
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5350502-32.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE DONIZETI ANNIBAL
Advogado do(a) APELADO: MARIA APARECIDA SILVA FACIOLI - SP142593-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5350502-32.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE DONIZETI ANNIBAL
Advogado do(a) APELADO: MARIA APARECIDA SILVA FACIOLI - SP142593-N
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço rural e o enquadramento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial.
A sentença, integrada por embargos declaratórios, julgou parcialmente procedente o pedido para (i) reconhecer o trabalho rural no intervalo de 1976 a 1984; (ii) enquadrar como especiais as atividades nos lapsos de 27/07/1984 a 01/12/1984, de 01/04/1985 a 31/01/1986, de 01/02/1986 a 31/01/1987, de 17/08/1987 a 05/12/1987, de 04/01/1988 a 30/12/1988, de 06/03/1989 a 11/12/1989, de 01/02/1990 a 30/11/1990, de 02/05/1991 a 30/10/1991, de 02/06/1992 a 31/10/1992, de 01/06/1993 a 13/11/1993, de 02/05/1994 a 04/07/1994, de 07/07/1994 a 21/11/1997, de 01/06/1999 a 11/06/2003 e de 16/06/2003 a 29/10/2018; (iii) conceder o benefício de aposentadoria especial; (iv) fixar os consectários.
Decisão submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação na qual alega a impossibilidade do reconhecimento e enquadramento deferidos. Por fim, insurge-se contra o termo inicial do benefício e a forma de aplicação da correção monetária.
Com as contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5350502-32.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE DONIZETI ANNIBAL
Advogado do(a) APELADO: MARIA APARECIDA SILVA FACIOLI - SP142593-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Insta frisar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Neste caso, à evidência, esse montante não é alcançado.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço rural
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16 de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural ;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural ."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, o Superior Tribunal de Justiça, examinando a matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
Ademais, consoante entendimento desta Nona Turma e do Colendo Superior Tribunal de Justiça, é possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade (STJ, AR n. 3.629, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 9/9/2008).
Contudo, cumpre salientar que o possível mourejo rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou na qualidade de produtor rural em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da legislação previdenciária em comento (24/7/1991), tem sua aplicação restrita aos casos previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
Nesse sentido, a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OCORRÊNCIA DE VÍCIO PROCESSUAL. NECESSIDADE DE CORREÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO SEM CONTRIBUIÇÕES MENSAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 272 DO STJ. OMISSÃO VERIFICADA. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITO INFRINGENTE. RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. Constatado erro na decisão embargada, cumpre o acolhimento dos embargos, com efeitos modificativos para sanar o defeito processual.
2. A autora, produtora rural, ao comercializar os seus produtos, via incidir sobre a sua receita bruta um percentual, recolhido a título de contribuição obrigatória, que poderia lhe garantir, tão-somente, a percepção de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão. Tal contribuição em muito difere da contribuição facultativa calculada sobre o salário-base dos segurados e que, nos termos do art. 39, inciso II, da Lei 8.213/91, é requisito para a aposentadoria por tempo de serviço ora pleiteada.
(...)."
(STJ; EDcl nos EDcl; REsp n. 208.131/RS; 6ª Turma; Relatora Ministra Maria Thereza De Assis Moura; J 22/11/2007; DJ 17.12.2007, p. 350)
Também, a Súmula n. 272 daquele Colendo Tribunal:
"O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas."
No mesmo sentido, os demais julgados desta Corte: AC n. 2005.03.99.035804-1/SP, Rel. Des. Federal Marisa Santos, 9ª Turma, DJF3 8/10/2010 e ED na AC 2004.03.99.001762-2/SP, Rel. Des. Federal Nelson Bernardes, 9ª Turma, DJF3 29/7/2010.
Nos autos há início razoável de prova material consubstanciado nas anotações de vínculo rural em carteira entre 1984 a 1989.
Por sua vez, os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório, corroboraram o mourejo asseverado, sobretudo ao afirmarem a atividade agrícola desde tenra idade.
Assim, considerado o fato de que o autor nasceu em 27/9/1964, plausível o reconhecimento desde 27/9/1976.
Assim, entendo que restou demonstrado o labor rural no intervalo de 27/9/1976 a 3/5/1984, independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
No caso, no que concerne aos interstícios de 27/07/1984 a 01/12/1984, de 01/04/1985 a 31/01/1986, de 01/02/1986 a 31/01/1987, de 17/08/1987 a 05/12/1987, de 04/01/1988 a 30/12/1988, de 06/03/1989 a 11/12/1989, de 02/06/1992 a 31/10/1992, de 01/06/1993 a 13/11/1993, de 02/05/1994 a 04/07/1994, consta laudo pericial o qual anota a exposição a agentes químicos hidrocarbonetos, em razão do trabalho no corte de cana.
