Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5349944-60.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/04/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 22/04/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ATIVIDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL.
IMPOSSIBILIDADE. ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL CANAVIEIRO. RUÍDO.
PPP. ENQUADRAMENTO. VIBRAÇÃO DE CORPO INTEIRO NÃO DEMONSTRADO.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- Olitigante deixou decarrear indícios razoáveis de prova material capazes de demonstrar a faina
agrária aventada.Não obstante os testemunhos colhidos, inexistem elementos de prova relativos
ao fato em contenda, de modo a embasar as alegações expendidas na exordial.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- No tocante aos interstícios nas funções degradantes de rurícola à frente do corte de cana em
estabelecimento agropecuário, podem ser reputados insalutíferos, nos exatos termos do código
2.2.1 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964. Precedentes.
- Presença de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), indicador de exposição a níveis de
ruído superiores aos limites de tolerância para a época de prestação do serviço, autorizando o
enquadramento nos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, 1.1.5 do anexo ao
Decreto n. 83.080/1979 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
- PPP coligido apurou doses de vibração abaixo dos patamares regulamentares, não autorizando
a contagem excepcional.
- Não há negar as condições penosas às quais se submetem os motoristas de caminhão/ônibus e
cobradores de ônibus, sobretudo diante de exposição a "vibrações de corpo inteiro - VCI", porém,
a prova de exposição deve estar bem caracterizada.
- Não atendidos os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuiçãona
DER.
- Apelação da parteautora conhecida e não provida.
- Apelação da parte réconhecida parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5349944-60.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, EDNEI SANTOS OLIVEIRA
Advogados do(a) APELANTE: JOSE LUIZ PEREIRA JUNIOR - SP96264-N, ERICA APARECIDA
MARTINI BEZERRA PEREIRA - SP169162-N, LAYS PEREIRA OLIVATO ROCHA - SP303756-N
APELADO: EDNEI SANTOS OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELADO: LAYS PEREIRA OLIVATO ROCHA - SP303756-N, JOSE LUIZ
PEREIRA JUNIOR - SP96264-N, ERICA APARECIDA MARTINI BEZERRA PEREIRA -
SP169162-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5349944-60.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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MARTINI BEZERRA PEREIRA - SP169162-N, LAYS PEREIRA OLIVATO ROCHA - SP303756-N
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SP169162-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
reconhecimento de labor rural, bem como o enquadramento de atividade especial,com vistas à
concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença foi proferida nestes termos: "JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos
elaborados pelo autor para RECONHECER como especial o período de 06/05/1987 a 13/06/1990;
25/03/1991 a 20/11/1991; 04/03/1992 a 21/12/1993; 16/03/1994 a 02/05/1994; 20/06/1994 a
15/12/1994; 10/03/1995 a 28/04/1995; 29/04/1955 a 20/05/1995; 01/06/1995 a 05/03/1997;
19/07/2004 a 20/08/2004; 15/12/2004 a 23/07/2008; Sucumbente na maior parte, condeno o autor
a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios à razão de 10% sobre o valor
atualizado da causa, cuja exigibilidade fica suspensa pelo prazo de 5 anos, tendo em vista que a
concessão dos benefícios da justiça gratuita. Escoado o quinquídio legal sem cessação da
hipossuficiência, ficarão extintas as obrigações de sucumbência".
Inconformada, aparte autoramanifestou parcial irresignação com o decisum, pugnandopelo
reconhecimento do lapsos rural, sem registro em Carteira, e insalubre afastados pelo julgado.
Aautarquia também recorreu, refutando os períodos especiais enquadrados, à míngua de
comprovação de exposição a agentes nocentes. Aponta, ademais, irregularidades no
preenchimento do código GFIP e sustenta a eficácia do EPI.Prequestionou a matéria para fins
recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5349944-60.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, EDNEI SANTOS OLIVEIRA
Advogados do(a) APELANTE: JOSE LUIZ PEREIRA JUNIOR - SP96264-N, ERICA APARECIDA
MARTINI BEZERRA PEREIRA - SP169162-N, LAYS PEREIRA OLIVATO ROCHA - SP303756-N
APELADO: EDNEI SANTOS OLIVEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELADO: LAYS PEREIRA OLIVATO ROCHA - SP303756-N, JOSE LUIZ
PEREIRA JUNIOR - SP96264-N, ERICA APARECIDA MARTINI BEZERRA PEREIRA -
SP169162-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Passo à apreciação as questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço rural
Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados
de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o
recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o
disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta
Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art.
