Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5272939-59.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
03/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DE
ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. CORTADOR DE CANA. AGROPECUÁRIA.
TRATORISTA. RUÍDO ACIMA DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. AGENTES QUÍMICOS. PPP.
LAUDO PERICIAL. REQUISITOS ATENDIDOS. CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Tocante aos intervalos nas funções degradantes de rurícola à frente do corte de cana em
estabelecimentos agropecuários, devem ser reputados insalutíferos, nos exatos termos do código
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
2.2.1 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964. Precedentes.
- Nas funções de tratorista, os formulários patronais e laudo pericial indicam sujeição, habitual e
permanente, a ruído acima dos limites de tolerância e agentes químicos hidrocarbonetos,
autorizando o enquadramento nos códigos 1.2.11 e 2.4.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e
2.4.2 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n.
3.048/1999.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 25anos na DER.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-
se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já computada a sucumbência recursal
pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85,
§§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, na fase
de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico
ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação da parte autora provida.
- Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5272939-59.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, NILTON AGNELO DA
SILVA
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
APELADO: NILTON AGNELO DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5272939-59.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, NILTON AGNELO DA
SILVA
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
APELADO: NILTON AGNELO DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com
vistas à concessão da aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para "DECLARAR de caráter especial as
atividades exercidas pelo autor Nilton Agnelo da Silva nas seguintes empresas, funções e
períodos: A) Alfeu Martíni Junior e Outros, como Rurícola, de 24/11/1986 à 31/12/1988; B) Alfeu
Martíni Junior e Outros, como Tratorista, de 02/01/1989 à 28/07/1993, e de 03/01/1994 à
22/09/1994; C) Alfeu Martíni Junior e Outros, como Motorista 02/05/1997 à 30/04/1998; D)
Martini & Martíni Materiais para Construção Ltda, como Motorista, de 01/10/1994 à 20/06/1996;
E) Agro Barato Ltda, como Guincheiro, de 01/04/1999 à 31/01/2000; F) Usina Santa Adélia S/A,
Tratorista, de 02/05/2005 à 24/11/2005, 16/01/2006 à 01/11/2006, 01/02/2007 à 06/12/2007,
04/02/2008 à 28/11/2008 e de 09/02/2009 à 11/02/2009; G) Usina Santa Adélia S/A, Operador
de Máquina Agrícola 11/02/2009 à 13/06/2016. DETERMINAR A CONVERSÃO do tempo
especial em comum, para fins de aposentadoria futura por tempo de serviço ...".
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual aduz, em síntese, a impossibilidade dos
enquadramentos efetuados, especialmente a questão do rurícola como especial em condição
analógica.
A parte autora também recorreu, postulando o reconhecimento do caráter nocente da função
executada no intervalo de 1º/7/2000 a 31/12/2004, cuja soma aos demais períodos lhe garante
a aposentadoria especial.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5272939-59.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, NILTON AGNELO DA
SILVA
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
APELADO: NILTON AGNELO DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos de apelação atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser
conhecidos.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/73, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No caso, em relação ao intervalo enquadrado, de 24/11/1986 a 31/12/1988, a parte autora
juntou perfil profissiográfico para as funções degradantes de rurícola à frente do corte de cana,
em estabelecimentos agropecuários, nos exatos termos do código 2.2.1 do anexo ao Decreto
53.831/1964.
Nesse sentido, trago decisões do C. Superior Tribunal de Justiça (g.n.):
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. SÚMULA 7/STJ.
ENQUADRAMENTO COMO ESPECIAL. INTERPRETAÇÃO DO DECRETO 53.831/1964.
