Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5149536-19.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ATIVIDADE RURAL SEM REGISTRO EM CTPS. PRESENÇA DE PROVA MATERIAL.
ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. TENSÃO ELÉTRICA. PERICULOSIDADE.
LAUDO. PPP. REQUISITOS ATENDIDOS NA DER. CONSECTÁRIOS.
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
Precedentes.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural alegado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Presença de perfil profissiográfico previdenciário (PPP) e laudo pericial produzido no curso da
ação, asseverando o exercício da atividade de "auxiliar de eletricista, 1/2 oficial eletricista e
eletricista" de rede energizada em Sistema Elétrico de Potência (SEP), rede desligada e redes
com voltagem de 127 a 13.800 V, situação passível de consideração no código 1.1.8 do anexo ao
Decreto n. 53.831/1964.
- Sobre apericulosidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar oREsp n. 1.306.113,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973, concluiu, ao analisar questão relativa à tensão
elétrica superior a 250 Volts, pelapossibilidade do enquadramento especial, mesmo paraperíodo
posterior a 5/3/1997, desde que amparado em laudo pericial. Precedentes.
- As informações do perito merecem credibilidade, pois gozam de fé pública (presunção de
veracidade), vale dizer, são aceitas como verdadeiras até prova em contrário, o que não ocorreu
na hipótese.
- Não se afigura cabível a contagem reduzida do tempo em razão de exposição a agentes
biológicos. A própria perícia não descarta o risco biológico do obreiro em virtude do potencial
contato com zoonoses, como a brucelose e a tuberculose bovina, o que se infere tratar-se de
mero risco eventual, à luz das outras atribuições assumidas pelo autor.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos na DER.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5149536-19.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ANTONIO DONIZETE DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANTONIO DONIZETE DOS
SANTOS
Advogado do(a) APELADO: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5149536-19.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ANTONIO DONIZETE DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANTONIO DONIZETE DOS
SANTOS
Advogado do(a) APELADO: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora busca o
reconhecimento de trabalho rural informal e o enquadramento de atividade especial, com vistas
à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença, integralizada via embargos declaratórios, foi proferida nos seguintes termos:
"Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para o fim de
DECLARAR como tempo de contribuição para todos os fins de direito, o período de atividade
rurícola entre 10/09/1976, quando completou quatorze anos, até 30/10/1988, cujo período não
poderá ser adotado para fins de carência do benefício, bem como RECONHECER como
especial os períodos entre: 01/11/188 a 01/04/1990, 05/03/1991 a 224/04/1991, 03/11/1992 a
04/06/1996, 01/07/1996 a 25/08/1999, 01/03/2000 a 28/02/2002, 01/02/2003 a 11/03/2004,
01/10/2004 a 21/02/2007 e 01/02/2013 a 27/07/2017, trabalhado nas funções de eletricista, 1/2
oficial eletricista e ajudante geral na área pecuária, determinando sua conversão para
contribuição comum, observando-se o índice de 1,4 aplicável à espécie e DETERMINO a
expedição da respectiva certidão. Por fim, CONDENO o Instituto Nacional do Seguro Social a
implantar em favor do autor ANTONIO DONIZETE DOS SANTOS o benefício de aposentadoria
por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo, devendo a verba
atrasada ser paga de uma única vez, sob a forma dos Temas 905 do STJ e 810 do STF, sem
tutela de urgência ...".
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação. No mérito, refutou o reconhecimento
da atividade rurícola, sem registro em CTPS, e o enquadramento realizado, à míngua de
comprovação de exposição habitual a agentes agressivos. Ademais, o laudo é extemporâneo e
padece de irregularidades.
Igualmente inconformada, a parte autora recorreu, exorando reconhecimento da atividade
rurícola a partir dos doze anos, cujo acréscimo ao tempo global lhe garante a manutenção da
aposentadoria na DER, sem incidência do fator previdenciário. Pugna, ainda, por correção pelo
INPC.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5149536-19.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ANTONIO DONIZETE DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANTONIO DONIZETE DOS
SANTOS
Advogado do(a) APELADO: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço rural
Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de
segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de
segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante
o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento,
observado o disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito
quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto
no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do
art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a
16 de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia
familiar;
V - bloco de notas do produtor rural."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a
sua eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
No julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima,
submetido ao rito do art. 543-C do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça, examinando a
matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material
juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o
posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
Ademais, consoante entendimento desta Nona Turma e do Colendo Superior Tribunal de
Justiça, é possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de
idade (STJ, AR n. 3.629, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 9/9/2008).
