Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5004547-67.2018.4.03.6104
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE. ESTIVADOR. ENQUADRAMENTO. EXPOSIÇÃO A
RUÍDOS ACIMA DOS LIMITES LEGALMENTE ADMITIDOS. PPP. LAUDO PERICIAL.
REQUISITOS PREENCHIDOS NA DER. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. CUSTAS.
- Não é o caso de remessa oficial, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual Código
de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a
condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
- Demonstrada a insuficiência econômica para o custeio das despesas processuaisapta à
manutenção da gratuidade.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- No tocante ao período enquadrado, depreende-se da CTPS da parte autora, a profissão
perigosa de "vigilante", fato que autoriza a contagem excepcional por analogia à função de
guarda, tida por perigosa, independentemente do porte de arma de fogo, à luz do citado item
2.5.7 do Decreto n. 53.831/1964.
- Perfil Profissiográfico Previdenciário atualizado do OGMO, em que atesta, de forma específica,
as condições do ambiente laboral do obreiro e as funções exercidas como "estivador",
permanecendo exposto a ruído habitual acima dos limites de tolerância, além de gases -
monóxido de carbono e poeira/gases minerais.
- A profissão penosa de estivador portuário é considerada especial. Precedentes.
- Possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez
constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de
PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- As informações do perito merecem credibilidade, pois gozam de fé pública (presunção de
veracidade), vale dizer, são aceitas como verdadeiras até prova em contrário, o que não ocorreu
na hipótese.
- Quanto aos demais interstícios, a mera indicação da função de pintorda construção civil e no
âmbito industrial, anotada em carteira de trabalho, não se afigura suficiente ao enquadramento
perseguido, à míngua de demonstração da ocupação de “pintores de pistola” prevista no código
2.5.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral na DER, sem fator previdenciário.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5%
(cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111 do
Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
- Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do
pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da
sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004547-67.2018.4.03.6104
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAIMUNDO SEVERINO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: FERNANDO GONCALVES DIAS - SP286841-S
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004547-67.2018.4.03.6104
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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APELADO: RAIMUNDO SEVERINO DA SILVA
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão de aposentadoria
especial ou aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como tempo especial
os períodos de 24/11/1986 a 29/2/1988, de 1º/3/1988 a 5/4/1989, de 6/4/1989 a 2/7/1990, de
29/11/1990 a 22/3/1991, de 8/1/1992 a 17/1/1993, de 1º/7/1993 a 28/4/1995 e de 1º/10/1996 a
24/9/2015 e conceder aposentadoria especial desde a DER. Ademais, fixou a verba
sucumbencial e os consectários.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação. Inicialmente, invocou o reexame
necessário e insurgiu-se contra a gratuidade da justiça. No mérito, refutou o enquadramento
realizado, à míngua de comprovação de exposição habitual a agente nocivo. Ademais, insurgiu-
se contra a metodologia de aferição do ruído. Destacou a imprestabilidade do laudo pericial e
do PPP. Ressaltou, ainda, a necessidade de laudo contemporâneo e a competência da Justiça
do Trabalho para retificação dos formulários patronais. Por cautela, pugnou por alteração no
termo inicial, nos consectários, na verba honorária e isenção das custas. Prequestionou a
matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004547-67.2018.4.03.6104
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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APELADO: RAIMUNDO SEVERINO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: FERNANDO GONCALVES DIAS - SP286841-S
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Contudo, afasto a alegação de reexame necessário, por ter sido proferida a sentença na
vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo
grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil)
salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática
prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Com relação ao pedido de revogação da justiça gratuita, assim dispõe o artigo 99, § 3º, do
CPC:
“O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na
petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
(...)
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa
natural.”
Em princípio, tem-se que a concessão desse benefício depende da simples afirmação de
insuficiência de recursos pela parte, a qual, no entanto, por gozar de presunção juris tantum de
veracidade, pode ser ilidida por prova em contrário.
