Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5005432-67.2020.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADO. POLICIAL MILITAR. REGIME PRÓPRIO
DE PREVIDÊNCIA. ILEGITIMIDADE DE PARTE DO INSS. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE
ESPECIAL. MOTORISTA DE CAMINHÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
SUCUMBÊNCIA.
- Nos termos do art.373, I, do CPC, é da parte autora o ônus de comprovar a veracidade dos fatos
constitutivos de seu direito, por meio de prova suficiente e segura, competindo ao juizdecidir a lide
conforme seu livre convencimento,fundado em fatos, provas, jurisprudência, aspectos ligados ao
tema e legislação que entender aplicável ao caso.Cerceamento de defesa não visualizado.
- A pretensão de reconhecimento da especialidade do período em que trabalhou como Policial
Militar do Estado de São Paulo encontra óbice na própria legislação previdenciária, a qual não
admite a conversão da atividade especial em comum, consoante artigo 125, § 1º, do Decreto n.
3.048/1999.
- Desponta a ilegitimidade passiva do INSS no tocante ao reconhecimento da especialidade
durante trabalho sob normas de Regime Próprio de Previdência. Precedente.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Depreende-se da anotação em CTPS, o exercício das funções de motorista de caminhão, fato
que viabiliza o enquadramento pela categoria profissional até 28/4/1995, nos termos dos códigos
2.4.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.4.2 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979.
Precedente.
- Presença de PPP confirmando a periculosidade no transporte de combustíveis, durante contrato
para o cargo de "motorista bitrem", o que denota a potencialidade lesiva por força do risco de
explosão. Precedente.
- Em relação aos interregnos remanescentes, não existe comprovação de possível
prejudicialidade da ocupação de motorista carreteiro, de sorte que devem ser computados como
tempo comum.
- À míngua de cumprimento dos ônus probatórios (art. 373 do CPC), eventual determinação para
produção de perícia indireta revelar-se-ia imprestável.
- A parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria.
- Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5%
(cinco por cento) sobre o valor da causa atualizado. Em relação à parte autora, porém, fica
suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se
de beneficiária da justiça gratuita.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005432-67.2020.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: LUIZ CARLOS CAMARGO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, LUIZ CARLOS CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005432-67.2020.4.03.6183
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
enquadramento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial ou
aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença foi proferida nos seguintes termos:
"Diante do exposto, declaro a ilegitimidade passiva do INSS para reconhecer período especial
trabalhado em Regime Próprio em relação ao intervalo de 26.09.1985 a 15.10.1993, com
extinção desse item do pedido, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, VI, do
Código de Processo; rejeito a prejudicial de prescrição e, no mérito propriamente Civil dito, julgo
parcialmente procedentes os pedidos remanescentes (artigo 487, inciso I, do Código de
Processo Civil de 2015), para: (a) reconhecer como especial o período de 02.01.1995 a
28.04.1995; (b) condenar o INSS a averbá-lo como tal no tempo de serviço da parte autora ...".
Inconformado, o INSS recorreu, pugnando pela improcedência do pedido, à míngua de
comprovação do labor com exposição a agentes nocentes. Prequestionou, no mais, a matéria.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual alega, preliminarmente, a ocorrência
de cerceamento de defesa. No mérito, exora a procedência integral dos pedidos arrolados na
inicial, o que lhe assegura a aposentadoria especial na DER.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
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Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
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Advogado do(a) APELADO: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Compulsados os autos, não está configurado o alegado cerceamento de defesa.
Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar
a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura.
Nesse passo, a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos
vindicados, deve a parte suplicante carrear documentos aptos certificadores das condições
insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e permanência, como formulários
padrão e laudos técnicos individualizados, cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada,
o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Com efeito, compete ao juiz a condução do processo, cabendo-lhe apreciar a questão de
acordo com o que está sendo debatido. Dessa forma, o juiz não está obrigado a decidir a lide
conforme pleiteado pelas partes, mas, sim, conforme seu livre convencimento, fundado em
fatos, provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao
caso.
Se não houver dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas
atividades laborativas, despicienda revela-se a produção de prova pericial para o julgamento da
causa e, por consequência, não estará configurado cerceamento de defesa ou violação de
ordem constitucional ou legal.
