Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5001129-88.2019.4.03.6136
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA DE CAMINHÃO. RUÍDO ACIMA
DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. PERICULOSIDADE. PPP. REQUISITOS PREENCHIDOS.
CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
- Não se cogita de cerceamento de defesa. Cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do
CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de
prova suficiente e segura.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- A parte autora deixou de carrear formulário patronal apto a certificar a prejudicialidade do ofício
de motorista de caminhão, senão apenas parecer firmado por técnico de segurança do trabalho,
desprovido de validade, de modo que deve ser contado como tempo normal.
- A parte autora logrou demonstrar,via Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, exposição a
agentes químicos deletérios ao organismo para a ocupação das funções de "motorista de
caminhão tanque", o que denota a potencialidade lesiva por força do risco de explosão (código
1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, código 1.2.10 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979,
código 1.0.19 do anexo ao Decreto n. 3.048/1999 e NR-16 – anexo 2 – Atividades e Operações
Perigosas com Inflamáveis). Precedente.
- A parte autora logrou comprovar, via PPP, o exercício das funções como "motorista de
caminhão"na exploração agropastoril, com exposição habitual a níveis de ruído acima dos limites
toleráveis, situação que se subsume aos itens 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1
do anexo ao Decreto n. 3.048/1999.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35anos na DER, com incidência do fator previdenciário.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5%
(cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a data deste acórdão, consoante Súmula n.
111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC. Em relação à parte autora,
porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual,
por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001129-88.2019.4.03.6136
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: RIVELINO PINHEIRO
Advogado do(a) APELANTE: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001129-88.2019.4.03.6136
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
enquadramento de atividade especial,com vistas à concessão de aposentadoria especial ou
aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença acolheu em parte o pedido para reconhecer os lapsos especiais de 1º/5/1989 a
18/8/1992 e de 3/11/1992 a 9/8/1993. Fixou, ademais, a sucumbência recíproca.
Inconformada, a parte autora apresentou recurso. Suscitou, inicialmente, cerceamento de
defesa. Na questão de fundo,exorou a procedência dos lapsos insalutíferos veiculados na
exordial, o que lhe garante o direito à prestação em foco na DER, senão mediante sua
reafirmação.
A autarquia não manifestou interesse em recorrer.
Os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001129-88.2019.4.03.6136
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: RIVELINO PINHEIRO
Advogado do(a) APELANTE: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
De início, não visualizo o alegado cerceamento de defesaa ponto de se anular a decisão
singular.
Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar
a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura.
Nesse passo, a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos
vindicados, deve a parte suplicante carrear documentos aptos certificadores das condições
insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e permanência, como formulários
padrão e laudos técnicos individualizados, cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada,
o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Com efeito, compete ao juiz a condução do processo, cabendo-lhe apreciar a questão de
acordo com o que está sendo debatido. Dessa forma, o juiz não está obrigado a decidir a lide
conforme pleiteado pelas partes, mas, sim, conforme seu livre convencimento, fundado em
fatos, provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao
caso.
Se não houver dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas
atividades laborativas, despicienda revela-se a produção de prova pericial para o julgamento da
causa e, por consequência, não estará configurado cerceamento de defesa ou violação de
ordem constitucional ou legal.
Passo à apreciação as questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Min.HERMAN BENJAMIN, 2T, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar
completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do
EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao PPP, instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base
em laudo técnico elaborado pelo empregador,retrata as características do trabalho do segurado
e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de
trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
A parte autora reivindica o reconhecimento da natureza insalutífera dos períodos de 10/12/1984
a 30/4/1989, de 29/4/1995 a 26/3/2007, de 23/4/2007 a 10/3/2008, de 1º/7/2008 a 9/12/2009, de
1º/3/2010 a 30/11/2010 e de 1º/2/2011 a 30/11/2018.
Em relação ao vínculo de 10/12/1984 a 30/4/1989, não cabe o enquadramento reclamado,
porquanto o perfil profissiográfico coligido para "trabalhador rural serviços gerais" não aponta
fatores de risco e descreve as atividades do suplicante como: "exerceu à céu aberto, atividades
de serviços manuais (serviços gerais) aplicados principalmente na cultura de citros (laranjas),
cereais (milho, soja) entre as quais destacamos: capinação manual, serviços de poda e limpeza
de pés de laranjas, plantio de mudas de laranjas, aguação de mudas de laranjas, adubação".
Do mesmo modo, no tocante ao intervalo de 29/4/1995 a 26/3/2007 como "motorista de
caminhão canavieiro". A parte autora deixou de carrear formulário patronal apto a certificar a
prejudicialidade do ofício, senão apenas um parecer firmado por técnico de segurança do
trabalho, desprovido de validade, de modo que deve ser contado como tempo normal.