Busca a parte autora o reconhecimento do labor rural entre 10/9/1974 e 30/10/1988.
No caso dos autos, há suporte probatório mínimo atrelado ao autor com os afazeres
campesinos junto da família, consubstanciado em: (i) certidão de casamento do genitor (1959);
(ii) certidão de nascimento do demandante (1962); (iii) certidões de nascimento dos irmãos,
constando a profissão do pai como lavrador (1971); (iv) apontamentos escolares (1973/80); (v)
certidão da Secretaria de Segurança Pública qualificando o autor como lavrador por ocasião de
emissão do RG (1981).
Por sua vez, os testemunhos colhidos, sob o crivo do contraditório, corroboraram o mourejo
asseverado, sobretudo ao afirmarem o labor agrícola do litigante à frente do cultivo de milho,
algodão, arroz.
Nesse panorama, diante do conjunto probatório, entendo demonstrado o labor rural na extensão
do período pleiteado (10/9/1974 a 30/10/1988), independentemente do recolhimento de
contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96,
inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016,
DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar
completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do
EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao PPP, instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base
em laudo técnico elaborado pelo empregador,retrata as características do trabalho do segurado
e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de
trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, em relação aos períodos reconhecidos, de 1º/11/1988 a 1º/4/1990, de 5/3/1991 a
22/4/1991, de 3/11/1992 a 4/6/1996, de 1º/7/1996 a 25/8/1999, de 1º/3/2000 a 28/2/2002 e de
1º/2/2013 a 8/11/2019, a parte autora logrou comprovar, via perfil profissiográfico previdenciário
(PPP) e laudo pericial produzido no curso da ação, o exercício da atividade de "auxiliar de
eletricista, 1/2 oficial eletricista e eletricista" de rede energizada em Sistema Elétrico de
Potência (SEP), rede desligada e redes com voltagem de 127 a 13.800 V, situação passível de
consideração no código 1.1.8 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
Sobre apericulosidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar oREsp n. 1.306.113,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973, concluiu, ao analisar questão relativa à tensão
elétrica superior a 250 Volts, pelapossibilidade do enquadramento especial, mesmo paraperíodo
posterior a 5/3/1997, desde que amparado em laudo pericial, por ser meramente exemplificativo
o rol de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172/1997 (STJ, REsp n. 1.306.113/SC, Rel.
Herman Benjamin, Primeira Seção, J: 14/11/2012, DJe: 7/3/2013).
Cumpre observar, ainda, que a exposição de forma intermitente à tensão elétrica não
descaracteriza o risco produzido pela eletricidade, uma vez que o perigo de descarga é real
tanto para aquele que se encontra sujeito de forma contínua como para o trabalhador que,
durante a jornada, por diversas vezes, mantém contato com a eletricidade (STJ, 6ª Turma,
REsp 658016, Rel. Hamilton Carvalhido, DJU 21/11/2005).
Insta destacar que as informações do perito merecem credibilidade, pois gozam de fé pública
(presunção de veracidade), vale dizer, são aceitas como verdadeiras até prova em contrário, o
que não ocorreu na hipótese.
Assim, deve ser reconhecida como correta a perícia, por ser o perito imparcial e equidistante
dos interesses das partes litigantes e merecer, sua análise técnica dos ambientes de trabalho
do segurado, fé de ofício.
Nesse aspecto, do exame fático probatório, constata-se que a parte autora esteve
permanentemente sujeita aos elementos prejudiciais à saúde e à integridade física indicados no
laudo judicial.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas na profissiografia, conclui-se que, na
hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Por outro lado, não se afigura cabível a contagem reduzida do tempo em relação aos lapsos de
1º/2/2003 a 11/3/2004 e de 1º/10/2004 a 21/2/2007 laborados pelo autor na fazenda do
pecuarista, Sr. Alaor Antônio dos Santos, em razão de exposição a agentes biológicos.
Segundo a perícia (g.n.): "As atividades desempenhadas pelo autor consistiam em realizar
consertos e manutenções em cercas, carpa manual com enxada em aceiros. Realizava também
o plantio de cana, com o trator Massey Ferguson 275 sem capota e utilizava a forrageira.