LIMITAÇÃO À ATIVIDADE AGROPECUÁRIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE
PREJUDICADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A tese recursal gira em torno do
reconhecimento de tempo de labor rural, para fins de comprovação dos requisitos necessários à
concessão de benefício previdenciário aposentadoria por tempo de serviço, bem como o
enquadramento da atividade em especial, nos termos do Decreto 53.831/1964. 2. O Tribunal de
origem, com base na análise do conjunto fático-probatório, entendeu que não estariam
preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício previdenciário aposentadoria
por tempo de serviço, uma vez que a prova documental corroborada pela prova testemunhal,
somente comprovam o labor rural no período compreendido entre 1º/1/1968 a 31/12/1980. 3.
Com efeito, a questão foi apreciada com base nos elementos probatórios colacionados, de
modo que modificar o entendimento esposado no acórdão recorrido demandaria o reexame do
conjunto fático probatório, o que encontraria óbice na Súmula 7/STJ. 4. No que concerne ao
enquadramento da atividade rural como especial nos termos do Decreto 53.831/1964, verifica-
se que o Tribunal de origem entendeu não ser possível o reconhecimento da atividade rural
como especial porque não evidenciada a exposição à nocividade de modo habitual e
permanente. 5. O STJ possui entendimento no sentido de que nos termos do Decreto
53.831/1964, somente se consideram nocivas as atividades desempenhadas na agropecuária
por outras categorias de segurados, não sendo possível o enquadramento como especial da
atividade exercida na lavoura pelo segurado especial em regime de economia familiar. 6.
Agravo regimental não provido. ..EMEN:Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são
partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de
julgamento: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do
voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." As Sras. Ministras Assusete Magalhães (Presidente),
Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3a. Região) e os Srs. Ministros Humberto
Martins, Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.” (AINTARESP - AGRAVO
INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 860631 2016.00.32469-5, MAURO
CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:16/06/2016 ..DTPB:.)
“PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
ENQUADRAMENTO COMO ATIVIDADE ESPECIAL DE QUE TRATA O ITEM 2.2.1 DO
ANEXO DO DECRETO N. 53.831/64. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ANTERIOR À VIGÊNCIA
DA LEI N. 9.032/95, QUE ALTEROU O ART. 57, § 4º, DA LEI N. 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE
DE RECONHECIMENTO DO DIREITO À CONTAGEM DE TEMPO DE TRABALHO ESPECIAL,
NA HIPÓTESE EM ANÁLISE. 1. O reconhecimento de trabalho em condições especiais antes
da vigência da Lei n. 9.032/95, que alterou o art. 57, § 4º, da Lei n. 8.213/91, ocorria por
enquadramento. Assim, o anexo do Decreto 53.831/64 listava as categorias profissionais que
estavam sujeitas a agentes físicos, químicos e biológicos considerados prejudiciais à saúde ou
à integridade física do segurado. 2. Os segurados especiais (rurícolas) já são contemplados
com regras específicas que buscam protegê-los das vicissitudes próprias das estafantes
atividades que desempenham, assegurando-lhes, de forma compensatória, a aposentadoria por
idade com redução de cinco anos em relação aos trabalhadores urbanos; a dispensa do
recolhimento de contribuições até o advento da Lei n. 8.213/91; e um menor rigor quanto ao
conteúdo dos documentos aceitos como início de prova material. 3. Assim, a teor do
entendimento do STJ, o Decreto n. 53.831/64, no item 2.2.1 de seu anexo, considera como
insalubres as atividades desenvolvidas na agropecuária por outras categorias de segurados,
que não a dos segurados especiais (rurícolas) que exerçam seus afazeres na lavoura em
regime de economia familiar. Precedentes: AgRg no REsp 1.084.268/SP, Rel. Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 13/03/2013 e AgRg nos EDcl no AREsp
8.138/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 09/11/2011. 4. Recurso
especial a que se nega provimento. ..EMEN:Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam
os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Regina Helena Costa, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região),
Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.” (RESP -
RECURSO ESPECIAL - 1309245 2012.00.30818-2, SÉRGIO KUKINA, STJ - PRIMEIRA
TURMA, DJE DATA:22/10/2015 ..DTPB:.)
