Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000311-97.2016.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
03/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. CERCEAMENTO. AJUDANTE DE
TECELÃO. VIGILANTE. TEMA 1031 STJ. PPP. PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO.
AUTOMATICIDADE. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO NA DER. CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA.
- Não se cogita de cerceamento, pois efetivamente cabe à parte autora, nos termos do artigo 373,
I, do CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por
meio de prova suficiente e segura.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Presença de CTPS apontando a profissão de ajudante em indústria de tecelagem, suficiente ao
enquadramento, até 28/4/1995, nos itens 2.5.2 e 2.5.3 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979.
- Depreende-se das anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) o exercício
da função de “vigilante”, situação que permite o enquadramento em razão da atividade, até
28/4/1995, nos termos do código 2.5.7 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, em virtude da
existência de periculosidade inerente às atividades de guarda, policial, bombeiros e
investigadores.
- No que tange ao lapso de 2/1/1998 a 19/3/2015, há Perfil Profissiográfico Previdenciário, o qual
anota o ofício de "vigilante", com uso de arma de fogo, fato que autoriza a contagem excepcional.
Precedentes.
- Inteligência da tese fixada no Tema 1031 do STJ.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 25anos na DER.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-
se o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, consoante critérios do artigo 85, §§ 1º,
2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, na fase de
execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico
ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Matéria preliminar afastada.
- Apelação da parte autora provida.
- Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000311-97.2016.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MAURILIO DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: RAFAEL LUSTOSA PEREIRA - SP353867-A, FILIPE
HENRIQUE ELIAS DE OLIVEIRA - SP342765-A, MATEUS GUSTAVO AGUILAR - SP175056-
A, HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MAURILIO DOS SANTOS
Advogados do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A, MATEUS GUSTAVO
AGUILAR - SP175056-A, RAFAEL LUSTOSA PEREIRA - SP353867-A, FILIPE HENRIQUE
ELIAS DE OLIVEIRA - SP342765-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000311-97.2016.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MAURILIO DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: RAFAEL LUSTOSA PEREIRA - SP353867-A, FILIPE
HENRIQUE ELIAS DE OLIVEIRA - SP342765-A, MATEUS GUSTAVO AGUILAR - SP175056-
A, HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MAURILIO DOS SANTOS
Advogados do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A, MATEUS GUSTAVO
AGUILAR - SP175056-A, RAFAEL LUSTOSA PEREIRA - SP353867-A, FILIPE HENRIQUE
ELIAS DE OLIVEIRA - SP342765-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia
oenquadramento de atividade especial,com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição.
A sentença foi proferida nestes termos:
"julgo parcialmente procedentes os pedidos para: a) reconhecer o tempo especial nos períodos
de labor para Tecelagem Texita S/A (de 07/06/1983 a 10/06/1989) e Defender Segurança
Empresarial e Patrimonial S/C Ltda (de 10/06/1992 a 28/04/1995); b) condenar o INSS a
reconhecer o tempo total de contribuição de 36 anos 07 meses e 18 dias na data da DER:
23/12/2015; c) condenar o INSS a revisar a aposentadoria por tempo de contribuição NB:
183.693.872-9, com cômputo dos períodos ora reconhecidos; d) condenar o INSS ao
pagamento de diferenças e atrasados a partir da citação nos autos, 19/05/2017. As prestações
em atraso devem ser pagas a partir de 19/05/2017, apuradas em liquidação de sentença, com
correção monetária e juros na forma do Manual de Procedimentos para os Cálculos da Justiça
Federal em vigor na data da execução. Considerando a sucumbência recíproca das partes,
condeno o autor e o réu ao pagamento, cada um, de honorários advocatícios de sucumbência
de percentual de 5% (cinco por cento) do valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, § 4º, III
do CPC. Em relação ao autor, beneficiário de justiça gratuita, a execução fica suspensa nos
termos do art. 98, § 3º do CPC. Não é hipótese de reexame necessário, vez que, embora
ilíquida, é evidente que a condenação, mesmo com todos os seus acréscimos, não alcançará a
importância de 1000 salários mínimos (artigo 496, § 3º, do Novo Código de Processo Civil)".
Inconformada, a parte autora manifestou parcial irresignação com o decisum. Suscitou,
inicialmente, cerceamento de defesa. No mérito, pugnou pelo reconhecimento dos lapsos
insalubres afastados pelo julgado, isto é, de 4/9/1989 a 10/1/1990 no segmento de tecelagem, e
de 2/1/1998 a 19/3/2015 nas funções de vigilante. Requereu, ainda, os efeitos financeiros da
DER.