12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16
de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua
eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
No julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima,
submetido ao rito do art. 543-C do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça, examinando a matéria
concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada
aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data
do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
Ademais, consoante entendimento desta Nona Turma e do Colendo Superior Tribunal de Justiça,
é possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade (STJ,
AR n. 3.629, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 9/9/2008).
Destaque-se, ainda, que a jurisprudência admite a extensão da condição de lavrador para a filha
e a esposa (mormente nos casos do trabalho em regime de economia familiar, nos quais é
imprescindível sua ajuda para a produção e subsistência do núcleo).
Aparte autora busca o reconhecimento do labor rural informal desempenhado desde pequeno
(não informa o período, mas supõe-se a partir dos doze anos).
Contudo, como bem pontuado pela decisão recorrida, olitigante deixou decarrear minimamente,
em nome próprio ou eventualmente de terceiros (genitores), indícios razoáveis de prova material
capazes de demonstrar a faina agrária aventada. Absolutamente nada!
A CTPS afigura-se, de fato, indicativo de prova material, porém, complementar a documentos
contemporâneos, providência que o autor deixou de tomar.
Não obstante os testemunhos colhidos, inexistem elementos de prova relativos ao fato em
contenda, de modo a embasar as alegações expendidas na exordial.
Sublinhe-se que, mesmo para a comprovação da atividade rural em relação a qual, por natureza,
predomina o informalismo, cuja consequência é a escassez da prova material, a jurisprudência
pacificou entendimento de não ser bastante para demonstrá-la apenas a prova testemunhal,
consoante Súmula n. 149 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito
de obtenção de benefício previdenciário."
Assim, joeirado o conjunto probatório, entendo que o labor rural debatidonão restou demonstrado.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-
se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente
até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel.
Min.HERMAN BENJAMIN, 2T, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais
do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente
a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição
do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade
do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao PPP, instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base
em laudo técnico elaborado pelo empregador,retrata as características do trabalho do segurado e
traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de
trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No tocante aos interstícios de 6/5/1987 a 13/6/1990, de 25/3/1991 a 20/11/1991 e de 16/3/1994 a
2/5/1994, nas funções degradantes de rurícola à frente do corte de cana em estabelecimento
agropecuário, conforme CTPS/PPP, entendo que podem ser reputados insalutíferos, nos exatos
termos do código 2.2.1 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
Nesse sentido, trago decisões do Superior Tribunal de Justiça (g.n.):
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. SÚMULA 7/STJ.
ENQUADRAMENTO COMO ESPECIAL. INTERPRETAÇÃO DO DECRETO 53.831/1964.
LIMITAÇÃO À ATIVIDADE AGROPECUÁRIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE
PREJUDICADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A tese recursal gira em torno do
reconhecimento de tempo de labor rural, para fins de comprovação dos requisitos necessários à
concessão de benefício previdenciário aposentadoria por tempo de serviço, bem como o
enquadramento da atividade em especial, nos termos do Decreto 53.831/1964. 2. O Tribunal de
origem, com base na análise do conjunto fático-probatório, entendeu que não estariam
preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício previdenciário aposentadoria por
tempo de serviço, uma vez que a prova documental corroborada pela prova testemunhal,
somente comprovam o labor rural no período compreendido entre 1º/1/1968 a 31/12/1980. 3.
Com efeito, a questão foi apreciada com base nos elementos probatórios colacionados, de modo
que modificar o entendimento esposado no acórdão recorrido demandaria o reexame do conjunto
fático probatório, o que encontraria óbice na Súmula 7/STJ. 4. No que concerne ao
enquadramento da atividade rural como especial nos termos do Decreto 53.831/1964, verifica-se
que o Tribunal de origem entendeu não ser possível o reconhecimento da atividade rural como
especial porque não evidenciada a exposição à nocividade de modo habitual e permanente. 5. O
STJ possui entendimento no sentido de que nos termos do Decreto 53.831/1964, somente se
consideram nocivas as atividades desempenhadas na agropecuária por outras categorias de
segurados, não sendo possível o enquadramento como especial da atividade exercida na lavoura
pelo segurado especial em regime de economia familiar. 6. Agravo regimental não provido.