Assim, rejeito a preliminar arguida.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Da atividade especial no regime próprio de previdência social
No caso dos autos, pretende a parte autora o reconhecimento da especialidade do período de
26/9/1985 a 15/10/1993, em que trabalhou como Policial Militar do Estado de São Paulo.
De plano, há que ser considerado que o requerente esteve vinculado a regime próprio
previdenciário e, dessa maneira, não compete à autarquia previdenciária o exame da
especialidade aventada, senão ao próprio ente federativo no qual a parte autora desenvolveu as
atribuições vinculadas ao regime próprio de previdência social (RPPS) atestar a insalubridade e,
ao expedir a certidão de tempo de serviço para fins de contagem recíproca, mencionar a
atividade em sua totalidade, já incluindo os acréscimos decorrentes da conversão.
Não há negar a plausibilidade do direito de o litigante ter esse tempo de serviço convertido em
especial, por ser intuitiva a exposição ao risco a que se submete o ocupante desta atividade.
Contudo, a pretensão encontra óbice na própria legislação previdenciária, a qual não admite a
conversão da atividade especial em comum, consoante artigo 125, § 1º, do Decreto n.
3.048/1999:
"Art. 125: "Para efeito de contagem recíproca, hipótese em que os diferentes sistemas de
previdência social compensar-se-ão financeiramente, é assegurado:
I - o cômputo do tempo de contribuição na administração pública, para fins de concessão de
benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social, inclusive de aposentadoria em
decorrência de tratado, convenção ou acordo internacional;
(...)
§ 1º Para os fins deste artigo, é vedada a conversão de tempo de serviço exercido em atividade
sujeita a condições especiais, nos termos dos arts. 66 e 70, em tempo de contribuição comum,
bem como a contagem de qualquer tempo de serviço fictício."
Na hipótese, tendo o autor desenvolvido atividade junto ao ente estatal, sob regime próprio,
este deve ser o órgão em que se deve buscar o enquadramento especial e, em caso de
negativa, aforar a contenda na Justiça Estadual bandeirante, a fim de fazer valer o direito
invocado (TRF/3ª Região; APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0002678-
03.2004.4.03.9999/SP; 2004.03.99.002678-7/SP; RELATORA: Des. Federal EVA REGINA; D.E.
Publicado em 14/2/2011).
Assim, desponta a ilegitimidade passiva do INSS no tocante ao reconhecimento da
especialidade reclamada, uma vez que o trabalho supostamente exercido sob condições
especiais não ocorreu sob as normas do Regime Geral da Previdência Social, mas sob as do
Regime Próprio de Previdência.
Por fim, de acordo com a Nota Técnica n. 2/2014/CGNAL/DRPSP/SPPS/MPS, de 15/5/2014, os
efeitos da Súmula Vinculante 33 do STF não abrangem a conversão de tempo especial em
comum pelos servidores, pois, nos julgados que serviram de base para a elaboração do verbete
sumular, não houve autorização do STF para a conversão, senão unicamente para fins de
aposentadoria especial (25 anos), requisito, de todo modo, não preenchido pelo recorrente.
Nesse sentido, transcrevo passagem do voto proferido pela Ministra Cármen Lúcia no MI
6031/DF (Julgamento: 06/11/2013, DJe-223 DIVULG 11/11/2013 PUBLIC 12/11/2013):
"(...) 5. No caso em exame, o Impetrante requer “o direito à adoção da Lei n. 8.213/91, lei geral
da Previdência Social, para a concessão de contagem do tempo de serviço prestado em
condições especiais ” (fl. 10). Contudo, o art. 40, § 4º, da Constituição da República não dispõe
sobre a contagem de tempo de serviço diferenciado para o servidor público, mas sobre a
aposentadoria especial".
Escorreita é a decisão combatida.
Do enquadramento de período especial no RGPS
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016,
DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/73, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao vínculo de 2/1/1995 a 28/4/1995, depreende-se da anotação em CTPS, o
exercício das funções de motorista de caminhão, fato que viabiliza o enquadramento pela
categoria profissional até 28/4/1995, nos termos dos códigos 2.4.4 do anexo ao Decreto n.
