Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5008161-64.2020.4.03.6119
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
EXPOSIÇÃO À RUÍDO. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO. IRRELEVÂNCIA. VIGILANTE.
PERICULOSIDADE. SÍLICA LIVRE. ENQUADRAMENTO. PPP. REQUISITO TEMPORAL
PREENCHIDO NA DER. CUSTAS.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Presença de PPP atestando exposição, habitual e permanente, a níveis de ruído superiores aos
limites de tolerância para a época estabelecidos na norma regulamentadora, o que autoriza o
devido enquadramento no código 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
- Eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez
constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de
PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Comprovado que o demandante exerceu a profissão perigosa de vigilante, consoante CTPS e
PPP, fato que autoriza o enquadramento nos termos do código 2.5.7 do anexo ao Decreto n.
53.831/1964.
- Comprovado que o demandante atuou com exposição ao agente sílica livre, o que se afigura
viável à luz do 1.2.10 do Decreto n. 53.831/1964.
- Questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP não
devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do
princípio da automaticidade.
- O cômputo de tempo de aviso prévio indenizado, trata-se de tempo ficto, no qual não houve
efetiva prestação laboral ou recolhimento de contribuições e, portanto, não pode ser computado
na aposentadoria como tempo de contribuição. Precedentes.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos até a DER.
- Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do
pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da
sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5008161-64.2020.4.03.6119
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: FRANCISCO JOSE DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: DANIELA BATISTA PEZZUOL - SP257613-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, FRANCISCO JOSE DOS
SANTOS
Advogado do(a) APELADO: DANIELA BATISTA PEZZUOL - SP257613-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
enquadramento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição.
A sentença, integralizada via embargos declaratórios, julgou procedente em parte o pedido para
declarar a natureza especial dos períodos de 14/8/1989 a 5/6/1991, de 3/7/1991 a 8/10/1991,
de 6/11/1991 a 1º/7/1993, de 29/1/1997 a 16/3/1998, de 14/4/1998 a 16/1/1999, de 2/2/1999 a
5/2/2002, de 1º/6/2002 a 19/6/2006, de 18/12/2006 a 1º/8/2008, de 3/12/2009 a 28/11/2017 e de
22/3/2018 a 23/4/2018 e determinar a concessão do benefício desde a citação. Fixou os
consectários, a sucumbência e antecipou a tutela jurídica.
A parte autora recorreu, reivindicando a inclusão dos períodos de aviso prévio indenizado de
4/11/2016 a 13/11/2016 e de 29/11/2017 a 28/12/2017, o reconhecimento da natureza
insalutífera do lapso de 2/1/1987 a 16/8/1987 e a concessão do benefício em foco da DER
28/9/2018.
Inconformada, a parte ré recorreu, pugnando pela improcedência do pedido, à míngua de
comprovação do labor com exposição a agentes nocentes. Por cautela, pugnou por ajustes nos
consectários e isenção das custas. Prequestionou, no mais, a matéria.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
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Advogado do(a) APELANTE: DANIELA BATISTA PEZZUOL - SP257613-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, FRANCISCO JOSE DOS
SANTOS
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016,
DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar
completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do
EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao PPP, instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base
em laudo técnico elaborado pelo empregador,retrata as características do trabalho do segurado
e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de
trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No tocante aos interregnos reconhecidos de 14/8/1989 a 5/6/1991, de 3/7/1991 a 8/10/1991, de
6/11/1991 a 1º/7/1993, a parte autora logrou demonstrar, via PPP regular, exposição, habitual e
permanente, a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância para a época estabelecidos
na norma regulamentadora, o que autoriza o devido enquadramento no código 1.1.6 do anexo
ao Decreto n. 53.831/1964.
Da análise dos respectivos documentos, constata-se que a parte autora esteve
permanentemente sujeita a ruído acima aos limites de tolerância previstos na norma em
comento. Ademais, a avaliação por dosimetria é obtida através da composição das várias
atividades desenvolvidas pelo trabalhador durante a jornada laboral, de modo que resta
demonstrada a habitualidade e permanência.