Em relação ao período de 23/4/2007 a 10/3/2008, a parte autora logrou demonstrar,via Perfil
Profissiográfico Previdenciário – PPP, exposição a agentes químicos deletérios ao organismo,
durante contrato celebrado com JOMAR OIL LTDA. para a ocupação das funções de "motorista
de caminhão tanque", o que denota a potencialidade lesiva por força do risco de explosão
(código 1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, código 1.2.10 do anexo ao Decreto n.
83.080/1979, código 1.0.19 do anexo ao Decreto n. 3.048/1999 e NR-16 – anexo 2 – Atividades
e Operações Perigosas com Inflamáveis).
Com relação especificamente à questão da periculosidade, o STJ, ao apreciar o Recurso
Especial n. 1.306.113, sob o regime do artigo 543-C do CPC/73, reconheceu a controvérsia da
matéria e concluiu pela possibilidade do reconhecimento, como especial, do tempo de serviço
no qual o segurado ficou exposto, de modo habitual e permanente, a tensões elétricas
superiores a 250 volts, também, no período posterior a 5/3/1997, desde que amparado em
laudo pericial, por ser meramente exemplificativo o rol de agentes nocivos constante do Decreto
n. 2.172/97.
No mesmo sentido posicionou-se a Corte Superior ao analisar questão análoga a versada
nestes autos (g. n.):
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A
AGENTES NOCIVOS. EFICÁCIA E USO DO EPI NÃO COMPROVADOS. ARTS. 57 E 58 DA
LEI 8.213/1991. PERICULOSIDADE. TRANSPORTE DE SUBSTÂNCIAS INFLAMÁVEIS. ROL
DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO. AGENTES
PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS. ATIVIDADE EXPOSTA AO RISCO DE EXPLOSÃO
RECONHECIDA COMO ESPECIAL AINDA QUE EXERCIDA APÓS A EDIÇÃO DO DECRETO
2.172/1997. REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO. EXPOSIÇÃO HABITUAL, NÃO
OCASIONAL NEM INTERMITENTE RECONHECIDOS PELA CORTE DE ORIGEM.
INVIABILIDADE DE CONVERSÃO DE TEMPO COMUM EM ESPECIAL QUANDO O
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO OCORRER NA VIGÊNCIA DA LEI 9.032/95. RESP.
1.310.034/PR REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. RESSALVA DO PONTO DE VISTA
DO RELATOR. RECURSO ESPECIAL DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não se
desconhece que a periculosidade não está expressamente prevista nos Decretos 2.172/1997 e
3.048/1999, o que à primeira vista, levaria ao entendimento de que está excluída da legislação
a aposentadoria especial pela via da periculosidade. Contudo, o art. 57 da Lei 8.213/1991
assegura expressamente o direito à aposentadoria especial ao Segurado que exerça sua
atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, nos
termos dos arts. 201, § 1o. e 202, II da Constituição Federal. 2. Assim, o fato de os decretos
não mais contemplarem os agentes perigosos não significa que não seja mais possível o
reconhecimento da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico,
hierarquicamente superior, traz a garantia de proteção à integridade física do trabalhador. 3.
Corroborando tal assertiva, a Primeira Seção desta Corte, no julgamento do 1.306.113/SC, fixou
a orientação de que a despeito da supressão do agente eletricidade pelo Decreto 2.172/1997, é
possível o reconhecimento da especialidade da atividade submetida a tal agente perigoso,
desde que comprovada a exposição do trabalhador de forma habitual, não ocasional, nem
intermitente. 4. Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a possibilidade de
caracterização da atividade exposta a riscos de explosão, desde que comprovada a exposição
do trabalhador à atividade nociva, de forma habitual, não ocasional, nem intermitente. 5. No
caso dos autos, as instâncias ordinárias, soberanas na análise fático-probatória dos autos,
concluíram que as provas carreadas aos autos, especialmente o PPP, comprovam a habitual
exposição à atividade nociva, o que garante o reconhecimento da atividade especial. 6. O
acórdão recorrido está alinhado com a orientação jurisprudencial desta Corte que afirma que o
uso de EPI não afasta, por si só, o reconhecimento da atividade como especial, devendo ser
apreciado caso a caso, a fim de comprovar sua real efetividade por meio de perícia técnica
especializada e desde que devidamente demonstrado o uso permanente pelo empregado
durante a jornada de trabalho. Firme nessa premissa, a Corte de origem é categórica ao afirmar
que não há nos autos provas nem do uso do EPI pelo Segurado, nem da real eficácia do
equipamento entregue ao trabalhador, não reconhecendo elementos que justifiquem a
descaracterização da atividade como especial. 7. Entendo que a Lei 9.032/1995, ao vedar a
possibilidade de conversão de tempo de serviço comum em especial para fins de concessão do
benefício de aposentadoria especial, não atinge os períodos anteriores à sua vigência, mesmo
nas hipóteses em que os requisitos para a concessão da inativação venham a ser preenchidos
posteriormente, visto que não se aplica retroativamente lei nova que venha a estabelecer
restrições em relação ao tempo de serviço. 8. Contudo, esta Corte no julgamento do REsp.