Também, realizava o trato de 200 cabeças de gado confinado 6 vezes ao dia". E prossegue que
"durante o pacto laboral atuou no manejo de reses bovinas, cujo plantel medeou em 200 reses,
aproximadamente. O risco biológico não pode ser excluído. Animais silvestres de hábitos
noturnos, como os Iraras, Raposas do campo, Lobos Guará e outros de hábitos aquáticos,
como as lontras e as capivaras costumam acercar-se de áreas onde permanecem bovinos. As
reses buscam bebedouros nas proximidades de áreas de APP, onde predominam animais
silvestres que podem transmitir, às mesmas, doenças e vetores. A capivara é portadora do
carrapato estrela e este, da Riketsia, bactéria que transmite a febre maculosa. O carrapato é
apenas um vetor que leva a bactéria a contaminar o homem, na cadeia de transmissão. Assim,
o risco sempre está presente, com as reses bovinas. Existem, ainda, as zoonoses, como a
brucelose e a tuberculose bovina, esta, fácilmente, transmissivel ao ser humano".
Ora! A própria perícia não descarta o risco biológico do obreiro em virtude do potencial contato
com zoonoses, como a brucelose e a tuberculose bovina, o que se infere tratar-se de mero risco
eventual, à luz das outras atribuições assumidas pelo autor.
Ademais, de acordo com o anexo do Decreto n. 83.080/1979, para caracterização do agente
biológico, a parte autora haveria de ter executado "trabalhos permanentes em contato com
produtos de animais infectados, carnes, vísceras, glândulas, sangue, ossos e materiais infecto-
contagiantes", atividades típicas dos profissionais da saúde como médicos, veterinários,
enfermeiros, técnicos de laboratório, dentistas e biologistas, o que não ocorreu.
Em suma, prospera em parte o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades
suprarreferidas, cujos lapsos devem ser somados aos demais períodos incontroversos.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um
adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30
anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de
"pedágio".
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142
da Lei n. 8.213/1991.
Quanto ao tempo de serviço, somados todos os períodos de labor, inclusive o rural, a parte
autora conta mais de 35 anos de profissão no requerimento administrativo (8/11/2019), o que
lhe autoriza a concessão da aposentadoria integral (CF/1988, art. 201, § 7º, I, com redação
dada pela EC n. 20/1998), mediante cálculo de acordo com a Lei n. 9.876/1999, sem incidência
do fator previdenciário, pois a pontuação total suplanta 96 pontos (Lei n. 8.213/1991, art. 29-C,
I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Assinalo não haver prova nos autos do requerimento administrativo apontado pelo autor
(25/7/2017), mas do pleito oficialmente formulado em 8/11/2019 e indeferido, consoante o
sistema PLENUS.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os
cálculos na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE
n. 870.947).
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à
razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009,
a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações
introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão
Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a
tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao apelo do INSS e provimento ao recurso da parte
autora para, nos termos da fundamentação: (i) reconhecer o trabalho rural, sem registro em
CTPS, no interstício de 10/9/1974 a 9/9/1976, independentemente do recolhimento de
contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96,
inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991); (ii) excluir o enquadramento, como atividade especial,
dos períodos de1º/2/2003 a 11/3/2004 e de 1º/10/2004 a 21/2/2007; (iii) reconhecer o direito à
aposentadoria integral, sem incidência do fator previdenciário, desde a DER 8/11/2019.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ATIVIDADE RURAL SEM REGISTRO EM CTPS. PRESENÇA DE PROVA MATERIAL.
ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. TENSÃO ELÉTRICA. PERICULOSIDADE.
LAUDO. PPP. REQUISITOS ATENDIDOS NA DER. CONSECTÁRIOS.
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
Precedentes.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural alegado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Presença de perfil profissiográfico previdenciário (PPP) e laudo pericial produzido no curso da
ação, asseverando o exercício da atividade de "auxiliar de eletricista, 1/2 oficial eletricista e
eletricista" de rede energizada em Sistema Elétrico de Potência (SEP), rede desligada e redes
com voltagem de 127 a 13.800 V, situação passível de consideração no código 1.1.8 do anexo
ao Decreto n. 53.831/1964.
- Sobre apericulosidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar oREsp n. 1.306.113,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973, concluiu, ao analisar questão relativa à tensão
elétrica superior a 250 Volts, pelapossibilidade do enquadramento especial, mesmo paraperíodo
posterior a 5/3/1997, desde que amparado em laudo pericial. Precedentes.
- As informações do perito merecem credibilidade, pois gozam de fé pública (presunção de
veracidade), vale dizer, são aceitas como verdadeiras até prova em contrário, o que não
ocorreu na hipótese.
- Não se afigura cabível a contagem reduzida do tempo em razão de exposição a agentes
biológicos. A própria perícia não descarta o risco biológico do obreiro em virtude do potencial
contato com zoonoses, como a brucelose e a tuberculose bovina, o que se infere tratar-se de
mero risco eventual, à luz das outras atribuições assumidas pelo autor.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos na DER.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS e provimento à apelação do
autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
