Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2156229 / SP
0016602-61.2016.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
23/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2019
Ementa
CIVIL/PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. ATIVIDADE
EXERCIDA SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. AUXILIAR DE SAÚDE. AGENTES BIOLÓGICOS.
I - Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, consigno
que as situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados
em conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº
13.105/2015.
II - Antes de se adentrar no mérito, é preciso tecer algumas considerações acerca do labor
especial.
O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez
cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado
sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei".
III - Desde a edição da Lei 9.032/95, que conferiu nova redação ao artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/91, o segurado passou a ter que comprovar o trabalho permanente em condições
especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física; a efetiva exposição a
agentes físicos, químicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou
integridade física. Até então, reconhecia-se a especialidade do labor de acordo com a categoria
profissional, presumindo-se que os trabalhadores de determinadas categorias se expunham a
ambiente insalubre.
IV - O RPS - Regulamento da Previdência Social, no seu artigo 65, reputa trabalho permanente
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
"aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do
empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da
produção do bem ou da prestação do serviço". Não se exige, portanto, que o trabalhador se
exponha durante todo o período da sua jornada ao agente nocivo.
V - Consoante o artigo 58, da Lei 8.213/91, cabe ao Poder Público definir quais agentes
configuram o labor especial e a forma como este será comprovado. A relação dos agentes
reputados nocivos pelo Poder Público é trazida, portanto, por normas regulamentares, de que é
exemplo o Decreto n. 2.172/97. Contudo, se a atividade exercida pelo segurado realmente
importar em exposição a fatores de risco, ainda que ela não esteja prevista em regulamento, é
possível reconhecê-la como especial. Segundo o C. STJ, "As normas regulamentadoras que
estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são
exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação
correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente,
não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)"
(Tema Repetitivo 534, REsp 1306113/SC).
VI - Diante das inúmeras alterações dos quadros de agentes nocivos, a jurisprudência
consolidou o entendimento no sentido de que deve se aplicar, no particular, o princípio tempus
regit actum, reconhecendo-se como especiais os tempos de trabalho se na época respectiva a
legislação de regência os reputava como tal.
VI - Tal é a ratio decidendi extraída do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o
rito do art. 543-C do CPC/73, no qual o C. STJ firmou a tese de que "O limite de tolerância para
configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no
período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do
Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu
o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo
694).
VIII - Já quanto à conversão do tempo de trabalho, deve-se obedecer à legislação vigente no
momento do respectivo requerimento administrativo, o que também já foi objeto de decisão
proferida pelo C. STJ em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva (art. 543-C,
do CPC/73), no qual se firmou a seguinte tese: "A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a
aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente
do regime jurídico à época da prestação do serviço" (Tese Repetitiva 546, REsp 1310034/PR).
IX - As condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT), sem prejuízos de outros meios de prova, sendo de se
frisar que apenas a partir da edição da MP 1.523, de 11.10.1996, tornou-se legitimamente
exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos
formulários, salvo para o agente ruído, que sempre exigiu laudo técnico.
X - Acresça-se que, para se comprovar a atividade insalubre a partir de 10.12.1997, a Lei 9.528
passou a exigir laudo técnico, elaborado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança
do trabalho, para demonstrar a efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, sendo certo
que os agentes ruído e calor sempre exigiram a apresentação de laudo.
XI - Desde 01.01.2004, é obrigatório o fornecimento aos segurados expostos a agentes nocivos
do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que retrata o histórico laboral do
segurado, evidencia os riscos do respectivo ambiente de trabalho e consolida as informações
constantes nos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral antes
mencionados.
XII - No julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à
aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua
saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial". Nessa
mesma oportunidade, a Corte assentou ainda que "na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI),
não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
XIII - Considerando que a Lei 9.032/95 não previu a exigência de LTCAT (Laudo Técnico de
Condições Ambientais do Trabalho) como requisito para a concessão da aposentadoria
especial, consolidou-se o entendimento de que referido laudo só é exigível a partir de 11/10/06
(MP 1.523-10) e que a menção a EPI ou EPC somente é exigível após 14.12.98 (Portaria MPS
5.404/99).
XIV - Nos termos do artigo 57, §5°, da Lei 8.213/91, admite-se a conversão de tempo de
atividade especial para comum, devendo-se observar a tabela do artigo 70, do Decreto
3.048/99, a qual estabelece (i) o multiplicador 2,00 para mulheres e 2,33 para homens, nos
casos em que aposentadoria especial tem lugar após 15 anos de trabalho; (ii) o multiplicador
1,50 para mulheres e 1,75 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar
após 20 anos de trabalho; e (iii) o multiplicador 1,2 para mulheres e 1,4 para homens, nos casos
em que aposentadoria especial tem lugar após 25 anos de trabalho.
XV - Pelo exposto, pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será concedida ao
segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto
a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim
ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se
reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a
agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii)
reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a
exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos
previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT,
PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
XVI - Até 28/04/1995, o enquadramento do labor especial poderia ser feito com base na
categoria profissional. Após essa data, o segurado passou a ter que provar, por meio de
formulário específico, a exposição a agente nocivo, no caso biológico, previsto no item 3.0.1 do
Anexo IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
XVII - O laudo técnico pericial de fls. 148/158 constou atado que a parte autora esteve exposta
a agentes biológicos, atuando como escriturária/auxiliar de saúde, porquanto entre outras
funções, realizava limpeza de material ginecológico, aplicava vacinas.