Além disso, cabe ao juiz verificar se os requisitos estão satisfeitos, pois, segundo o artigo 5º,
LXXIV, da Constituição Federal, é devida a justiça gratuita a quem “comprovar” a insuficiência
de recursos.
Esse é o sentido constitucional da justiça gratuita, que prevalece sobre o teor da legislação
ordinária.
A assistência judiciária prestada pela Defensoria Pública da União (DPU) alcança somente
quem percebe renda inferior a R$ 2.000,00 - valor próximo do limite de isenção da incidência de
Imposto de Renda (Resolução CSDPU n. 134, editada em 07/12/2016, publicada no DOU de
02/05/2017).
Esse critério, assazobjetivo, poderia ser seguido como regra não absoluta, de modo que quem
recebe renda superior àquele valor tenha contra si presunção juris tantum de ausência de
hipossuficiência, cabendo ao julgador possibilitar a comprovação de eventual miserabilidade por
circunstâncias excepcionais. Alegações de existência de dívidas ou de abatimento de valores
da remuneração ou de benefício por empréstimos consignados não constituiriam desculpas
legítimas para a obtenção da gratuidade, exceto se motivadas por circunstâncias
extraordinárias ou imprevistas devidamente comprovadas. Esse entendimento induziria maior
cuidado na propositura de ações temerárias ou aventureiras, semeando a ideia de maior
responsabilidade do litigante.
Não se desconhece a existência de outros critérios, igualmente relevantes, para a apuração da
hipossuficiência.
Contudo, adoto como critério legítimo e razoável para a aferição do direito à justiça gratuita o
teto fixado para os benefícios previdenciários, atualmente no valor de R$ 6.433,57.
Nesse diapasão, segundo dados do próprio CNIS coligido pelo INSS em seu recurso, o último
salário de contribuição da parte autora registrado no sistema (maio de 2021) é de pouco mais
de R$ 3.700,00, valores que não suplantam o teto previdenciário mencionado.
Portanto, entendo demonstrada a insuficiência econômica para o custeio das despesas
processuaisapta à manutenção da gratuidade.
Passo à análise das questões de mérito trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016,
DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar
completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do
EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
No caso, no tocante ao período enquadrado, de 8/1/1992 a 17/1/1993, depreende-se da CTPS
da parte autora, a profissão perigosa de "vigilante", fato que autoriza a contagem excepcional
por analogia à função de guarda, tida por perigosa, independentemente do porte de arma de
fogo, à luz do citado item 2.5.7 do Decreto n. 53.831/1964 (AREsp nº 623928/SC, 2T, Min.
ASSUSETE MAGALHÃES, DJU 18/3/2015).
Em relação aos interregnos reconhecidos de 1º/7/1993 a 28/4/1995 e de 1º/10/1996 a
24/9/2015, a parte autora acostou Perfil Profissiográfico Previdenciário emitido pelo Órgão
Gestor de Mão de Obra do Trabalho Portuário do Porto Organizado de Santos (OGMO),
corroborado em laudo pericial produzido no curso da ação, em que atesta, de forma específica,
as condições do ambiente laboral do obreiro e as funções exercidas como "estivador" e
"trabalhador do bloco conexo", permanecendo exposto a ruído habitual acima de 90 dB, além
de gases - monóxido de carbono e poeira/gases minerais.
A profissão penosa de estivador portuário é considerada especial, à luz de remansosa
jurisprudência desta Corte (g.n.):
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NATUREZA
ESPECIAL DAS ATIVIDADES LABORADAS PARCIALMENTE RECONHECIDA. ESTIVADOR.
ENQUADRAMENTO. EXPOSIÇÃO A RUÍDOS ACIMA DOS LIMITES LEGALMENTE
ADMITIDOS. AGENTE FÍSICO. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL
EM COMUM MEDIANTE APLICAÇÃO DO FATOR PREVISTO NA LEGISLAÇÃO.
AVERBAÇÃO DOS PERÍODOS ESPECIAIS. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(...)
