Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6074102-75.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/04/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 30/04/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO
PARCIALMENTE SUFICIENTE. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES
BIOLÓGICOS. NÃO DEMONSTRADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA.
- A ausência da prova pericial deu-se em razão de desídia da parte autora, que não requereu a
produção dessa prova na ocasião oportuna, restando, pois, preclusa sua realização.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
Precedentes.
- O possível mourejo rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou na qualidade de produtor rural
em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da legislação previdenciária em
comento (31/10/1991), tem sua aplicação restrita aos casos previstos no inciso I do artigo 39 e no
artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla a averbação de tempo de serviço
rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. Precedentes do
STJ.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar parte do labor rural pleiteado.
- Não demonstrada a especialidade alegada.
- Não atendido o requisito temporal para a concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição.
- Constatada a ocorrência de sucumbência recíproca, condena-se as partes a pagar honorários
ao advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da
causa, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC. Suspensa, porém, a exigibilidade,
na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça
gratuita.
- Preliminar afastada.
- Apelação parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6074102-75.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ODINEI SOLDAN
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA FERREIRA DE SOUZA PORTUGAL - SP396033-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6074102-75.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ODINEI SOLDAN
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: trata-se de ação de conhecimento
proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço
rural e o enquadramento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por
tempo de contribuição.
A r. sentença julgou improcedente o pedido.
Inconformada, a parte autora apresenta apelação na qual alega o cerceamento de defesa e
requer a procedência de seus pleitos.
Sem as contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6074102-75.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ODINEI SOLDAN
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA FERREIRA DE SOUZA PORTUGAL - SP396033-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: o recurso atende aos pressupostos de
admissibilidade e merece ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Inicialmente, não há que se falar em cerceamento ao direito de produção de provas, pois a parte
autora foi regularmente intimada do despacho de f. 141, por meio do qual o Juízo a quo
oportunizou às partes a indicação das provas a serem produzidas, sob pena de preclusão.
Em resposta a parte autora protestou apenas pela produção de prova testemunhal, a qual foi
deferida (f. 143).
Ora, a ausência da prova pericial deu-se em razão de desídia da parte autora, que não requereu
a produção dessa prova na ocasião oportuna, restando, pois, preclusa sua realização, ainda que
a parte tenha a requerido posteriormente (após a audiência de instrução e julgamento).
Nesse diapasão, há inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a
omissão da parte, na fase de especificação de provas, gera preclusão e com isso a ausência de
cerceamento de defesa:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS.
ACIDENTE DE VEÍCULO. AUSÊNCIA DE PROVA DE CONDUTA CULPOSA DO REQUERIDO.
CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. PARTE QUE EXPRESSAMENTE
DISPENSA MAIOR DILAÇÃO PROBATÓRIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO
COMPROVADO DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1.
Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2
aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento
no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os
requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. Esta Corte já firmou entendimento que preclui o
direito à prova se a parte, intimada para especificar as que pretendia produzir, não se manifesta
oportunamente, e a preclusão ocorre mesmo que haja pedido de produção de provas na inicial ou
na contestação, mas a parte silencia na fase de especificação. 3. Registra-se que é entendimento
desta Corte quanto à impossibilidade de análise do dissídio apoiado em fatos e não na
interpretação do direito, como se verifica no presente caso, em que houve expressa dispensa da
prova requerida na inicial. 4. O presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do
julgado impugnado que não conheceu do recurso especial, devendo ser ele mantido pelos seus
próprios fundamentos. 5. Agravo regimental não provido" (AGARESP 201403462644, AGARESP
- AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 645985, Relator(a) MOURA
RIBEIRO, STJ, TERCEIRA TURMA, Fonte DJE DATA:22/06/2016).