53.831/1964 e 2.4.2 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979 (TRF 3ª R; AC n. 2001.03.99.041797-
0/SP; 9ª Turma; Rel. Des. Federal Marisa Santos; julgado em 24/11/2008; DJU 11/02/2009, p.
1304 e TRF3, AC n. 00005929820004039999, 10T, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, DJU
16.11.2005).
Em relação ao período de 2/5/2017 a 28/11/2018, a parte autora logrou demonstrar,via Perfil
Profissiográfico Previdenciário – PPP, a periculosidade no transporte de combustíveis, durante
contrato celebrado com FFMJ Locação e Serviços de Transportes EIRELLI para o cargo de
"motorista bitrem", o que denota a potencialidade lesiva por força do risco de explosão (código
1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, código 1.2.10 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979,
código 1.0.19 do anexo ao Decreto n. 3.048/1999 e NR-16 – anexo 2 – Atividades e Operações
Perigosas com Inflamáveis).
Com relação especificamente à questão da periculosidade, o STJ, ao apreciar o Recurso
Especial n. 1.306.113, sob o regime do artigo 543-C do CPC/73, reconheceu a controvérsia da
matéria e concluiu pela possibilidade do reconhecimento, como especial, do tempo de serviço
no qual o segurado ficou exposto, de modo habitual e permanente, a tensões elétricas
superiores a 250 volts, também, no período posterior a 5/3/1997, desde que amparado em
laudo pericial, por ser meramente exemplificativo o rol de agentes nocivos constante do Decreto
n. 2.172/97.
No mesmo sentido posicionou-se a Corte Superior ao analisar questão análoga a versada
nestes autos (g. n.):
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A
AGENTES NOCIVOS. EFICÁCIA E USO DO EPI NÃO COMPROVADOS. ARTS. 57 E 58 DA
LEI 8.213/1991. PERICULOSIDADE. TRANSPORTE DE SUBSTÂNCIAS INFLAMÁVEIS. ROL
DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO. AGENTES
PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS. ATIVIDADE EXPOSTA AO RISCO DE EXPLOSÃO
RECONHECIDA COMO ESPECIAL AINDA QUE EXERCIDA APÓS A EDIÇÃO DO DECRETO
2.172/1997. REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO. EXPOSIÇÃO HABITUAL, NÃO
OCASIONAL NEM INTERMITENTE RECONHECIDOS PELA CORTE DE ORIGEM.
INVIABILIDADE DE CONVERSÃO DE TEMPO COMUM EM ESPECIAL QUANDO O
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO OCORRER NA VIGÊNCIA DA LEI 9.032/95. RESP.
1.310.034/PR REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. RESSALVA DO PONTO DE VISTA
DO RELATOR. RECURSO ESPECIAL DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não se
desconhece que a periculosidade não está expressamente prevista nos Decretos 2.172/1997 e
3.048/1999, o que à primeira vista, levaria ao entendimento de que está excluída da legislação
a aposentadoria especial pela via da periculosidade. Contudo, o art. 57 da Lei 8.213/1991
assegura expressamente o direito à aposentadoria especial ao Segurado que exerça sua
atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, nos
termos dos arts. 201, § 1o. e 202, II da Constituição Federal. 2. Assim, o fato de os decretos
não mais contemplarem os agentes perigosos não significa que não seja mais possível o
reconhecimento da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico,
hierarquicamente superior, traz a garantia de proteção à integridade física do trabalhador. 3.
