Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5139726-20.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
TEMPO DE ATIVIDADE URBANA COMUM ANOTADO EM CTPS. TEMPO DE ATIVIDADE
ESPECIAL. TENSÃO ELÉTRICA ACIMA DE 250 VOLTS. PERICULOSIDADE.
ENQUADRAMENTO. LAUDO PERICIAL. PARCIAL PROCEDÊNCIA. PRESSUPOSTOS AO
BENEFÍCIO NÃO SATISFEITOS TANTO NA DER QUANTO NA REAFIRMAÇÃO.
- Contrato regularmente celebrado, cronologicamente anotado em Carteira de Trabalho e
Previdência Social, com as respectivas alterações salariais, sem indícios de rasura ou de
adulterações.
- Com relação à veracidade das informações constantes da CTPS, gozam elas de presunção juris
tantum.
- Possível descumprimento da obrigação acessória do empregador de informar mensalmente ao
INSS os dados relacionados aos fatos geradores da contribuição previdenciária (artigo 32da Lei
n. 8.212/1991) não pode prejudicar o segurado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- A exposição superior a 80 dB era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n.
2.172/97, que majorou o nível para 90 dB. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o
limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis,
sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do
artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Demonstrada a especialidade em razão da exposição habitual e permanente a tensão elétrica
superior a 250 Volts.
- Possibilidade de reconhecimento da natureza nocente do tempo de serviço em que o segurado
ficou exposto à periculosidade, por ser meramente exemplificativo o rol de agentes nocivos
constante do Decreto n. 2.172/1997. Precedente do STJ.
- A exposição de forma intermitente à tensão elétrica não descaracteriza o risco produzido pela
eletricidade. Precedente.
- O uso de EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado.
- Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5%
(cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa.
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação do autor parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5139726-20.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO BATISTA DA CRUZ
Advogado do(a) APELADO: GESLER LEITAO - SP201023-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5139726-20.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de atividade especial, com vistas à
concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a especialidade dos
vínculos de 8/2/1990 a 2/6/1994, de 24/10/1995 a 26/10/1995, de 2/1/1998 a 13/9/2003,
1º/11/2004 a 19/3/2005, 1º/6/2005 a 31/8/2005 e de 22/1/2008 a 18/7/2016, para fins de
averbação. Ademais, fixou a verba sucumbencial em proporcionalidade.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação. Refuta o enquadramento especial
efetuado, à míngua de comprovação da periculosidade do ofício com tensão elétrica. Ademais,
destaca a ausência de prévia fonte de custeio para pagar a aposentadoria especial.
Prequestionou a matéria para efeitos recursais.
A parte autora também recorreu, exorando a reforma para incluir período comum omitido na
contagem, mas anotado em CTPS, enquadrar lapso especial afastado e conceder o benefício
em foco na DER, senão mediante sua reafirmação. Requer, ainda, tutela antecipatória.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5139726-20.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO BATISTA DA CRUZ
Advogado do(a) APELADO: GESLER LEITAO - SP201023-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Procedo ao exame das questões debatidas.
Do tempo de serviço urbano
Segundo o artigo 55, e respectivos parágrafos, da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de
segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de
segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante
o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento,
observado o disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito
quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto
no Regulamento."
No caso dos autos, a parte autora reclama de omissão na contagem de tempo de serviço de
vínculo regularmente anotado em CTPS.
Trata-se do período comum de 1º/1/1984 a 23/1/1986 exercido para o empregador Juvercino de
Oliveira, nas funções de "caseiro".
De fato, o contrato regularmente celebrado encontra-se cronologicamente anotado em Carteira
de Trabalho e Previdência Social, com as respectivas alterações salariais (id. 168232275), e
não foram identificados indícios de rasura ou de adulterações.
Com relação à veracidade das informações constantes da CTPS, gozam elas de presunção
juris tantum.
Assim, conquanto não absoluta a presunção, as anotações nela contidas prevalecem até prova
inequívoca em contrário, nos termos do Enunciado n. 12 do TST.
Ademais, ressalte-se que, em se tratando de relação empregatícia, ante o princípio da
automaticidade (artigo 30, I, "a" e "b", da Lei n. 8.212/1991), é inexigível a comprovação do
recolhimento das contribuições previdenciárias pelo trabalhador, senão do próprio empregador,
cujo recolhimento lhe incumbe de forma compulsória, sob fiscalização do órgão previdenciário
.Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, Apelação Cível - 2250162, Relator
Desembargador Federal Toru Yamamoto, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA: 25/9/2017.
Possível descumprimento da obrigação acessória do empregador de informar mensalmente ao
INSS os dados relacionados aos fatos geradores da contribuição previdenciária (artigo 32da Lei
n. 8.212/1991) não pode prejudicar o segurado.
Por outro giro, na condição de passividade processual, cabia ao INSS comprovar
irregularidades nas anotações da CTPS do autor, ônus dos quais não se desincumbiu nestes
autos.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016,
DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 dB era considerada atividade insalubre até a edição
do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 dB. Isso porque os Decretos n.
83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/73, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No tocante aos interstícios enquadrados como especiais, de 8/2/1990 a 2/6/1994, de
24/10/1995 a 26/10/1995, de 2/1/1998 a 13/9/2003, 1º/11/2004 a 19/3/2005, 1º/6/2005 a
31/8/2005 e de 22/1/2008 a 18/7/2016, a parte autora logrou demonstrar, via laudo pericial no
curso da ação, exposição habitual e permanente à tensão elétrica superior a 250 Volts, bem
como à periculosidade decorrente do risco potencial de descarga elétrica à integridade física,
durante o desempenho da profissão de "eletricista" e "oficial eletricista" nas instalações e
equipamentos energizados, situação passível de enquadramento no código 1.1.8 do anexo ao
Decreto n. 53.831/1964.