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS
E MORAIS. PRODUÇÃO DE PROVAS. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO NO MOMENTO
OPORTUNO. PRECLUSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA . NÃO OCORRÊNCIA. 1. Preclui o
direito à prova quando, a despeito da existência de requerimento na contestação, a parte se omite
quando intimada para especificação. 2. Agravo regimental desprovido" (AGRESP 201501352186,
AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 1536824, Relator JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, STJ, TERCEIRA TURMA, Fonte DJE DATA:11/12/2015).
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRODUÇÃO DE
PROVAS. ESPECIFICAÇÃO DAS PROVAS A SEREM PRODUZIDAS. INTIMAÇÃO. INÉRCIA
DA PARTE. PRECLUSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA . INOCORRÊNCIA. MILITAR.
REFORMA. INCAPACIDADE NÃO RECONHECIDA, PELA CORTE DE ORIGEM. INCIDÊNCIA
DA SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. I. Não
se configura cerceamento de defesa na hipótese em que a parte autora, após a contestação, foi
intimada para especificação das provas, contudo, manteve-se silente, o que resulta em preclusão,
mesmo que tenha havido tal pedido, na inicial (STJ, AgRg no REsp 1.376.551/RS, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/06/2013). Com efeito, "o requerimento
de provas divide-se em duas fases: (i) protesto genérico para futura especificação probatória
(CPC, art. 282, VI); (ii) após eventual contestação, quando intimada a parte para a especificação
das provas, que será guiada pelos pontos controvertidos na defesa (CPC, art. 324). Não obstante
o requerimento tenha-se dado por ocasião da petição inicial ou da contestação, entende-se
precluso o direito à prova, na hipótese de a parte omitir-se quando intimada para sua
especificação" (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.176.094/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 15/06/2012). II. No caso dos autos, o Tribunal a quo
consignou, no acórdão recorrido, que, "a despeito de haver requerido, na inicial, a produção de
prova pericial, o autor quedou-se silente ao despacho para especificar e justificar as provas a
serem produzidas (fl. 212). O mero protesto genérico, na inicial, pela produção de certa prova não
basta para a sua realização. É necessário que no momento oportuno a parte especifique as
provas que pretende produzir, justificando-as". III. Tendo o Tribunal de origem, soberano na
análise das circunstâncias fáticas da causa, com base na apreciação do conjunto probatório dos
autos, reconhecido que o autor não estava incapaz para fins de reforma remunerada, a alteração
de tal conclusão, exigiria novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos,
providência vedada em sede de Recurso Especial, a teor do óbice previsto na Súmula 7/STJ.
Nesse sentido: STJ, EDcl no AgRg no AREsp 117.635/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,
SEGUNDA TURMA, DJe de 21/05/2012 e STJ, AgRg no REsp 1.331.686/RS, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 19/04/2013. IV. Agravo
Regimental improvido" (AGRESP 201303309612, AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL - 1407571, Relatora ASSUSETE MAGALHÃES, STJ, SEGUNDA TURMA,
Fonte DJE DATA:18/09/2015).
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO
DE DESPEJO. PRODUÇÃO DE PROVA ORAL NÃO JUSTIFICADA. INDEFERIMENTO.
CERCEAMENTO DE DEFESA . NÃO DEMONSTRADO. NECESSIDADE DE REEXAME DE
MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO
NEGADO. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que não configura cerceamento de defesa o
julgamento da causa, com o julgamento antecipado da lide, quando o Tribunal de origem
entender substancialmente instruído o feito, declarando a prescindibilidade de produção
probatória, por se tratar de matéria eminentemente de direito. 2. O cerceamento de defesa fica
afastado, ainda, quando a parte interessada não cumpre despacho que determinou a
especificação das provas e tampouco traz elementos que justifiquem o requerimento de produção
probatória. 3. No caso, a modificação do entendimento firmado pelo Tribunal a quo, para o fim de
se concluir que a parte interessada justificou a produção da prova oral pleiteada, e que essa seria
imprescindível ao julgamento da causa, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos
autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo
regimental a que se nega provimento" (AGARESP 201402549851, AGARESP - AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 593721, Relator RAUL ARAÚJO, STJ,
QUARTA TURMA, Fonte DJE DATA:03/08/2015).