Corroborando tal assertiva, a Primeira Seção desta Corte, no julgamento do 1.306.113/SC, fixou
a orientação de que a despeito da supressão do agente eletricidade pelo Decreto 2.172/1997, é
possível o reconhecimento da especialidade da atividade submetida a tal agente perigoso,
desde que comprovada a exposição do trabalhador de forma habitual, não ocasional, nem
intermitente. 4. Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a possibilidade de
caracterização da atividade exposta a riscos de explosão, desde que comprovada a exposição
do trabalhador à atividade nociva, de forma habitual, não ocasional, nem intermitente. 5. No
caso dos autos, as instâncias ordinárias, soberanas na análise fático-probatória dos autos,
concluíram que as provas carreadas aos autos, especialmente o PPP, comprovam a habitual
exposição à atividade nociva, o que garante o reconhecimento da atividade especial. 6. O
acórdão recorrido está alinhado com a orientação jurisprudencial desta Corte que afirma que o
uso de EPI não afasta, por si só, o reconhecimento da atividade como especial, devendo ser
apreciado caso a caso, a fim de comprovar sua real efetividade por meio de perícia técnica
especializada e desde que devidamente demonstrado o uso permanente pelo empregado
durante a jornada de trabalho. Firme nessa premissa, a Corte de origem é categórica ao afirmar
que não há nos autos provas nem do uso do EPI pelo Segurado, nem da real eficácia do
equipamento entregue ao trabalhador, não reconhecendo elementos que justifiquem a
descaracterização da atividade como especial. 7. Entendo que a Lei 9.032/1995, ao vedar a
possibilidade de conversão de tempo de serviço comum em especial para fins de concessão do
benefício de aposentadoria especial, não atinge os períodos anteriores à sua vigência, mesmo
nas hipóteses em que os requisitos para a concessão da inativação venham a ser preenchidos
posteriormente, visto que não se aplica retroativamente lei nova que venha a estabelecer
restrições em relação ao tempo de serviço. 8. Contudo, esta Corte no julgamento do REsp.
1.310.034/PR, de relatoria do eminente Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado sob o rito dos
Recursos Representativos da Controvérsia, consolidou a orientação de que não é possível a
conversão do tempo de atividade comum em tempo especial para atividades anteriores à
vigência da Lei 9.032/1995, quando o requerimento é realizado apenas após este marco legal.
9. Recurso Especial do INSS parcialmente provido para reconhecer a impossibilidade de
conversão do tempo comum em especial, no caso de preenchimento dos requisitos da
aposentadoria especial após 25.4.1995." (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1500503
2014.03.11724-6, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJe
11/04/2018)
Por outro giro, no tocante ao lapso de 1º/10/1993 a 22/12/1994,inexistem elementos que
permitam asseverar o enquadramento vindicado na ocupação de "motorista", porquanto
desconhecidoo tipo de veículo conduzido à caracterização da natureza penosa da função.
Nessas circunstâncias, é inviável o reconhecimento do trabalho desenvolvido pela parte autora
como motorista durante esse lapso, por não se enquadrar aos termos dos anexos aos Decretos
n. 53.831/1964 ou 83.080/1979, os quais contemplam penosidade na condução unicamente de
caminhões de carga ou ônibus de passageiros.
Nessa esteira (g. n.):
"AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - MOTORISTA DE
VEÍCULO DE MÉDIO PORTE - ATIVIDADE ESPECIAL NÃO RECONHECIDA NO PERÍODO
DE 01.02.1989 A 02.02.1995. TEMPO COMPROVADO INSUFICIENTE PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO.
I. O autor era motorista, dirigindo veículos de médio porte, atividade não contemplada pelo
Decreto 53.831/64 nem tampouco pelo Decreto 83.080/79, que reconhecem como especiais,
em seus códigos 2.4.4 e 2.4.2, respectivamente, as atividades realizadas por motoristas de
Ônibus e de Caminhões de Carga, o que não é o caso dos autos.
II. Não é possível reconhecer o exercício de atividade especial pelo autor, no período de
01.02.1989 a 02.02.1995.
III. Somados o tempo rural de 31.12.1965 a 31.08.1970, os períodos especiais de 13.08.1980 a
30.03.1983 e de 07.10.1986 a 28.11.1988 e o tempo comum anotado em CTPS, totaliza o autor
28 (vinte e oito) anos, 7 (sete) meses e 12 (doze) dias de trabalho, tempo insuficiente para a
concessão da aposentadoria por tempo de serviço.
IV. Agravo regimental provido. Decisão monocrática e sentença reformadas."
(TRF 3ª R, AC 2000.03.99.069410-9/SP, 9ª Turma, Relatora Juiz Convocado Hong Kou Hen,
Julgado em 18/8/2008, DJF3 17/9/2008)
Em relação aos interregnos de29/4/1995 a 3/9/2001, de 1º/10/2001 a 21/3/2002, de 15/2/2005 a
4/4/2005, de 22/3/2013 a 22/5/2013, de 17/10/2013 a 20/2/2015 e de 2/5/2017 a 28/11/2018,
não existe comprovação de possível prejudicialidade da ocupação de motorista carreteiro, de
sorte que devem ser computados como tempo comum.
