua incapacidade não é temporária.
Assenta que a condição do autor aumenta as chances de contrair doenças infecciosas quando
exposto a ambientes públicos e em contato com raio UV. Não esta trabalhando desde 2015.
Conclui que todos esses fatores em conjunto demonstram a invalidez total e permanente do
segurado.
IX - Nestas condições, mesmo ao se considerar que os primeiros sintomas da doença surgiram
entre 2014 e 2015, não há qualquer razoabilidade na alegação de doença pré-existente, muito
menos na existência de má-fé da parte Autora, uma vez que o contrato foi assinado em 2008. A
conclusão da perícia é inequívoca quanto à capacidade total e permanente.
X - No tocante ao termo inicial para a cobertura requerida, com efeito, é público e notório que o
tipo de doença que acometeu a parte Autora com muita frequência demora a ser percebida
como tal. A própria parte Autora, ao formular comunicado de sinistro em 05/01/2018, informou
como data de ocorrência do sinistro o dia 07/06/2017. A data coincide com a realização de
transplante de médula óssea que aumenta a exposição do paciente a outras doenças e serve
de referência para a ciência inequívoca da incapacidade total e permanente.
XI - Assiste razão à CEF quanto aos custos para regularizar a matrícula do imóvel, já que o art.
490 do CC assenta que, salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro
a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição. Em contrarrazões, a parte Autora
não apontou qualquer previsão que afaste a incidência da norma em questão. Desta forma, a
obrigação da CEF restringe-se à emissão do termo de quitação da dívida, ressalvando-se que
qualquer controvérsia envolvendo a seguradora e o cumprimento da sentença deverá ser objeto
de ação própria.
XII - Assiste razão à CEF quanto aos custos para regularizar a matrícula do imóvel, já que o art.
490 do CC assenta que, salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro
a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição. Em contrarrazões, a parte Autora
não apontou qualquer previsão que afaste a incidência da norma em questão. Desta forma, a
obrigação da CEF restringe-se à emissão do termo de quitação da dívida, ressalvando-se que
qualquer controvérsia envolvendo a seguradora e o cumprimento da sentença deverá ser objeto
de ação própria.
XIII - Apelação da seguradora improvida e apelação da CEF parcialmente para fixar o termo
inicial da cobertura securitária, além de restringir sua obrigação à emissão do termo de quitação
da dívida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por
unanimidade, negou provimento à apelação da seguradora e deu parcial provimento à apelação
da CEF para fixar o termo inicial da cobertura securitária, além de restringir sua obrigação à
emissão do termo de quitação da dívida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