Do tempo de serviço rural
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados
de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o
recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o
disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta
Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art.
12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16
de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural ;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural ."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua
eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves
Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, o Superior Tribunal de Justiça, examinando a
matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada
aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data
do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
Ademais, consoante entendimento desta Nona Turma e do Colendo Superior Tribunal de Justiça,
é possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade (STJ,
AR n. 3.629, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 9/9/2008).
No caso dos autos, não obstante o patente erro material presente na petição inicial, depreende-se
dela que a parte autora pretende demonstrar o trabalho rural prestado no período de 17/12/1976
a 31/10/1993.
Nessa esteira há início de prova material presente na certidão do casamento celebrado em 1983,
a qual anota a profissão de lavrador do autor.
Por sua vez, os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório, corroboraram o mourejo
asseverado, sobretudo ao afirmar o labor campesino desde tenra idade.
Ademais, cumpre salientar que o possível mourejo rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou
na qualidade de produtor rural em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da
legislação previdenciária em comento (31/10/1991), tem sua aplicação restrita aos casos
previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla
a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de
serviço/contribuição.
Nesse sentido, a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OCORRÊNCIA DE VÍCIO PROCESSUAL.
NECESSIDADE DE CORREÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. SEGURADO ESPECIAL.
TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO SEM
CONTRIBUIÇÕES MENSAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 272 DO STJ. OMISSÃO
VERIFICADA. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITO INFRINGENTE. RECURSO ESPECIAL
AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. Constatado erro na decisão embargada, cumpre o acolhimento dos embargos, com efeitos
modificativos para sanar o defeito processual.
2. A autora, produtora rural, ao comercializar os seus produtos, via incidir sobre a sua receita
bruta um percentual, recolhido a título de contribuição obrigatória, que poderia lhe garantir, tão-
somente, a percepção de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-
reclusão ou de pensão. Tal contribuição em muito difere da contribuição facultativa calculada
sobre o salário-base dos segurados e que, nos termos do art. 39, inciso II, da Lei 8.213/91, é
requisito para a aposentadoria por tempo de serviço ora pleiteada.
(...)."
(STJ; EDcl nos EDcl; REsp n. 208.131/RS; 6ª Turma; Relatora Ministra Maria Thereza De Assis
Moura; J 22/11/2007; DJ 17.12.2007, p. 350)
Também, a Súmula n. 272 daquele Colendo Tribunal:
"O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a
produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher
contribuições facultativas."
No mesmo sentido, os demais julgados desta Corte: AC n. 2005.03.99.035804-1/SP, Rel. Des.
Federal Marisa Santos, 9ª Turma, DJF3 8/10/2010 e ED na AC 2004.03.99.001762-2/SP, Rel.
Des. Federal Nelson Bernardes, 9ª Turma, DJF3 29/7/2010.
Assim, in casu, entendo demonstrado o labor rural entre 17/12/1976 a 31/10/1991,
independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem
recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-
se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente
até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente
a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição
do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade
do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Na hipótese dos autos, no que tange aos lapsos de 4/9/2007 a 21/6/2018, consta Perfil
Profissiográfico Previdenciário, o qual anota a função de motorista (ambulância e outros veículos).
Nesse sentido, ainda que esteja anotada a exposição a agentes biológicos, o PPP juntado não
consigna profissional legalmente habilitado pelos registros ambientais do agente nocivo citado,
motivo pelo qual não tem efeito para demonstrar a especialidade posteriormente a 5/3/1997.
Desse modo, entendo que o período controvertido não deve ser enquadrado como atividade
especial.
Por conseguinte, ausente o requisito temporal para a concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição vindicada.
Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, condena-se as partes a pagar honorários
ao advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da
causa, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC.
Suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por
tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e, no mérito, dou parcial provimento à apelação da
parte autora para, nos termos da fundamentação, reconhecer o trabalho rural no intervalo de
17/12/1976 a 31/10/1991, independentemente do recolhimento de contribuições, ressalvada a
inviabilidade do cômputo do labor para fins de carência e contagem recíproca. Mantida, no mais,
a r. sentença.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6074102-75.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: o recurso atende aos pressupostos de
admissibilidade e merece ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Inicialmente, não há que se falar em cerceamento ao direito de produção de provas, pois a parte
autora foi regularmente intimada do despacho de f. 141, por meio do qual o Juízo a quo
oportunizou às partes a indicação das provas a serem produzidas, sob pena de preclusão.
Em resposta a parte autora protestou apenas pela produção de prova testemunhal, a qual foi
deferida (f. 143).
Ora, a ausência da prova pericial deu-se em razão de desídia da parte autora, que não requereu
a produção dessa prova na ocasião oportuna, restando, pois, preclusa sua realização, ainda que
a parte tenha a requerido posteriormente (após a audiência de instrução e julgamento).
Nesse diapasão, há inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a
omissão da parte, na fase de especificação de provas, gera preclusão e com isso a ausência de
cerceamento de defesa:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS.
ACIDENTE DE VEÍCULO. AUSÊNCIA DE PROVA DE CONDUTA CULPOSA DO REQUERIDO.
CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. PARTE QUE EXPRESSAMENTE
DISPENSA MAIOR DILAÇÃO PROBATÓRIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO
COMPROVADO DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1.
Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2
aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento
no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os
requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. Esta Corte já firmou entendimento que preclui o
direito à prova se a parte, intimada para especificar as que pretendia produzir, não se manifesta
oportunamente, e a preclusão ocorre mesmo que haja pedido de produção de provas na inicial ou
na contestação, mas a parte silencia na fase de especificação. 3. Registra-se que é entendimento
desta Corte quanto à impossibilidade de análise do dissídio apoiado em fatos e não na
interpretação do direito, como se verifica no presente caso, em que houve expressa dispensa da
prova requerida na inicial. 4. O presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do
julgado impugnado que não conheceu do recurso especial, devendo ser ele mantido pelos seus
próprios fundamentos. 5. Agravo regimental não provido" (AGARESP 201403462644, AGARESP
- AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 645985, Relator(a) MOURA
RIBEIRO, STJ, TERCEIRA TURMA, Fonte DJE DATA:22/06/2016).
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS
E MORAIS. PRODUÇÃO DE PROVAS. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO NO MOMENTO
OPORTUNO. PRECLUSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA . NÃO OCORRÊNCIA. 1. Preclui o
direito à prova quando, a despeito da existência de requerimento na contestação, a parte se omite
quando intimada para especificação. 2. Agravo regimental desprovido" (AGRESP 201501352186,
AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 1536824, Relator JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, STJ, TERCEIRA TURMA, Fonte DJE DATA:11/12/2015).
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRODUÇÃO DE
PROVAS. ESPECIFICAÇÃO DAS PROVAS A SEREM PRODUZIDAS. INTIMAÇÃO. INÉRCIA
DA PARTE. PRECLUSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA . INOCORRÊNCIA. MILITAR.