Com relação ao período de 17/12/2011 a 17/8/2012, constata-se a presença de PPP indicador
de exposição a ruído abaixo dos limites aceitáveis, durante contrato de emprego com Clamark
Transportes e Serviços, de modo que deve ser contado como tempo normal.
Por fim, no tocante ao lapso de 25/4/2005 a 1º/10/2011, o demandante trouxe à colação CTPS
para a atividade de motorista carreteiro, bem como laudo pericial produzido no bojo de
reclamatória trabalhista, cuja conclusão foi categoria no sentido de que: "as atividades
realizadas pelo Reclamante não são consideradas periculosas uma vez que, segundo o Artigo
193 do Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho, são consideradas
atividades e operações perigosas, na forma da Regulamentação aprovada pelo Ministério do
Trabalho, aquelas que por sua natureza ou método de trabalho, impliquem o contato
permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de RISCO ACENTUADO. Cabe
ressaltar que a atividade de abastecimento do tanque do caminhão era realizada de forma
eventual e em tempo extremamente reduzido".
Nesse diapasão, havendo a própria Justiça obreira asseverado o não caráter nocente da
profissão, é descabida a contagem diferenciada.
Em suma, à míngua de cumprimento dos ônus probatórios (art. 373 do CPC), eventual
determinação para produção de perícia indireta revelar-se-ia imprestável, de modo que deixo de
acolher o inconformismo recursal.
De todo modo, prospera em parte o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades
suprarreferidas, cuja soma dos lapsos aos demais incontroversos não perfaz o autor o tempo
necessário tanto para a aposentadoria especial quanto para a aposentadoria por tempo de
contribuição, cabendo apenas sua averbação visando futura aposentadoria.
Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre o valor da causa atualizado. Em relação à parte autora, porém, fica
suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-
se de beneficiária da justiça gratuita.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à
legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar, nego provimento ao apelo do INSS e dou parcial
provimento à apelação do autor para, nos termos da fundamentação,determinar o
enquadramento, como atividade especial, do período de2/5/2017 a 28/11/2018.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADO. POLICIAL MILITAR. REGIME
PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. ILEGITIMIDADE DE PARTE DO INSS. ENQUADRAMENTO DE
ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA DE CAMINHÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
SUCUMBÊNCIA.
- Nos termos do art.373, I, do CPC, é da parte autora o ônus de comprovar a veracidade dos
fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova suficiente e segura, competindo ao
juizdecidir a lide conforme seu livre convencimento,fundado em fatos, provas, jurisprudência,
aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao caso.Cerceamento de defesa
não visualizado.
- A pretensão de reconhecimento da especialidade do período em que trabalhou como Policial
Militar do Estado de São Paulo encontra óbice na própria legislação previdenciária, a qual não
admite a conversão da atividade especial em comum, consoante artigo 125, § 1º, do Decreto n.
3.048/1999.
- Desponta a ilegitimidade passiva do INSS no tocante ao reconhecimento da especialidade
durante trabalho sob normas de Regime Próprio de Previdência. Precedente.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Depreende-se da anotação em CTPS, o exercício das funções de motorista de caminhão, fato
que viabiliza o enquadramento pela categoria profissional até 28/4/1995, nos termos dos
códigos 2.4.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.4.2 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979.
Precedente.
- Presença de PPP confirmando a periculosidade no transporte de combustíveis, durante
contrato para o cargo de "motorista bitrem", o que denota a potencialidade lesiva por força do
risco de explosão. Precedente.
- Em relação aos interregnos remanescentes, não existe comprovação de possível
prejudicialidade da ocupação de motorista carreteiro, de sorte que devem ser computados como
tempo comum.
- À míngua de cumprimento dos ônus probatórios (art. 373 do CPC), eventual determinação
para produção de perícia indireta revelar-se-ia imprestável.
- A parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria.
- Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre o valor da causa atualizado. Em relação à parte autora, porém, fica
suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-
se de beneficiária da justiça gratuita.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar, negar provimento à apelação do INSS e dar
parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