A autarquia também interpôs apelação, opondo-se ao enquadramento efetuado nas funções de
vigilante, de 10/6/1992 a 28/4/1995, à míngua de comprovação da natureza insalubredo ofício.
Ademais, destaca a ausência de prévia fonte de custeio para pagar a aposentadoria especial.
Prequestionou a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
Apreciado tema repetitivo relacionado a este processo, a suspensão foi levantada e os autos
vieram conclusos.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000311-97.2016.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MAURILIO DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: RAFAEL LUSTOSA PEREIRA - SP353867-A, FILIPE
HENRIQUE ELIAS DE OLIVEIRA - SP342765-A, MATEUS GUSTAVO AGUILAR - SP175056-
A, HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MAURILIO DOS SANTOS
Advogados do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A, MATEUS GUSTAVO
AGUILAR - SP175056-A, RAFAEL LUSTOSA PEREIRA - SP353867-A, FILIPE HENRIQUE
ELIAS DE OLIVEIRA - SP342765-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
De início, não prospera a anulação da sentença, pois efetivamente cabe à parte autora, nos
termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do
direito invocado, por meio de prova suficiente e segura.
Nesse passo, a fim de demonstrar a natureza nocente do labor, deve a parte suplicante carrear
documentos aptos certificadores das condições insalubres em que permaneceu exposta, como
formulários patronais e laudos técnicos individualizados, cabendo ao magistrado, em caso de
dúvida, o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Ao julgador compete a condução do processo, cabendo-lhe apreciar a questão de acordo com o
debatido e não está obrigado a decidir a lide conforme pleiteado pelas partes, senão conforme
seu convencimento, respeitada obviamente a dialogicidade necessária, com base em fatos,
provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao caso.
Se não houver dúvida sobre as condições deletérias da atividade, despicienda se afigura a
produção de prova pericial para o julgamento da causa e, por consequência, não estará
configurado cerceamento de defesa ou violação de ordem constitucional ou legal.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Min.HERMAN BENJAMIN, 2T, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar
completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do
EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao PPP, instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base
em laudo técnico elaborado pelo empregador,retrata as características do trabalho do segurado
e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de
trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
A parte autora busca neste recursoo reconhecimento da especialidadedos períodos de 4/9/1989
a 10/1/1990, no segmento de tecelagem, e de 2/1/1998 a 19/3/2015 nas funções de vigilante.
Com efeito, para o primeiro período, constato a presença de CTPS apontando a profissão de
"ajudante" em indústria de tecelagem, suficiente ao enquadramento, até 28/4/1995, nos itens
2.5.2 e 2.5.3 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979.
Ressalte-se o caráter patentemente insalutífero das atividades prestadas em setores de fiação
e tecelagem no âmbito de indústrias têxteis, à luz do Parecer n. 85/1978 do MTb, o qual
confereo direito à aposentadoria especial aos trabalhadores do ramo de tecelagens (cf. TRF4,
AC 200004011163422, 5T, Rel. Des. Fed. Luiz Carlos Cervi, julgado de 7/5/2003, DJ 14/5/2003.
p. 1048; TRF3, AC 1805738, 9T, Rel. Juiz Conv. Otavio Port, j. em 4/12/2017, Dj-e jud 1 de
19/12/2017).
Em relação ao período impugnado pelo INSS, de 10/6/1992 a 28/4/1995, não prospera.
Depreende-se das anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) o exercício
da função de “vigilante”, situação que permite o enquadramento em razão da atividade, até
28/4/1995, nos termos do código 2.5.7 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, em virtude da
existência de periculosidade inerente às atividades de guarda, policial, bombeiros e
investigadores.
Aliás, quanto à possibilidade de enquadramento em razão da periculosidade, o STJ, ao apreciar
Recurso Especial n. 1.306.113, reconheceu a controvérsia da matéria e concluiu pela
possibilidade de reconhecimento, como especial, do tempo de serviço no qual o segurado ficou
sujeito a periculosidade no período posterior a 5/3/1997, por ser meramente exemplificativo o rol
de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172/1997 (STJ, REsp n. 1.306.113/SC, Rel.
Herman Benjamin, Primeira Seção, J: 14/11/2012, DJe: 7/3/2013).
No mesmo sentido, o STJ julgou, em 9/12/2020, o Tema 1031 que tratava dapossibilidade de
reconhecimento do tempo de serviço especial para a atividade de vigilante, exercida após a
edição da Lei n. 9.032/1995 e do Decreto n. 2.172/1997, com ou sem o uso de arma de fogo,
nos seguintes termos:
“É admissível o reconhecimento da atividade especial de vigilante, com ou sem arma de fogo,
em data posterior à edição da Lei 9.032/95 e do Decreto 2.172/97, desde que haja
comprovação da efetiva nocividade da atividade por qualquer meio de prova até 05.03.1997 e,
após essa data, mediante apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente,
para comprovar a permanente, não ocasional, nem intermitente, exposição a agente nocivo que
coloque em risco a integridade física do segurado.”