A ocupação desenvolvida nas lavouras de cana-de-açúcar envolve desgaste físico excessivo,
sujeição à radiação solar ultravioleta (altamente cancerígena), a hidrocarbonetos policíclicos
aromáticos, além do contato com a fuligem da cana-de-açúcar, o que demonstra a extrema
penosidade da função.
Esse também é o entendimento desta Nona Turma: ApCiv 5555531-16.2019.4.03.9999,
Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, Data: 9/8/2019; ApCiv 0000424-
68.2015.4.03.6120, Desembargadora Federal Marisa Santos, e-DJF3: 7/8/2019.
No que concerne aos lapsos de 2/1/1989 a 28/7/1993, de 3/1/1994 a 22/9/1994, de 2/5/1997 a
30/4/1998, de 1º/10/1994 a 20/6/1996, de 1º/4/1999 a 31/1/2000, de 1º/7/2000 a 31/12/2004, de
2/5/2005 a 24/11/2005, de 16/1/2006 a 1º/11/2006, de 1º/2/2007 a 6/12/2007, de 4/2/2008 a
28/11/2008 e de 9/2/2009 a 13/6/2016, constato a presença de CTPS, formulários patronais e
laudo pericial, produzido no curso da ação, asseverando o exercício das funções penosas de
“tratorista” e "operador de máquina agrícola", com exposição habitual a ruídos acima dos limites
de tolerância e agentes químicos deletérios à saúde humana, como graxa, óleos
(hidrocarbonetos aromáticos0), fato que permite o reconhecimento da natureza especial, à luz
dos códigos 1.2.11 e 2.4.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.4.2 do anexo ao Decreto n.
83.080/1979 e 1.0.17 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Ademais, os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa, senão qualitativa (TRF-4 - APELREEX:
50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM
DA SILVA, Data de Julgamento: 09/07/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E.
10/07/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ
FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA
REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P. 281).
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Nessas circunstâncias, considerados todos intervalos enquadrados como atividade especial, a
parte autora conta 25 (vinte e cinco) anos de labor degradante até a DER e, desse modo, faz
jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos
da Lei n. 8.213/1991.
O termo inicial do benefício deve ser fixado no requerimento administrativo (DER 13/6/2016),
consoante entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os
cálculos na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE
n. 870.947).
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à
razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009,
a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações
introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão
Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a
tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10%
(dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data
deste acórdão, já aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão
em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n.111 do STJ.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito
econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art.85, § 4º, II, do CPC).
Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, tal isenção não exime a
Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à
parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto,nego provimento à apelação do INSS e dou provimento ao apelo do autor
para, nos termos da fundamentação: (i) determinar o enquadramento, como atividade especial,
do período de 1º/7/2000 a 31/12/2004; (ii) determinar a concessão do benefício de
aposentadoria especial desde o requerimento administrativo (DER 13/6/2016); (iii) discriminar
os consectários legais.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DE
ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. CORTADOR DE CANA. AGROPECUÁRIA.
TRATORISTA. RUÍDO ACIMA DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. AGENTES QUÍMICOS. PPP.
LAUDO PERICIAL. REQUISITOS ATENDIDOS. CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Tocante aos intervalos nas funções degradantes de rurícola à frente do corte de cana em
estabelecimentos agropecuários, devem ser reputados insalutíferos, nos exatos termos do
código 2.2.1 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964. Precedentes.
- Nas funções de tratorista, os formulários patronais e laudo pericial indicam sujeição, habitual e
permanente, a ruído acima dos limites de tolerância e agentes químicos hidrocarbonetos,
autorizando o enquadramento nos códigos 1.2.11 e 2.4.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e
2.4.2 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n.
3.048/1999.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 25anos na DER.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação,
computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já computada a
sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença),
consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior
Tribunal de Justiça. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a
condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º,
II, do CPC).
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação da parte autora provida.
- Apelação do INSS desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação autárquica e dar provimento à apelação da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