XVIII - Os PPP ́s de fls. 47/48, 49/50 registram fator de risco biológico, informando que as
atividades desenvolvidas pela segurada, no período de, respectivamente, 15/08/1986 a
30/10/1987 e 25/11/1991 a 17/07/2012 (data da expedição do PPP), importavam no seu contato
com agentes biológicos nocivos de forma habitual. Em verdade, é da leitura do formulário legal,
pela descrição de atividades, é que se tem condições de vislumbrar que a sentença não merece
correções no particular.
XIX - Com efeito, o PPP de fls. 47/48 revela que, no período de 01/05/1988 a 31/12/1992, a
parte autora trabalhou no cargo auxiliar no setor de saúde na Prefeitura Municipal de São
Joaquim da Barra/SP, cujas atividades eram as seguintes:" (...) Controla sinais vitais dos
pacientes, observando a pulsação e utilizando aparelhos de ausculta e pressão para registrar
anomalias, ministra medicamentos e tratamentos aos pacientes internos, observando horários,
posologia e outros dados, para atender a prescrições médicas; faz curativos simples, utilizando
suas noções de primeiros socorros ou observando prescrições, para proporcionar alívio ao
paciente e facilitar a cicatrização de ferimentos, suturas e escoriações; atende a crianças e
pacientes que dependem de ajuda, prepara pacientes para consultas, colocando-os na posição
indicada, para facilitar a realização das operações mencionadas, prepara a esteriliza material e
instrumental ambientes e equipamentos, obedecendo s prescrições para permitir a realização
de exames, tratamentos, efetua a coleta de material para exames de laboratório atuando sob
supervisão do enfermeiro, em caráter de apoio, para facilitar o desenvolvimento das tarefas de
cada membro da equipe da saúde; registra as tarefas executadas, as observações feitas e as
reações ou alterações importantes, anotando-as no prontuário do paciente, para informar á
equipe de saúde de possibilitar a tomada de providencias imediatas.(...)"
XX - No período subsequente, de 2/11/1991 a 17/07/2012, a profissiografia relata idêntico
descritivo de tarefas (fls. 49/50). Portanto, da leitura da profissiografia, haure-se que as
atividades desenvolvidas pela autora assemelhavam-se à de um auxiliar de enfermagem.
Estava, por isso, em contato direto com pacientes, em especial porque executava curativos
simples e coletava materiais para exames de laboratório, atividades que notadamente expõem
em risco a agentes infectocontagiosos.
XXI - Portanto, uma leitura cuidadosa da descrição das atividades deixa claro que a parte
autora executava tarefas de cunho de apoio à enfermagem, no que concerne ao serviço de
atendimento ao público e pacientes, o que significa que ela era responsável por atender o
paciente, tendo contato direto com paciente estando exposta a agentes nocivos de forma
habitual, o que impõe a manutenção do reconhecimento do labor especial no período.
XXII - Considerando a confirmação dos períodos reconhecidos como comum e especial na
sentença (25 anos 11 meses e 10 dias de tempo especial, e a soma dos períodos perfaz 34
anos 02 meses e 18 dias, fl. 184, ), o autor faz jus ao benefício de aposentadoria especial
concedido na sentença, desde a data da DER (06/09/2012).
XXIII - Dito isso, é de ser mantida a conversão a aposentadoria por tempo de contribuição (NB
161.655.877-3) em aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo
(06/09/2012), respeitada a prescrição quinqüenal, considerando que a presente ação foi
ajuizada em 18/11/2013.
XXIV - Devem ser descontados dos valores a serem pagos, os benefícios inacumuláveis e as
parcelas já pagas administrativamente ou por força de decisão judicial.
XXV - Por fim, não há falar em desaposentação porquanto não se está diante da situação de
concessão de benefício mais vantajoso, com o aproveitamento dos salários de contribuição
anteriores, computando-se os salários de contribuição posteriores ao primeiro jubilamento.
XXVI - Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido
pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a
aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral).
XVII - Tal índice deve ser mantido ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em
24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado
para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas
quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase
de liquidação do julgado.
XVIII - E, apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº
1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso
de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.
XXIX - Dessa forma, se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e
correção monetária diversos daqueles adotados quando do julgamento do RE nº 870.947/SE,
ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-
los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento do Egrégio STF, em
sede de repercussão geral.
XXX - Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária aplicam-se, (1) até a
entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E..
XXXI - Considerando as evidências coligidas nos autos, nos termos supra fundamentado, bem
como o caráter alimentar do benefício, que está relacionado à sobrevivência de quem o pleiteia,
deve ser mantida a tutela antecipada concedida pelo Juízo "a quo".
XXXII - Improvidos o reexame necessário e o recurso do INSS, especificando de ofício a forma
de cálculo dos juros e da correção monetária.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao
reexame necessário e à apelação do INSS, especificando, de ofício, a forma de cálculo dos
juros e da correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