Ademais, diante da natureza altamente perigosa da função de vigilante e os riscos inerentes à
profissão, dentre eles, os assaltos, conclui-se que, na hipótese, o mero uso de colete à prova de
balas (EPI) não possui o condão de neutralizar a nocividade dos agentes.
Saliento, por fim, quanto à suposta violação aos princípios do equilíbrio atuarial e financeiro e
da prévia fonte de custeio, que questões afetas ao recolhimento da contribuição adicional ao
SAT por parte da empresa não devem, em tese, influir no cômputo como especial da atividade
exercida pelo segurado, mercê do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei
n.8.212/1991), haja vista caber ao empregador o recolhimento das contribuições
previdenciárias, inclusive as devidas pelo segurado.
Nesse sentido: "(...) E no que concerne ao pagamento das respectivas contribuições,
relativamente ao interregno do labor reconhecido, é de se ressaltar que compete ao
empregador a arrecadação e o recolhimento do produto aos cofres públicos, a teor do artigo 30,
inciso I, "a" e "b" da Lei 8.212/91 e ao Instituto Nacional da Seguridade Social a arrecadação,
fiscalização, lançamento e recolhimento de contribuições, consoante dispõe o artigo 33 do
aludido diploma legal, não podendo ser penalizado o empregado pela ausência de registro em
CTPS, quando deveria ter sido feito em época oportuna, e muito menos pela ausência das
contribuições respectivas, quando não deu causa. 3. E, no caso dos autos, houve a
determinação de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, conforme observado
dos termos da cópia da reclamação trabalhista apresentada pela parte autora, com a exordial".
(TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES. FED. TORU YAMAMOTO, 7T,
Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA: 25/9/2017, FONTE_REPUBL.).
Nessas circunstâncias, considerados todos intervalos enquadrados como atividade especial, a
parte autora conta 25 (vinte e cinco) anos de labor degradante até a DER originalmente
formulada (23/12/2015) e, desse modo, faz jus à concessão do benefício de aposentadoria
especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
O termo inicial do benefício deve ser fixado no requerimento primitivo (DER 23/12/2015),
consoante entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os
cálculos na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE
n. 870.947).
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à
razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009,
a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações
introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão
Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a
tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10%
(dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data
da sentença, consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n.111 do STJ.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito
econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art.85, § 4º, II, do CPC).
Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, tal isenção não exime a
Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à
parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à
legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, afasto a matéria preliminar, nego provimento à apelação do INSS e dou
provimento ao apelo do autor para, nos termos da fundamentação: (i) determinar o
enquadramento, como atividade especial, dos períodos de 4/9/1989 a 10/1/1990 e de 2/1/1998
a 19/3/2015; (ii) determinar a concessão do benefício de aposentadoria especial desde o
requerimento administrativo (DER 23/12/2015), compensado como possível provento recebido
acumuladamente; (iii) discriminar os consectários legais.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. CERCEAMENTO. AJUDANTE DE
TECELÃO. VIGILANTE. TEMA 1031 STJ. PPP. PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO.
AUTOMATICIDADE. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO NA DER. CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA.
- Não se cogita de cerceamento, pois efetivamente cabe à parte autora, nos termos do artigo
373, I, do CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado,
por meio de prova suficiente e segura.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Presença de CTPS apontando a profissão de ajudante em indústria de tecelagem, suficiente
ao enquadramento, até 28/4/1995, nos itens 2.5.2 e 2.5.3 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979.
- Depreende-se das anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) o
exercício da função de “vigilante”, situação que permite o enquadramento em razão da
atividade, até 28/4/1995, nos termos do código 2.5.7 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, em
virtude da existência de periculosidade inerente às atividades de guarda, policial, bombeiros e
investigadores.
- No que tange ao lapso de 2/1/1998 a 19/3/2015, há Perfil Profissiográfico Previdenciário, o
qual anota o ofício de "vigilante", com uso de arma de fogo, fato que autoriza a contagem
excepcional. Precedentes.
- Inteligência da tese fixada no Tema 1031 do STJ.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 25anos na DER.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação,
computando-se o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, consoante critérios do
artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito
econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Matéria preliminar afastada.
- Apelação da parte autora provida.
- Apelação do INSS desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e dar provimento à apelação da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