Frise-se, ainda, que atividade no corte de cana comporta enquadramento consoante entendimento firmando nesta Nona Turma (TRF 3ª Região, 9ª Turma, Apelação Cível n. 5062336-76.2018.4.03.9999, Rel. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, DJ. 6/3/2019, e-DJF3 de 12/3/2019), em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, consoante artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/72967>.).
No que tange aos intervalos de 01/02/1990 a 30/11/1990, de 02/05/1991 a 30/10/1991, consta laudo pericial, o qual anota a exposição habitual e permanente a agentes químicos hidrocarbonetos, em razão do trabalho como aprendiz de laminador.
No que tange aos interregnos de 07/07/1994 a 21/11/1997, de 01/06/1999 a 11/06/2003 e de 16/06/2003 a 29/10/2018, constam Perfis Profissiográfico Previdenciário e laudo pericial, os quais anotam a exposição habitual e permanente a ruído superior aos limites previstos nas normas regulamentares – códigos 1.1.6 do anexo do Decreto n. 53.831/64, 1.1.5 do anexo do Decreto n. 83.080/79 e 2.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Desse modo, entendo que devem ser mantidos os enquadramentos deferidos na sentença.
Por conseguinte, computados os períodos enquadrados, viável é a concessão da aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Sobre o termo inicial do benefício, algumas considerações devem ser feitas.
De plano, como a comprovação da especialidade da atividade pretendida ocorreu apenas nestes autos, por meio de prova não submetida à prévia apreciação administrativa, penso ser adequada a fixação do termo inicial dos efeitos financeiros na data da citação, momento em que a autarquia teve ciência da pretensão, em sua plenitude, e a ela pôde resistir, nos exatos termos fixados na sentença.
Quanto a esse aspecto, destaca-se o fato de o Poder Judiciário exercer suas atribuições em substituição à Administração que deve praticar os atos que lhe são inerentes como atividade primária.
Vale dizer: preponderantemente, apenas os atos que a Administração deveria, por lei, praticar podem ser passíveis de controle judicial, sob o enfoque de possível lesão ou ameaça a direito.
Nessa esteira, a concessão de benefício fundada em prova produzida exclusivamente na esfera judicial, por impedir a Administração de exercer o pleno exercício das atribuições que lhe são inerentes, afasta a configuração de mora da autarquia e a possibilidade de fixação do termo inicial na data do requerimento administrativo.
Afinal, a insuficiência ou inaptidão de elementos probatórios do direito invocado configura situação que, de forma indireta, inviabiliza o exercício de atividade própria da Administração.
A propósito, esses mesmos fundamentos foram evocados pelo Ministro Roberto Barroso ao apreciar, sob o regime da repercussão geral, o RE n. 631.240 e fixar tese sobre a necessidade de prévio requerimento administrativo nas ações de conhecimentos de cunho previdenciário.
Confira-se o seguinte trecho do voto:
“17. Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria. O Judiciário não tem, e nem deve ter, a estrutura necessária para atender às pretensões que, de ordinário, devem ser primeiramente formuladas junto à Administração. O juiz deve estar pronto, isto sim, para responder a alegações de lesão ou ameaça a direito. Mas, se o reconhecimento do direito depende de requerimento, não há lesão ou ameaça possível antes da formulação do pedido administrativo. Assim, não há necessidade de acionar o Judiciário antes desta medida....”
Não obstante o entendimento acima consignado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001, ao tratar especificamente da matéria, deliberou pela prevalência da seguinte orientação (g. n.):
“A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria”. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)
No mesmo sentido são os recentes julgados da Corte Superior: REsp 1.859.330/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020; AgInt no REsp 1.609.332/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/3/2019.
Dessa forma, curvo-me ao entendimento do STJ para fixar o termo inicial da concessão do benefício na data do requerimento administrativo.
Todavia, deve ser observada a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE n. 870.947).
Os honorários de advogado devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data sentença, consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Diante do exposto, não conheço da remessa oficial e dou parcial provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação: (i) observar a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991; (ii) ajustar a forma de aplicação da correção monetária e fixação dos honorários advocatícios. Mantida, no mais, a sentença.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL EM AGROPECUÁRIA. CORTADOR DE CANA. RUÍDO. QUÍMICOS. ESPECIALIDADE DEMONSTRADA. PRESENTES OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA.
- Não é o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos. Neste caso, à evidência, esse montante não é alcançado.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade. Precedentes.
- O mourejo rural desenvolvido sem registro em CTPS, depois da entrada em vigor da Lei n. 8.213/1991 (24/7/1991), tem sua aplicação restrita aos casos previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos dessa mesma norma, que não contempla a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar parte do labor rural pleiteado, independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- A jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- Demonstrada a especialidade em razão da exposição habitual e permanente a agentes químicos hidrocarbonetos, ruído superior aos limites de tolerância previstos na norma de regência, do trabalho rural em agropecuária e como cortador de cana.
- Presentes os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria especial deferido.
- Termo inicial do benefício mantido na data da DER, observada a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n. 870.947).
- Os honorários de advogado devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data sentença, consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