..EMEN:Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: "A Turma, por
unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-
Relator(a)." As Sras. Ministras Assusete Magalhães (Presidente), Diva Malerbi (Desembargadora
convocada do TRF da 3a. Região) e os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin
votaram com o Sr. Ministro Relator.” (AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL - 860631 2016.00.32469-5, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ -
SEGUNDA TURMA, DJE DATA:16/06/2016 ..DTPB:.)
“PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
ENQUADRAMENTO COMO ATIVIDADE ESPECIAL DE QUE TRATA O ITEM 2.2.1 DO ANEXO
DO DECRETO N. 53.831/64. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N.
9.032/95, QUE ALTEROU O ART. 57, § 4º, DA LEI N. 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE DE
RECONHECIMENTO DO DIREITO À CONTAGEM DE TEMPO DE TRABALHO ESPECIAL, NA
HIPÓTESE EM ANÁLISE. 1. O reconhecimento de trabalho em condições especiais antes da
vigência da Lei n. 9.032/95, que alterou o art. 57, § 4º, da Lei n. 8.213/91, ocorria por
enquadramento. Assim, o anexo do Decreto 53.831/64 listava as categorias profissionais que
estavam sujeitas a agentes físicos, químicos e biológicos considerados prejudiciais à saúde ou à
integridade física do segurado. 2. Os segurados especiais (rurícolas) já são contemplados com
regras específicas que buscam protegê-los das vicissitudes próprias das estafantes atividades
que desempenham, assegurando-lhes, de forma compensatória, a aposentadoria por idade com
redução de cinco anos em relação aos trabalhadores urbanos; a dispensa do recolhimento de
contribuições até o advento da Lei n. 8.213/91; e um menor rigor quanto ao conteúdo dos
documentos aceitos como início de prova material. 3. Assim, a teor do entendimento do STJ, o
Decreto n. 53.831/64, no item 2.2.1 de seu anexo, considera como insalubres as atividades
desenvolvidas na agropecuária por outras categorias de segurados, que não a dos segurados
especiais (rurícolas) que exerçam seus afazeres na lavoura em regime de economia familiar.
Precedentes: AgRg no REsp 1.084.268/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA
TURMA, DJe 13/03/2013 e AgRg nos EDcl no AREsp 8.138/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES,
SEXTA TURMA, DJe 09/11/2011. 4. Recurso especial a que se nega provimento. ..EMEN:Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior
Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Olindo Menezes (Desembargador
Convocado do TRF 1ª Região), Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves votaram com o
Sr. Ministro Relator.” (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1309245 2012.00.30818-2, SÉRGIO
KUKINA, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:22/10/2015 ..DTPB:.)
Ademais, a ocupação desenvolvida nas lavouras de cana-de-açúcar envolve desgaste físico
excessivo, sujeição à radiação solar ultravioleta (altamente cancerígena), a hidrocarbonetos
policíclicos aromáticos, além do contato com a fuligem da cana-de-açúcar, o que demonstra a
extrema penosidade da função.
Esse também é o entendimento desta Nona Turma: ApCiv 5555531-16.2019.4.03.9999,
Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, Data: 9/8/2019; ApCiv 0000424-
68.2015.4.03.6120, Desembargadora Federal Marisa Santos, e-DJF3: 7/8/2019.
Em relação aos períodos considerados,de 1º/4/1993 a 21/12/1993, de 20/6/1994 a 15/12/1994, de
10/3/1995 a 28/4/1995, de 29/4/1995 a 20/5/1995, de 1º/6/1995 a 5/3/1997, de 19/7/2004 a
20/8/2004 e de 15/12/2004 a 23/7/2008, a parte autora logrou demonstrar,via Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP), exposição - habitual e permanente - a níveis de ruído
superiores aos limites de tolerância para a época de prestação do serviço, autorizando o
enquadramento nos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, 1.1.5 do anexo ao
Decreto n. 83.080/1979 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Saliento ter a decisão recorrida reconhecido o vínculo de 4/3/1992 a 21/12/1993, mas a prova
efetiva de submissão a níveis de ruído acima dos patamares aceitáveis deu-se apenas no
intervalo de 1º/4/1993 a 21/12/1993, consoante PPP coligido.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é
capaz de neutralizar a nocividade dos agentes e nem elimina os riscos à integridade física do
segurado.