No mais, eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período,
uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado
por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível -
2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Des. Fed. Inês Virgínia, 7T, e-DJF3 Judicial 1 Data:
7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Des. Fed. Baptista
Pereira, 10T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Cumpre referendar, ainda, a contagem diferenciada dos intervalos de 29/1/1997 a 16/3/1998, de
14/4/1998 a 16/1/1999, de 2/2/1999 a 5/2/2002, de 1º/6/2002 a 19/6/2006, de 18/12/2006 a
1º/8/2008, de 3/12/2009 a 28/11/2017 e de 22/3/2018 a 23/4/2018, diante da presença de Perfil
Profissiográfico Previdenciário válido, apoiado em CTPS, indicando a profissão perigosa do
autor de "vigilante", responsável pela segurança patrimonial e da vida humana, restando
configurada, assim, a existência de risco à sua integridade física (periculosidade), inerente às
suas funções - código 2.5.7 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
Ademais, no que tange à possibilidade de enquadramento em razão da periculosidade, o STJ,
ao apreciar Recurso Especial n. 1.306.113, reconheceu a controvérsia da matéria e concluiu
positivamente pelo reconhecimento, como insalutífero, do tempo de serviço no qual o segurado
ficou sujeito à periculosidade em período posterior a 5/3/1997, por ser meramente
exemplificativo o rol de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172/1997 (STJ, REsp n.
1.306.113/SC, Rel. Herman Benjamin, Primeira Seção, J: 14/11/2012, DJe: 7/3/2013).
Por oportuno, cumpre invocar conclusão do julgamento do Tema 1031, publicado no DJe de
2/3/2021, por meio do qual o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento sobre a
possibilidade de reconhecimento do tempo de serviço especial para a atividade de vigilante,
exercida após a edição da Lei n. 9.032/1995 e do Decreto n. 2.172/1997, com ou sem o uso de
arma de fogo, mediante fixação da seguinte tese:
“É admissível o reconhecimento da atividade especial de vigilante, com ou sem arma de fogo,
em data posterior à edição da Lei 9.032/95 e do Decreto 2.172/97, desde que haja
comprovação da efetiva nocividade da atividade por qualquer meio de prova até 05.03.1997 e,
após essa data, mediante apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente,
para comprovar a permanente, não ocasional, nem intermitente, exposição a agente nocivo que
coloque em risco a integridade física do segurado”.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas na profissiografia, conclui-se que, na
hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
A parte autora busca neste recurso o reconhecimento do caráter especial das funções como
"auxiliar de laboratório", com exposição ao agente sílica livre, durante contrato laboral mantido
com Falcão Bauer Ltda., de 2/1/1987 a 16/8/1987, o que se afigura viável à luz do 1.2.10 do
Decreto n. 53.831/1964.
No mais, questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na
GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à
vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste
enforque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista
caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas
pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES.
FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Em suma, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades
suprarreferidas, cujos lapsos devem ser somados aos demais períodos incontroversos.
Do período de aviso prévio indenizadocomo tempo de contribuição
No caso vertente, a parte autora pretende computar o período deaviso prévio indenizado
concedido pelos empregadores "Albatroz Segurança Ltda." (de 4/11/2016 a 13/11/2016) e
"Embrase Ltda." (de 29/11/2017 a 28/12/2017)como tempo de contribuição.
Consoante emerge da CTPS coligida pelo autor (id 178856135- p. 33/34), consta a anotação de
que "conforme IN n. 15 do MTe, a data projetada do aviso prévio é 13/11/2016 e o último dia
efetivamente de labor foi 3/10/2016" e "28/11/2017", respectivamente.
Quantoa esse aspecto(cômputo de tempo de aviso prévio indenizado), melhor ponderando
sobre a questão, trata-se, de fato, de tempo ficto, no qual não houve efetiva prestação laboral
ou recolhimento de contribuições e, portanto, não pode ser computado na aposentadoria como
tempo de contribuição.
Com efeito, esse tipo de aviso prévio, como designa aprópria denominação,não sedestinaa
retribuir trabalho algum, senão a indenizar o empregado pelo encerramento da prestação
laborativa, de modo que não pode ser computado o período correspondente como tempo de
contribuição. Aliás, sobre verbas qualificadas como indenizatórias sequer incide a contribuição
previdenciária, consoante os termos do artigo 28, § 9º, da Lei n. 8.212/1991.
Ademais, segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,não incide contribuição
previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias e aviso prévio indenizado (REsp n.
1.230.957/RS, sob o rito do 543-C do CPC/1973):
"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AVISO PRÉVIO INDENIZADO.
NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO-INCIDÊNCIA.
1. Os valores pagos ao empregado a título de aviso prévio indenizado não se sujeitam à
incidência da Contribuição Previdenciária, levando-se em conta seu caráter indenizatório.
2. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp 1205593/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 23/11/2010, DJe 04/02/2011)
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. NÃO
INCIDÊNCIA, POR SE TRATAR DE VERBA QUE NÃO SE DESTINA A RETRIBUIR
TRABALHO, MAS A INDENIZAR. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
(REsp 1.221.665/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 08/02/2011, DJe
23/02/2011) (g. n.)
No mesmo sentido, oartigo6º, V, da Lei n. 7.713/1988 determina expressamente a isenção do
imposto de renda sobre o aviso prévio indenizado.
Noutro passo, o aviso prévio indenizado, previsto no artigo 487, § 1º, da CLT, garante a
integração desse período ao tempo de serviço para fins trabalhistas.
Diferenteé o aviso prévio stricto sensu, previsto no artigo 6º, XXI, da Constituição Federal. Este
sim deve ser computado como tempo de serviço para fins previdenciários.
Logo, o fato de o aviso prévio indenizado gerar efeitos trabalhistas não implica aquisição de
direitos previdenciários correspondentes, inclusive porque, como dito acima, sobre tal verba não
incide contribuição previdenciária nem imposto de renda.
Dessa forma, o aviso prévio indenizado não pode ser computado como tempo de serviço para
fins previdenciários, pois, em razão de sua natureza indenizatória, sobre ele não incide
contribuição previdenciária (Tema n. 478/STJ), além de ser vedado o cômputo de "tempo
fictício", nos termos do artigo 4° da Emenda Constitucional n.20/1998 c/c o artigo 40, § 10, da
Constitucional Federal de 1988.
Nesse sentido: TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001177-
48.2017.4.03.6126, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado
em 24/2/2021, Intimação via sistema DATA: 5/3/2021; TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv -
APELAÇÃO CÍVEL - 0021852-20.2016.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal PAULO
SERGIO DOMINGUES, julgado em 18/12/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/1/2021.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para
obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia,
a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres),
além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para
completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de "pedágio".
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142
da Lei n. 8.213/1991.
Ademais, não obstante o afastamento de parte dos períodos, patente o quesito temporal, uma
vez que a soma de todos os períodos de trabalho, até o requerimento administrativo, confere à
parte autora mais de 35 anos de profissão, tempo suficiente à concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988).
O termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado no requerimento administrativo
(28/9/2018), porquanto os elementos apresentados naquele momento já permitiam o cômputo
dos períodos reconhecidos nestes autos.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à
legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, dou parcial provimento aos recursos das partes para, nos termos da
fundamentação: (i) determinar o enquadramento, como atividade especial sob o fator 1,40, do
período de2/1/1987 a 16/8/1987; (ii) fixar a data de concessão do benefício no requerimento
administrativo(28/9/2018); (iii) discriminar a isenção das custas em relação ao INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
EXPOSIÇÃO À RUÍDO. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO. IRRELEVÂNCIA. VIGILANTE.
PERICULOSIDADE. SÍLICA LIVRE. ENQUADRAMENTO. PPP. REQUISITO TEMPORAL
PREENCHIDO NA DER. CUSTAS.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Presença de PPP atestando exposição, habitual e permanente, a níveis de ruído superiores
aos limites de tolerância para a época estabelecidos na norma regulamentadora, o que autoriza
o devido enquadramento no código 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
- Eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma
vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por
meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Comprovado que o demandante exerceu a profissão perigosa de vigilante, consoante CTPS e
PPP, fato que autoriza o enquadramento nos termos do código 2.5.7 do anexo ao Decreto n.
53.831/1964.
- Comprovado que o demandante atuou com exposição ao agente sílica livre, o que se afigura
viável à luz do 1.2.10 do Decreto n. 53.831/1964.
- Questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP
não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do
princípio da automaticidade.
- O cômputo de tempo de aviso prévio indenizado, trata-se de tempo ficto, no qual não houve
efetiva prestação laboral ou recolhimento de contribuições e, portanto, não pode ser computado
na aposentadoria como tempo de contribuição. Precedentes.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos até a DER.
- Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento aos apelos das partes, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA