
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5098106-28.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JUSTINO LUIZ DE JESUS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JUSTINO LUIZ DE JESUS
Advogado do(a) APELADO: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5098106-28.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JUSTINO LUIZ DE JESUS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JUSTINO LUIZ DE JESUS
Advogado do(a) APELADO: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o enquadramento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença acolheu em parte o pedido para reconhecer os lapsos especiais vindicados e conceder aposentadoria por tempo de contribuição na DER. Ademais, fixou os consectários, a sucumbência e antecipou a tutela jurídica.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação, refutando os períodos especiais, à míngua de comprovação. Ademais, sustenta ausência de prévia fonte de custeio para financiamento da aposentadoria especial. Eventualmente, pugnou por modificação no termo inicial de concessão. Prequestionou a matéria para fins recursais.
A parte autora também manifestou parcial irresignação com o decisum, pugnando pelo reconhecimento dos lapsos insalubres afastados, o que lhe assegura a aposentadoria especial, senão à aposentadoria por tempo de contribuição.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5098106-28.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JUSTINO LUIZ DE JESUS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JUSTINO LUIZ DE JESUS
Advogado do(a) APELADO: SILVIA TEREZINHA DA SILVA - SP269674-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Passo à apreciação as questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2T, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao PPP, instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
No caso dos autos, em relação aos períodos pleiteados, de 20/6/1989 a 20/11/1989, de 5/1/1990 a 6/12/1991, de 6/1/1992 a 17/12/1992, de 4/1/1993 a 22/12/1993, de 3/1/1994 a 5/3/1997, de 6/3/1997 a 30/4/1997, de 1º/5/1997 a 19/8/1997, de 15/1/1998 a 25/4/1998, depreende-se dos documentos coligidos aos autos (CTPS, CNIS, laudo pericial), o exercício das funções de trabalhador rural no setor sucroalcooleiro (plantio, carpa, queima e colheita de cana-de-açúcar), atividade que comporta o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmado nesta Nona Turma (proferido nos autos n. 5062336-76.2018.4.03.9999), em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos.
Sobre o tema, reporto-me a elucidativo artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho: De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/72967>.
Assim, afigura-se possível o enquadramento especial dessa atividade, seja em razão da extrema penosidade da função seja em razão da sujeição a agentes insalutíferos carcinogênicos.
No tocante aos intervalos de 18/11/2003 a 20/6/2007, de 1º/10/2007 a 26/11/2007, de 8/4/2008 a 19/12/2008, de 20/4/2009 a 1º/4/2010, de 2/4/2010 a 25/12/2010, de 4/5/2011 a 22/10/2011, de 12/12/2011 a 27/4/2012, de 2/5/2012 a 1º/12/2012, de 15/4/2013 a 20/11/2013, de 31/3/2014 a 22/11/2014, de 17/8/2015 a 26/4/2017, de 27/4/2017 a 7/6/2017, a parte autora logrou comprovar via laudo pericial produzido no curso da ação, o exercício das funções como "motorista de caminhão e de ônibus rural", "auxiliar de produção" e "operador de empilhadeira" nas empresas Breda Transportes e Serviços S/A, Nutreco Fri-Ribe Nutrição Animal S/A, Pitangueiras Açúcar e Álcool Ltda., com exposição habitual a níveis de ruído acima dos limites toleráveis, situação que se subsume aos itens 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1 do anexo ao Decreto n. 3.048/1999.
No mais, eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível - 2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Des. Fed. Inês Virgínia, 7T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Des. Fed. Baptista Pereira, 10T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Por outro lado, os interregnos reivindicados neste recurso, de 1º/5/1997 a 19/8/1997, de 1º/3/2009 a 31/3/2009, de 14/11/2011 a 11/12/2011, de 1º/1/2014 a 28/2/2014, de 1º/12/2014 a 31/8/2015, de 1º/5/2015 a 7/8/2015, de 21/6/2017 a 15/11/2017, de 1º/12/2017 a 30/4/2018 e de 2/5/2018 a 28/3/2019, na condição de "facultativo", "contribuinte individual" e "avulso", devem ser contados como tempo normal, à míngua de demonstração da natureza especial da atividade, tanto por meio de formulários patronais certificadores quanto via perícia judicial.
Quanto à suposta violação aos princípios do equilíbrio atuarial e financeiro, bem como o da prévia fonte de custeio, as questões afetas ao recolhimento da contribuição adicional ao SAT por parte da empresa, ou mesmo divergências no preenchimento da GFIP, não devem influir no cômputo como especial da atividade exercida pelo segurado, em razão do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), pois cabe ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as do segurado.
Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES. FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Destarte, os interstícios supracitados devem ser reconhecidos como especiais, convertidos em comum (fator de conversão de 1,4) e somados aos lapsos incontroversos, restando mantida a decisão a quo neste aspecto.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de "pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/1991.
Ademais, patente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho, até o requerimento administrativo, confere à parte autora mais de 35 anos de profissão, tempo suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral deferida (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988).
Sobre o termo inicial do benefício, algumas considerações devem ser feitas.
De plano, como a comprovação da atividade debatida ocorreu apenas nestes autos, por meio de prova não submetida à prévia apreciação administrativa, penso ser adequada a fixação do termo inicial dos efeitos financeiros na citação, momento em que a autarquia teve ciência da pretensão, em sua plenitude, e a ela pôde resistir.
Quanto a esse aspecto, destaca-se o fato de o Poder Judiciário exercer suas atribuições em substituição à Administração que deve praticar os atos que lhe são inerentes como atividade primária.
Vale dizer: preponderantemente, apenas os atos que a Administração deveria, por lei, praticar podem ser passíveis de controle judicial, sob o enfoque de possível lesão ou ameaça a direito.
Nessa esteira, a concessão de benefício fundada em prova produzida exclusivamente na esfera judicial, por impedir a Administração de exercer o pleno exercício das atribuições que lhe são inerentes, afasta a configuração de mora da autarquia e a possibilidade de fixação do termo inicial na data do requerimento administrativo.
Afinal, a insuficiência ou inaptidão de elementos probatórios do direito invocado configura situação que, de forma indireta, inviabiliza o exercício de atividade própria da Administração.
A propósito, esses mesmos fundamentos foram evocados pelo Ministro Roberto Barroso ao apreciar, sob o regime da repercussão geral, o RE n. 631.240 e fixar tese sobre a necessidade de prévio requerimento administrativo nas ações de conhecimentos de cunho previdenciário.
Confira-se o seguinte trecho do voto:
“17. Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria. O Judiciário não tem, e nem deve ter, a estrutura necessária para atender às pretensões que, de ordinário, devem ser primeiramente formuladas junto à Administração. O juiz deve estar pronto, isto sim, para responder a alegações de lesão ou ameaça a direito. Mas, se o reconhecimento do direito depende de requerimento, não há lesão ou ameaça possível antes da formulação do pedido administrativo. Assim, não há necessidade de acionar o Judiciário antes desta medida....”
Não obstante o entendimento acima sufragado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001, ao tratar especificamente da matéria, deliberou pela prevalência da seguinte orientação (g. n.):
“A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria”. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)
No mesmo sentido são os recentes julgados da Corte Superior: REsp 1.859.330/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020; AgInt no REsp 1.609.332/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/3/2019.
Dessa forma, curvo-me ao entendimento do STJ para fixar o termo inicial da concessão do benefício na data do requerimento administrativo (DER - 28/3/2019).
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n. 13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, nego provimento aos apelos das partes.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL CORTADOR DE CANA. MOTORISTA DE CAMINHÃO E DE ÔNIBUS RURAL. RUÍDO. LAUDO PERICIAL. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- Tocante aos intervalos pleiteados, depreende-se dos documentos coligidos aos autos (CTPS, CNIS, laudo pericial), o exercício das funções de trabalhador rural no setor sucroalcooleiro (plantio, carpa, queima e colheita de cana-de-açúcar), atividade que comporta o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmado nesta Nona Turma (proferido nos autos n. 5062336-76.2018.4.03.9999), em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos. Precedentes.
- A parte autora logrou comprovar via laudo pericial produzido no curso da ação, o exercício das funções como "motorista de caminhão e de ônibus rural", "auxiliar de produção" e "operador de empilhadeira", com exposição habitual a níveis de ruído acima dos limites toleráveis, situação que se subsume aos itens 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1 do anexo ao Decreto n. 3.048/1999.
- Eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Quanto à suposta violação aos princípios do equilíbrio atuarial e financeiro, bem como o da prévia fonte de custeio, as questões afetas ao recolhimento da contribuição adicional ao SAT por parte da empresa, ou mesmo divergências no preenchimento da GFIP, não devem influir no cômputo como especial da atividade exercida pelo segurado, em razão do princípio da automaticidade.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria na DER.
- Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n. 13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
- Apelação da parte autora conhecida e não provida.
- Apelação da parte ré conhecida e não provida.