REFORMA. INCAPACIDADE NÃO RECONHECIDA, PELA CORTE DE ORIGEM. INCIDÊNCIA
DA SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. I. Não
se configura cerceamento de defesa na hipótese em que a parte autora, após a contestação, foi
intimada para especificação das provas, contudo, manteve-se silente, o que resulta em preclusão,
mesmo que tenha havido tal pedido, na inicial (STJ, AgRg no REsp 1.376.551/RS, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/06/2013). Com efeito, "o requerimento
de provas divide-se em duas fases: (i) protesto genérico para futura especificação probatória
(CPC, art. 282, VI); (ii) após eventual contestação, quando intimada a parte para a especificação
das provas, que será guiada pelos pontos controvertidos na defesa (CPC, art. 324). Não obstante
o requerimento tenha-se dado por ocasião da petição inicial ou da contestação, entende-se
precluso o direito à prova, na hipótese de a parte omitir-se quando intimada para sua
especificação" (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.176.094/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 15/06/2012). II. No caso dos autos, o Tribunal a quo
consignou, no acórdão recorrido, que, "a despeito de haver requerido, na inicial, a produção de
prova pericial, o autor quedou-se silente ao despacho para especificar e justificar as provas a
serem produzidas (fl. 212). O mero protesto genérico, na inicial, pela produção de certa prova não
basta para a sua realização. É necessário que no momento oportuno a parte especifique as
provas que pretende produzir, justificando-as". III. Tendo o Tribunal de origem, soberano na
análise das circunstâncias fáticas da causa, com base na apreciação do conjunto probatório dos
autos, reconhecido que o autor não estava incapaz para fins de reforma remunerada, a alteração
de tal conclusão, exigiria novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos,
providência vedada em sede de Recurso Especial, a teor do óbice previsto na Súmula 7/STJ.
Nesse sentido: STJ, EDcl no AgRg no AREsp 117.635/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,
SEGUNDA TURMA, DJe de 21/05/2012 e STJ, AgRg no REsp 1.331.686/RS, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 19/04/2013. IV. Agravo
Regimental improvido" (AGRESP 201303309612, AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL - 1407571, Relatora ASSUSETE MAGALHÃES, STJ, SEGUNDA TURMA,
Fonte DJE DATA:18/09/2015).
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO
DE DESPEJO. PRODUÇÃO DE PROVA ORAL NÃO JUSTIFICADA. INDEFERIMENTO.
CERCEAMENTO DE DEFESA . NÃO DEMONSTRADO. NECESSIDADE DE REEXAME DE
MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO
NEGADO. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que não configura cerceamento de defesa o
julgamento da causa, com o julgamento antecipado da lide, quando o Tribunal de origem
entender substancialmente instruído o feito, declarando a prescindibilidade de produção
probatória, por se tratar de matéria eminentemente de direito. 2. O cerceamento de defesa fica
afastado, ainda, quando a parte interessada não cumpre despacho que determinou a
especificação das provas e tampouco traz elementos que justifiquem o requerimento de produção
probatória. 3. No caso, a modificação do entendimento firmado pelo Tribunal a quo, para o fim de
se concluir que a parte interessada justificou a produção da prova oral pleiteada, e que essa seria
imprescindível ao julgamento da causa, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos
autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo
regimental a que se nega provimento" (AGARESP 201402549851, AGARESP - AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 593721, Relator RAUL ARAÚJO, STJ,
QUARTA TURMA, Fonte DJE DATA:03/08/2015).
Do tempo de serviço rural
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados
de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o
recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o
disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta
Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art.
12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16
de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural ;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural ."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua
eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves
Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, o Superior Tribunal de Justiça, examinando a
matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada
aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data
do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
Ademais, consoante entendimento desta Nona Turma e do Colendo Superior Tribunal de Justiça,
é possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade (STJ,
AR n. 3.629, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 9/9/2008).
No caso dos autos, não obstante o patente erro material presente na petição inicial, depreende-se
dela que a parte autora pretende demonstrar o trabalho rural prestado no período de 17/12/1976
a 31/10/1993.
Nessa esteira há início de prova material presente na certidão do casamento celebrado em 1983,
a qual anota a profissão de lavrador do autor.
Por sua vez, os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório, corroboraram o mourejo
asseverado, sobretudo ao afirmar o labor campesino desde tenra idade.
Ademais, cumpre salientar que o possível mourejo rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou
na qualidade de produtor rural em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da
legislação previdenciária em comento (31/10/1991), tem sua aplicação restrita aos casos
previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla
a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de
serviço/contribuição.
Nesse sentido, a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OCORRÊNCIA DE VÍCIO PROCESSUAL.
NECESSIDADE DE CORREÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. SEGURADO ESPECIAL.
TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO SEM
CONTRIBUIÇÕES MENSAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 272 DO STJ. OMISSÃO
VERIFICADA. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITO INFRINGENTE. RECURSO ESPECIAL
AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. Constatado erro na decisão embargada, cumpre o acolhimento dos embargos, com efeitos
modificativos para sanar o defeito processual.
2. A autora, produtora rural, ao comercializar os seus produtos, via incidir sobre a sua receita
bruta um percentual, recolhido a título de contribuição obrigatória, que poderia lhe garantir, tão-
somente, a percepção de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-
reclusão ou de pensão. Tal contribuição em muito difere da contribuição facultativa calculada
sobre o salário-base dos segurados e que, nos termos do art. 39, inciso II, da Lei 8.213/91, é
requisito para a aposentadoria por tempo de serviço ora pleiteada.
(...)."
(STJ; EDcl nos EDcl; REsp n. 208.131/RS; 6ª Turma; Relatora Ministra Maria Thereza De Assis
Moura; J 22/11/2007; DJ 17.12.2007, p. 350)
Também, a Súmula n. 272 daquele Colendo Tribunal:
"O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a
produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher
contribuições facultativas."
No mesmo sentido, os demais julgados desta Corte: AC n. 2005.03.99.035804-1/SP, Rel. Des.
Federal Marisa Santos, 9ª Turma, DJF3 8/10/2010 e ED na AC 2004.03.99.001762-2/SP, Rel.
Des. Federal Nelson Bernardes, 9ª Turma, DJF3 29/7/2010.
Assim, in casu, entendo demonstrado o labor rural entre 17/12/1976 a 31/10/1991,
independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem
recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-
se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente
até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente
a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição
do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade
do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Na hipótese dos autos, no que tange aos lapsos de 4/9/2007 a 21/6/2018, consta Perfil
Profissiográfico Previdenciário, o qual anota a função de motorista (ambulância e outros veículos).
Nesse sentido, ainda que esteja anotada a exposição a agentes biológicos, o PPP juntado não
consigna profissional legalmente habilitado pelos registros ambientais do agente nocivo citado,
motivo pelo qual não tem efeito para demonstrar a especialidade posteriormente a 5/3/1997.
Desse modo, entendo que o período controvertido não deve ser enquadrado como atividade
especial.
Por conseguinte, ausente o requisito temporal para a concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição vindicada.
Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, condena-se as partes a pagar honorários
ao advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da
causa, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC.
Suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por
tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e, no mérito, dou parcial provimento à apelação da
parte autora para, nos termos da fundamentação, reconhecer o trabalho rural no intervalo de
17/12/1976 a 31/10/1991, independentemente do recolhimento de contribuições, ressalvada a
inviabilidade do cômputo do labor para fins de carência e contagem recíproca. Mantida, no mais,
a r. sentença.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO
PARCIALMENTE SUFICIENTE. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES
BIOLÓGICOS. NÃO DEMONSTRADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA.
- A ausência da prova pericial deu-se em razão de desídia da parte autora, que não requereu a
produção dessa prova na ocasião oportuna, restando, pois, preclusa sua realização.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
Precedentes.
- O possível mourejo rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou na qualidade de produtor rural
em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da legislação previdenciária em
comento (31/10/1991), tem sua aplicação restrita aos casos previstos no inciso I do artigo 39 e no
artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla a averbação de tempo de serviço
rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. Precedentes do
STJ.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar parte do labor rural pleiteado.
- Não demonstrada a especialidade alegada.
- Não atendido o requisito temporal para a concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição.
- Constatada a ocorrência de sucumbência recíproca, condena-se as partes a pagar honorários
ao advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da
causa, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC. Suspensa, porém, a exigibilidade,
na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça
gratuita.
- Preliminar afastada.
- Apelação parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu afastar a matéria preliminar e, no mérito, dar parcial provimento à apelação
da parte autora. O Desembargador Federal Gilberto Jordan acompanhou a Relatora com ressalva
de entendimento pessoal
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
