Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2258536 / SP
0024544-13.2017.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
23/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2019
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADES EXERCIDAS EM CONDIÇÕES
ESPECIAIS. CALOR. ATIVIDADE MODERADA. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
I - Recebida a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão
de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex
processual.
II - O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma
vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado
sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei".
III - Desde a edição da Lei 9.032/95, que conferiu nova redação ao artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/91, o segurado passou a ter que comprovar o trabalho permanente em condições
especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física; a efetiva exposição a
agentes físicos, químicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou
integridade física. Até então, reconhecia-se a especialidade do labor de acordo com a categoria
profissional, presumindo-se que os trabalhadores de determinadas categorias se expunham a
ambiente insalubre.
IV - O RPS - Regulamento da Previdência Social, no seu artigo 65, reputa trabalho permanente
"aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do
empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da
produção do bem ou da prestação do serviço". Não se exige, portanto, que o trabalhador se
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
exponha durante todo o período da sua jornada ao agente nocivo.
CV - onsoante o artigo 58, da Lei 8.213/91, cabe ao Poder Público definir quais agentes
configuram o labor especial e a forma como este será comprovado. A relação dos agentes
reputados nocivos pelo Poder Público é trazida, portanto, por normas regulamentares, de que é
exemplo o Decreto n. 2.172/97. Contudo, se a atividade exercida pelo segurado realmente
importar em exposição a fatores de risco, ainda que ela não esteja prevista em regulamento, é
possível reconhecê-la como especial . Segundo o C. STJ, "As normas regulamentadoras que
estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são
exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação
correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente,
não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)"
(Tema Repetitivo 534, REsp 1306113/SC).
VI - Diante das inúmeras alterações dos quadros de agentes nocivos, a jurisprudência
consolidou o entendimento no sentido de que deve se aplicar, no particular, o princípio tempus
regit actum, reconhecendo-se como especiais os tempos de trabalho se na época respectiva a
legislação de regência os reputava como tal.
VI - Tal é a ratio decidendi extraída do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o
rito do art. 543-C do CPC/73, no qual o C. STJ firmou a tese de que "O limite de tolerância para
configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no
período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do
Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu
o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo
694).
VIII - Já quanto à conversão do tempo de trabalho, deve-se obedecer à legislação vigente no
momento do respectivo requerimento administrativo, o que também já foi objeto de decisão
proferida pelo C. STJ em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva (art. 543-C,
do CPC/73), no qual se firmou a seguinte tese: "A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a
aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente
do regime jurídico à época da prestação do serviço" (Tese Repetitiva 546, REsp 1310034/PR).
IX - As condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT), sem prejuízos de outros meios de prova, sendo de se
frisar que apenas a partir da edição do Decreto 2.172, de 05.03.1997, tornou-se exigível a
apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários, salvo
para o agente ruído e calor , que sempre exigiu laudo técnico.
X - Desde 01.01.2004, é obrigatório o fornecimento aos segurados expostos a agentes nocivos
do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que retrata o histórico laboral do
segurado, evidencia os riscos do respectivo ambiente de trabalho e consolida as informações
constantes nos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral antes
mencionados.
XI - No julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à
aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua
saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial". Nessa
mesma oportunidade, a Corte assentou ainda que "na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI),
não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
XII - Nos termos do artigo 57, §5°, da Lei 8.213/91, admite-se a conversão de tempo de
atividade especial para comum, devendo-se observar a tabela do artigo 70, do Decreto
3.048/99, a qual estabelece (i) o multiplicador 2,00 para mulheres e 2,33 para homens, nos
casos em que aposentadoria especial tem lugar após 15 anos de trabalho; (ii) o multiplicador
1,50 para mulheres e 1,75 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar
após 20 anos de trabalho; e (iii) o multiplicador 1,2 para mulheres e 1,4 para homens, nos casos
em que aposentadoria especial tem lugar após 25 anos de trabalho.
XIII - Pelo exposto, pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será concedida ao
segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto
a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim
ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se
reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a
agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii)
reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a
exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos
previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT,
PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
XIV - Revela o PPP de fls. 95/96 que, na qualidade de "líder de coogeração de energia", o autor
esteve exposto de forma habitual e permanente ao agente calor na intensidade IBUTG de 26ºC,
sendo o máximo permitido, 26,7ºC.
XV - Seguindo essa linha, as atividades descritas no formulário legal registram atividades que
envolvem supervisão e acompanhamento, donde pode se concluir não se tratar de atividade
pesada, devendo ser, no máximo, considerada moderada.
XVI - Com relação ao agente calor , destaco que a regulamentação sobre a sua nocividade
sofreu alterações.O Decreto 53.831/64 (Código 1.1.1 do Quadro Anexo) reputava especial a
atividade desenvolvida em locais com temperatura acima de 28º C, provenientes de fontes
artificiais.Já o Decreto 2.172/97 (05.03.1997) estabelece que são considerados especiais os
"trabalhos com exposição ao calor acima dos limites de tolerância estabelecidos na NR-15, da
Portaria no 3.214/78", sendo indiferente que o calor seja proveniente de fontes artificiais ou
naturais, uma vez não previu qualquer diferença de fonte.
XVII - Ainda, nos termos do Anexo III da Norma Regulamentadora 15 o limite de exposição
permitido, para trabalho contínuo, de natureza Leve, é de até 30,0 IBUTG , para atividade de
natureza Moderada, o limite de exposição é de até 26,7 IBUTG e para atividade de natureza
Pesada, o limite de exposição é de até 25,0 IBUTG . Ainda, consoante o Quadro 3 dessa
mesma Norma Regulamentadora, constitui TRABALHO LEVE aquele sentado, movimentos
moderados com braços e tronco (ex.: datilografia), sentado, movimentos moderados com
braços e pernas (ex.: dirigir), de pé, trabalho leve, em máquina ou bancada, principalmente com
os braços; TRABALHO MODERADO Sentado, movimentos vigorosos com braços e pernas, de
pé, trabalho leve em máquina ou bancada, com alguma movimentação, de pé, trabalho
moderado em máquina ou bancada, com alguma movimentação, em movimento, trabalho
moderado de levantar ou empurrar e TRABALHO PESADO Trabalho intermitente de levantar,
empurrar ou arrastar pesos (ex.: remoção com pá) e trabalho fatigante.
XVIII - Diante de tal evolução normativa e do princípio tempus regit actum, em resumo,
reconhece-se como especial o trabalho sujeito a temperatura acima de 28º C (até 05.03.1997),
proveniente de fonte artificial ; e, a partir de 06.03.1997, o executado em ambiente cuja
temperatura seja superior aos limites de tolerância estabelecidos na NR-15 , os quais estão
estabelecidos em "Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo - IBUTG ", independente da
fonte de calor .
XIX - Vale observar que o TNU, no julgamento do PEDILEF 0503015-09.2015.4.05.8312, firmou
a seguinte tese: "após a entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, é possível o reconhecimento
como especial do labor exercido sob exposição ao calor proveniente de fontes naturais, de
forma habitual e permanente, desde que comprovada a superação dos patamares
estabelecidos no Anexo 3 da NR-15/TEM, calculado o IBUTG de acordo com a fórmula prevista
para ambientes externos com carga solar".
XX - Consoante o PPP, na atividade desenvolvida pelo autor como "líder de cogeração de
energia," pela descrição das atividades exercidas, repiso, conclui-se que exercia atividade
moderada, pois, em síntese, desempenhava função de acompanhamento e supervisão no setor
de geração de energia da empresa, havendo exposição a calor de 26 IBUTG .
XXI - As testemunhas oitivadas às fls. 173 e 174, respectivamente, não esclarecem nada
acerca dos fatos objetos destes autos, posto que discorrem sobre o período, não especifiado,
que laboraram juntos na fazenda Sete Lagoas, na lavoura de laranjas. In casu, trata-se de
intervalo trabalhado junto à empresa Noble Brasil S/A, razão pela qual a prova oral não se
prestou a corroborar a versão sustentada pelo autor., tampouco esclarecer os fatos.
XXII - Com base no PPP, único documento comprobatório da função alegada, é de ser mantida
a improcdenecia do pedido formulado na inicial e a sentença, por seus próprios fundamentos.
XXIII - Quanto aos honorários advocatícios, vencida a parte autora, a ela incumbe o pagamento
de custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do
advogado, fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua
execução, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência
judiciária gratuita.
XXIV - Apelação da parte autora improvida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à
apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