Igualmente, viável se afigura a contagem excepcional em razão da prejudicialidade do mesmo
ofício, com submissão a tensão acima de 250V, entre 2/1/2007 e 9/5/2007, consoante PPP
emitido pelo empregador Sanches Eletrificação Ltda.
Sobre a periculosidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar o REsp n. 1.306.113,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973, concluiu, ao analisar questão relativa à tensão
elétrica superior a 250V, pela possibilidade do enquadramento especial, mesmo para período
posterior a 5/3/1997, desde que amparado em laudo pericial, por ser meramente exemplificativo
o rol de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172/1997 (STJ, REsp n. 1.306.113/SC, Rel.
Herman Benjamin, Primeira Seção, J: 14/11/2012, DJe: 7/3/2013).
Cumpre observar, ainda, que a exposição de forma intermitente à tensão elétrica não
descaracteriza o risco produzido pela eletricidade, uma vez que o perigo existe tanto para
aquele que se encontra exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada,
por diversas vezes, ainda que não de forma permanente, tem contato com a eletricidade. (STJ,
6º Turma, REsp 658016, Rel. Hamilton Carvalhido, DJU 21/11/2005).
Frisa-se, ainda, que o uso de EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado.
Saliento, por fim, quanto à suposta violação aos princípios do equilíbrio atuarial e financeiro e
da prévia fonte de custeio, que questões afetas ao recolhimento da contribuição adicional ao
SAT por parte da empresa não devem, em tese, influir no cômputo como especial da atividade
exercida pelo segurado, mercê do princípio da automaticidade, previsto no artigo 30, I, da Lei n.
8.212/1991, aplicável neste enfoque, de modo que não háviolação da regra inscrita no artigo
195, § 5º, do Texto Magno.
Destarte, os interregnos supra mencionados devem ser enquadrados como especiais,
convertidos em comum (fator de conversão de 1,4) e somados aos demais lapsos
incontroversos.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para
obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia,
a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres),
além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para
completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de "pedágio".
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142
da Lei n. 8.213/1991.
Em relação ao pressuposto temporal, tem-se que até a DER original (11/11/2016), a parte
autora não possuía tempo suficiente à aposentadoria por tempo de contribuição.
Em 19/2/2020 (reafirmação da DER), conforme contagem disponível em
https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/planilhas/DQE3V-MGJ33-JH, a parte autora não
possuía direito à aposentadoria à luz do art. 15 da EC n. 103/2019, porque não completava a
quantidade mínima de pontos (97 pontos). E também não atingia o direito à aposentadoria
conforme art. 16 da EC n. 103/2019, porque não cumpria a idade mínima exigida (61.5 anos).
Ademais, não tinha direito à aposentadoria conforme art. 18 da EC n. 103/2019, porque não
cumpria a idade mínima exigida (65 anos).
Outrossim, em 19/2/2020 (reafirmação da DER), não possuía direito à aposentadoria conforme
art. 17 das regras transitórias da EC n. 103/2019, pois não cumpria o pedágio de 50% (1 mês e
4 dias).
Por fim, em 19/2/2020 (reafirmação da DER), não possuía direito à aposentação na dicção do
art. 20 das regras transitórias da EC n. 103/2019, porque não alcançava a idade mínima (60
anos) tampouco o tempo adicional (pedágio) de 100% (2 meses e 8 dias).
Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa.
Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à
legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, negoprovimento à apelação do INSS e dou parcial provimento ao apelo da
parte autora para, nos termos da fundamentação:(i) reconhecer a atividade urbana comum
desenvolvida, com registro em CTPS, no intervalo de 1º/1/1984 a 23/1/1986; (ii) determinar o
enquadramento, como atividade especial sob o fator 1,40, do período de2/1/2007 e 9/5/2007.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
TEMPO DE ATIVIDADE URBANA COMUM ANOTADO EM CTPS. TEMPO DE ATIVIDADE
ESPECIAL. TENSÃO ELÉTRICA ACIMA DE 250 VOLTS. PERICULOSIDADE.
ENQUADRAMENTO. LAUDO PERICIAL. PARCIAL PROCEDÊNCIA. PRESSUPOSTOS AO
BENEFÍCIO NÃO SATISFEITOS TANTO NA DER QUANTO NA REAFIRMAÇÃO.
- Contrato regularmente celebrado, cronologicamente anotado em Carteira de Trabalho e
Previdência Social, com as respectivas alterações salariais, sem indícios de rasura ou de
adulterações.
- Com relação à veracidade das informações constantes da CTPS, gozam elas de presunção
juris tantum.
- Possível descumprimento da obrigação acessória do empregador de informar mensalmente ao
INSS os dados relacionados aos fatos geradores da contribuição previdenciária (artigo 32da Lei
n. 8.212/1991) não pode prejudicar o segurado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 dB era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n.
2.172/97, que majorou o nível para 90 dB. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o
limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis,
sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do
artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Demonstrada a especialidade em razão da exposição habitual e permanente a tensão elétrica
superior a 250 Volts.
- Possibilidade de reconhecimento da natureza nocente do tempo de serviço em que o
segurado ficou exposto à periculosidade, por ser meramente exemplificativo o rol de agentes
nocivos constante do Decreto n. 2.172/1997. Precedente do STJ.
- A exposição de forma intermitente à tensão elétrica não descaracteriza o risco produzido pela
eletricidade. Precedente.
- O uso de EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado.
- Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa.
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação do autor parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à
apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