No mais, eventual descumprimento da obrigação acessória de informar, mensalmente via GFIP,
ao INSS, dados relacionados aos fatos geradores da contribuição previdenciária (artigo 32da Lei
n. 8.212/1991) não pode, de modo algum, prejudicar o segurado.
Por outro lado, não prospera o pedido de enquadramento dos períodos de 9/8/2010 a 6/10/2010 e
de 18/4/2011 a 31/12/2012 por exposição ao fator de risco "vibração".
Nalinha de compreensão jurisprudencial desta Corte (TRF3, 7T, Ap - APELAÇÃO CÍVEL -
2142297, Rel. DES. FED. PAULO DOMINGUES, julgado em 8/4/2019, e-DJF3: 23/4/2019),
entendo igualmente restringir o enquadramento do referido agente agressivo (vibração) às
atividades pesadasdesenvolvidascom perfuratrizes e marteletes pneumáticos, como"britadeiras",
por exemplo, situação distinta da verificada nestes autos.
Todavia, nada impediria o reconhecimento do caráter penoso da ocupação de motorista de
caminhão, desde que devidamente demonstrada a respectiva exposição a níveis superiores aos
limites de tolerânciaestabelecidos na NR-15, anexo 8, eNHO 09 [valor da aceleração resultante
de exposição normalizada (AREN) acima de1,1 m/s² evalor da dose de vibração resultante
(VDVR) acima de 21,0 m/s1,75].
Ocorre que o PPP coligido aos autos (id 145843979 - Pág. 23) apurou doses de vibração abaixo
dos patamares supra, não autorizando, portanto,a contagem excepcional.
Não há negar, repita-se, as condições penosas às quais se submetem os motoristas de
caminhão/ônibus e cobradores de ônibus, sobretudo diante de exposição a "vibrações de corpo
inteiro - VCI", porém, a prova de exposição deve estar bem caracterizada.
Assim, procede em parte o pleito do autor de reconhecimento do caráter especial das atividades
executadas nos interregnos supracitados, cuja soma aos demais períodos incontroversos, não lhe
autoriza a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, senão apenas a averbação na
contagem de tempo, visando futuro jubilamento.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso do autor edou parcial provimento ao apelo do
INSS para corrigir o lapso especial de1º/4/1993 a 21/12/1993, mantendo, de resto, incólume a
decisão recorrida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ATIVIDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL.
IMPOSSIBILIDADE. ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL CANAVIEIRO. RUÍDO.
PPP. ENQUADRAMENTO. VIBRAÇÃO DE CORPO INTEIRO NÃO DEMONSTRADO.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- Olitigante deixou decarrear indícios razoáveis de prova material capazes de demonstrar a faina
agrária aventada.Não obstante os testemunhos colhidos, inexistem elementos de prova relativos
ao fato em contenda, de modo a embasar as alegações expendidas na exordial.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- No tocante aos interstícios nas funções degradantes de rurícola à frente do corte de cana em
estabelecimento agropecuário, podem ser reputados insalutíferos, nos exatos termos do código
2.2.1 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964. Precedentes.
- Presença de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), indicador de exposição a níveis de
ruído superiores aos limites de tolerância para a época de prestação do serviço, autorizando o
enquadramento nos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, 1.1.5 do anexo ao
Decreto n. 83.080/1979 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
- PPP coligido apurou doses de vibração abaixo dos patamares regulamentares, não autorizando
a contagem excepcional.
- Não há negar as condições penosas às quais se submetem os motoristas de caminhão/ônibus e
cobradores de ônibus, sobretudo diante de exposição a "vibrações de corpo inteiro - VCI", porém,
a prova de exposição deve estar bem caracterizada.
- Não atendidos os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuiçãona
DER.
- Apelação da parteautora conhecida e não provida.
- Apelação da parte réconhecida parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação autoral e dar parcial provimento à apelação da
parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
