Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5197703-04.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
23/07/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/07/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO
PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE PROFISSIONAL LEGALMENTE HABILITADO.
IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. PEDIDO IMPROCEDENTE.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Inviável o enquadramento requerido, à míngua do necessário laudo técnico subscrito por
profissional legalmente habilitado, isto é, engenheiro ou médico de segurança do trabalho, que
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
corrobore o conteúdo do formulário padronizado (PPP) indicador da exposição a "ruído" e “calor” -
formalidade legal que se impõe quando se trata destes elementos nocivos,em qualquer época de
prestação do serviço. Precedentes do STJ.
- A parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- Condena-se a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade,
na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça
gratuita.
- Apelação autárquica provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5197703-04.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ORLANDO MERLIN
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA APARECIDA ERCOLI BIANCHINI - SP358245-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5197703-04.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ORLANDO MERLIN
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA APARECIDA ERCOLI BIANCHINI - SP358245-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão de aposentadoria por
tempo de contribuição.
A sentença julgou procedente o pedido para enquadrar como atividade especial o intervalo de
1º/8/1990 a 15/2/2000 e determinar a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição desde a data do requerimento administrativo, fixados os consectários.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual alega, em síntese, a impossibilidade do
enquadramento efetuado e da concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5197703-04.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ORLANDO MERLIN
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA APARECIDA ERCOLI BIANCHINI - SP358245-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art.70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt
no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e n. 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento
da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu
nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Nesse sentido, o STJ, ao julgar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do
CPC, consolidou o entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que
reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo
de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais
do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído
acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado
pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade
sob condições especiais.
Neste caso, contudo, em relação ao período de 1º/8/1990 a 15/2/2000, não prospera a pretensão
autoral.
Independentemente de o PPP ter sido assinado pelo representante legal da empresa ou seu
preposto, na hipótese dos autos, referido documento não constitui meio válido à comprovação
pretendida na medida em que não consta profissional legalmente habilitado na aferição dos
registros ambientais, estando, desse modo, em desacordo com as disposições legais.
Com efeito, inviável o enquadramento requerido, à míngua do necessário laudo técnico (LTCAT)
subscrito por profissional legalmente habilitado, isto é, engenheiro ou médico de segurança do
trabalho, que corrobore o conteúdo do formulário padronizado (PPP) indicador da exposição a
"ruído" e “calor” - formalidade legal que se impõe quando se trata destes elementos nocivos, em
qualquer época de prestação do serviço.
Nesse sentido: STJ, AIEDARESP - AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 778451 2015.02.29458-4, NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA: 18/11/2019; RESP - RECURSO ESPECIAL -
1806883 2019.00.54622-3, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:
14/6/2019.
Assim, conclui-se não ter sido juntado documento hábil para demonstrar a pretendida
especialidade ou o alegado trabalho nos moldes previstos nesses instrumentos normativos.
Nessas circunstâncias, não se fazem presentes os requisitos dos artigos 52 da Lei n. 8.213/1991
e 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.
20/1998.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por
tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma
à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, dou provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação,
julgar improcedentes os pedidos de enquadramento da atividade especial e de concessão de
aposentadoria por tempo de contribuição.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO
PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE PROFISSIONAL LEGALMENTE HABILITADO.
IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. PEDIDO IMPROCEDENTE.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Inviável o enquadramento requerido, à míngua do necessário laudo técnico subscrito por
profissional legalmente habilitado, isto é, engenheiro ou médico de segurança do trabalho, que
corrobore o conteúdo do formulário padronizado (PPP) indicador da exposição a "ruído" e “calor” -
formalidade legal que se impõe quando se trata destes elementos nocivos,em qualquer época de
prestação do serviço. Precedentes do STJ.
- A parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- Condena-se a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade,
na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça
gratuita.
- Apelação autárquica provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