7. No caso dos autos, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via
administrativa totalizam 24 (vinte e quatro) anos, 11 (onze) meses e 01 (um) dia de tempo de
contribuição (ID 43693028 – fls. 62/65), não tendo sido reconhecidos como de natureza
especial nenhum dos períodos pleiteados. Por sua vez, considerando a ausência de
impugnação recursal pela parte autora, resta superada a controvérsia em relação aos períodos
de 02.03.1992 a 24.01.1994, 29.04.1995 a 31.05.1996 e 03.07.2005 a 31.03.2009, não
acolhidos na sentença prolatada. Ocorre que, no período de 25.01.1994 a 28.04.1995, a parte
autora desempenhou a atividade de estivador, permanecendo exposto a agentes agressivos,
tais como intempéries e oscilação nas condições de temperatura (ID 43693028 – fl. 81),
devendo ser reconhecida a natureza especial das atividades exercidas nesse período em razão
do regular enquadramento no código 2.5.6 do Decreto nº 53.831/64 e código 2.4.5 do Decreto
nº 83.080/79. Outrossim, no período de 03.10.1996 a 02.07.2005, a parte autora esteve exposta
a ruídos acima dos limites legalmente admitidos (ID 43693028 – fls. 82/90), devendo ser
reconhecida a natureza especial da atividade exercida nesse período, conforme código 1.1.6 do
Decreto nº 53.831/64, código 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, código 2.0.1 do Decreto nº
2.172/97 e código 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99, neste ponto observado, ainda, o Decreto nº
4.882/03".
(TRF3, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL/SP, p. 0009582-69.2013.4.03.6104, Rel. Des. Fed. NELSON
DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, 10T, Data do Julgamento 15/4/2020, Data da
Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 17/4/2020)
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 57 DA LEI N.º 8.213/91. ATIVIDADE
ESPECIAL CARACTERIZADA. ENQUADRAMENTO DA CATEGORIA PROFISSIONAL DE
ESTIVADOR EXERCIDA. COMPROVADA A SUJEIÇÃO CONTÍNUA DO SEGURADO AO
AGENTE FISICO RUÍDO EM PARTE DOS PERÍODOS. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS
LEGAIS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DA BENESSE ALMEJADA.
I - Possibilidade de enquadramento da categoria profissional "estivador", tendo em vista a
previsão legal contida no item 2.5.6, do Anexo III, do Decreto n.º 53.831/64.
II - Comprovada por perícia técnica sujeição contínua do segurado ao agente agressivo ruído
em parte dos períodos de labor.
III - Tempo insuficiente para a concessão do benefício de aposentadoria especial.
IV - Apelação parcialmente provida".
(TRF3, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2272909/SP, p. 0001209-44.2012.4.03.6311, Rel. DES. FED.
DAVID DANTAS, 8T, Data do Julgamento 19/2/2018, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial
1 DATA: 5/3/2018)
Ademais, possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período,
uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado
por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível -
2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Des. Fed. Inês Virgínia, 7T, e-DJF3 Judicial 1 Data:
7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Des. Fed. Baptista
Pereira, 10T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Insta destacar, ainda, que as informações do perito merecem credibilidade, pois gozam de fé
pública (presunção de veracidade), vale dizer, são aceitas como verdadeiras até prova em
contrário, o que não ocorreu na hipótese.
Assim, deve ser reconhecida como correta a perícia, tendo em vista a imparcialidade do perito e
equidistância dos interesses das partes em litígio a merecer, sua análise técnica dos ambientes
de trabalho do segurado, fé de ofício.
Nesse aspecto, do exame fático probatório, constata-se que a parte autora esteve
permanentemente sujeita aos elementos prejudiciais à saúde e à integridade física indicados no
laudo judicial.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Contudo, quanto aos interstícios reconhecidos de 24/11/1986 a 29/2/1988, de 1º/3/1988 a
5/4/1989, de 6/4/1989 a 2/7/1990 e de 29/11/1990 a 22/3/1991, a mera indicação da função de
pintor da construção civil e no âmbito industrial, anotada em carteira de trabalho, não se afigura
suficiente ao enquadramento perseguido, à míngua de demonstração da ocupação de “pintores
de pistola” prevista no código 2.5.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
A atividade pura e simples de pintor, repito, não enseja a contagem excepcional, senão como
tempo normal.
Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar
a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura,
como laudos e formulários para essa específica atividade, situação não vislumbrada para esses
períodos.
Em suma, prospera em parte o pleito de reconhecimento do caráter especial da atividade acima
referida, cujos lapsos devem ser somados aos demais períodos incontroversos.
Todavia, a parte autora não reúne tempo suficiente à jubilação especial, razão pela qual
procedo ao exame do pedido subsidiário.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um
adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30
anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de
"pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/1991.
Quanto ao tempo de serviço, somados os períodos enquadrados (devidamente convertidos) aos
incontroversos, a parte autora conta mais de 35 anos de profissão no requerimento
administrativo (24/9/2015), o que lhe autoriza a concessão da aposentadoria integral (CF/1988,
art. 201, § 7º, I, com redação dada pela EC n. 20/1998), mediante cálculo de acordo com a Lei
n. 9.876/1999, sem incidência do fator previdenciário, pois a pontuação total não suplanta 95
pontos (Lei n. 8.213/1991, art. 29-C, I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Nesse passo, o termo inicial de concessão do benefício deve ser mantido no requerimento
administrativo, porquanto os elementos apresentados naquele momento já permitiam o cômputo
dos períodos reconhecidos nestes autos. Nesse sentido: REsp 1.859.330/CE, Rel. Min.
HERMAN BENJAMIN, 2T, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020; AgInt no REsp 1.609.332/SP,
Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, 2T, julgado em 19/3/2019, DJe 26/3/2019.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e dou parcial provimento ao apelo do INSS para,
nos termos da fundamentação:(i)restringir o enquadramento da atividade especial aos períodos
de 8/1/1992 a 17/1/1993, de 1º/7/1993 a 28/4/1995 e de 1º/10/1996 a 24/9/2015; (ii) reconhecer
o direito à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição na DER 24/9/2015; (iii)
explicitar a sucumbência recíproca e a isenção das custas.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE. ESTIVADOR. ENQUADRAMENTO. EXPOSIÇÃO A
RUÍDOS ACIMA DOS LIMITES LEGALMENTE ADMITIDOS. PPP. LAUDO PERICIAL.
REQUISITOS PREENCHIDOS NA DER. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. CUSTAS.
- Não é o caso de remessa oficial, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual Código
de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando
a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
- Demonstrada a insuficiência econômica para o custeio das despesas processuaisapta à
manutenção da gratuidade.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- No tocante ao período enquadrado, depreende-se da CTPS da parte autora, a profissão
perigosa de "vigilante", fato que autoriza a contagem excepcional por analogia à função de
guarda, tida por perigosa, independentemente do porte de arma de fogo, à luz do citado item
2.5.7 do Decreto n. 53.831/1964.
- Perfil Profissiográfico Previdenciário atualizado do OGMO, em que atesta, de forma específica,
as condições do ambiente laboral do obreiro e as funções exercidas como "estivador",
permanecendo exposto a ruído habitual acima dos limites de tolerância, além de gases -
monóxido de carbono e poeira/gases minerais.
- A profissão penosa de estivador portuário é considerada especial. Precedentes.
- Possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez
constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio
de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- As informações do perito merecem credibilidade, pois gozam de fé pública (presunção de
veracidade), vale dizer, são aceitas como verdadeiras até prova em contrário, o que não
ocorreu na hipótese.
- Quanto aos demais interstícios, a mera indicação da função de pintorda construção civil e no
âmbito industrial, anotada em carteira de trabalho, não se afigura suficiente ao enquadramento
perseguido, à míngua de demonstração da ocupação de “pintores de pistola” prevista no código
2.5.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral na DER, sem fator previdenciário.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
- Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e dar parcial provimento ao apelo do INSS,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