1.310.034/PR, de relatoria do eminente Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado sob o rito dos
Recursos Representativos da Controvérsia, consolidou a orientação de que não é possível a
conversão do tempo de atividade comum em tempo especial para atividades anteriores à
vigência da Lei 9.032/1995, quando o requerimento é realizado apenas após este marco legal.
9. Recurso Especial do INSS parcialmente provido para reconhecer a impossibilidade de
conversão do tempo comum em especial, no caso de preenchimento dos requisitos da
aposentadoria especial após 25.4.1995." (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1500503
2014.03.11724-6, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJe
11/04/2018)
No tocante aos intervalos de 1º/3/2010 a 30/11/2010 e de 1º/2/2011 a 20/9/2018 (data do PPP),
a parte autora logrou comprovarà saciedade, via PPP, o exercício das funções como "motorista
de caminhão"na exploração agropastoril junto à empresa COMPANHIA AGRÍCOLA
COLOMBO, com exposição habitual a níveis de ruído acima dos limites toleráveis, situação que
se subsume aos itens 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1 do anexo ao Decreto n.
3.048/1999.
No mais, eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período,
uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado
por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível -
2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Des. Fed. Inês Virgínia, 7T, e-DJF3 Judicial 1 Data:
7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Des. Fed. Baptista
Pereira, 10T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Por fim, o interregno de 1º/7/2008 a 9/12/2009, na condição de "motorista de coleta de resíduos
não perigosos", consoante CTPS, deve ser contado como tempo comum, à míngua de
demonstração da natureza especial da atividade por meio de formulários patronais.
Destarte, os interstícios supracitados devem ser reconhecidos como especiais, convertidos em
comum (fator de conversão de 1,4) e somados aos lapsos incontroversos.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para
obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia,
a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres),
além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para
completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de "pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/1991.
Ademais, somados os períodos enquadrados (devidamente convertidos) ao montante
incontroverso apurado administrativamente, a parte autora reúne mais de 35 anos de serviço no
requerimento administrativo, motivo pelo qual é devido o benefício reclamado.
Nesse panorama, em 30/11/2018(DER) o autor fazia jus à aposentadoria integral por tempo de
contribuição (CF/1988, art. 201, § 7º, I, com redação dada pela EC n. 20/1998), mediante
cálculo do benefício realizado de acordo com a Lei n. 9.876/1999, com incidência do fator
previdenciário, uma vez que a pontuação total resultainferior a 95 pontos (Lei n. 8.213/1991, art.
29-C, I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Saliente-se que mesmo estendendo o período de labor até os dias atuais, a parte não atinge a
pontuação necessária a lhe garantir o benefício sem incidência do fator previdenciário.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os
cálculos na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE
n. 870.947).
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à
razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009,
a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações
introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão
Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a
tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a data deste acórdão, consoante
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC. Em relação à
parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo
diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto, rejeito a matéria preambular e dou parcial provimentoà apelação do autor
para, nos termos da fundamentação: (i) determinar o enquadramento, como de natureza
especial, dos períodos de 23/4/2007 a 10/3/2008, de 1º/3/2010 a 30/11/2010 e de 1º/2/2011 a
20/9/2018; (ii) determinar a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde a
DER 30/11/2018; (iii) discriminar os consectários.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA DE CAMINHÃO. RUÍDO ACIMA
DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. PERICULOSIDADE. PPP. REQUISITOS PREENCHIDOS.
CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
- Não se cogita de cerceamento de defesa. Cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do
CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio
de prova suficiente e segura.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- A parte autora deixou de carrear formulário patronal apto a certificar a prejudicialidade do
ofício de motorista de caminhão, senão apenas parecer firmado por técnico de segurança do
trabalho, desprovido de validade, de modo que deve ser contado como tempo normal.
- A parte autora logrou demonstrar,via Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, exposição a
agentes químicos deletérios ao organismo para a ocupação das funções de "motorista de
caminhão tanque", o que denota a potencialidade lesiva por força do risco de explosão (código
1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, código 1.2.10 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979,
código 1.0.19 do anexo ao Decreto n. 3.048/1999 e NR-16 – anexo 2 – Atividades e Operações
Perigosas com Inflamáveis). Precedente.
- A parte autora logrou comprovar, via PPP, o exercício das funções como "motorista de
caminhão"na exploração agropastoril, com exposição habitual a níveis de ruído acima dos
limites toleráveis, situação que se subsume aos itens 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964
e 2.0.1 do anexo ao Decreto n. 3.048/1999.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35anos na DER, com incidência do fator previdenciário.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a data deste acórdão, consoante
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC. Em relação à
parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo
diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e dar parcial provimento à apelação da parte
autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
