Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0002769-86.2020.4.03.6328
Relator(a)
Juiz Federal OMAR CHAMON
Órgão Julgador
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
26/10/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 03/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
LAUDO PERICIAL FAVORÁVEL. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO NA DATA DE INÍCIO
DA INCAPACIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE O CONTRARIEM. PROCEDÊNCIA
DO PEDIDO. RECURSO PROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002769-86.2020.4.03.6328
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: EDVALDO RICARDO
Advogado do(a) RECORRENTE: NATALIA LUCIANA BRAVO - SP282199-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002769-86.2020.4.03.6328
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: EDVALDO RICARDO
Advogado do(a) RECORRENTE: NATALIA LUCIANA BRAVO - SP282199-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A parte autora ajuizou ação objetivando a concessão/restabelecimento de benefício por
incapacidade.Proferida sentença, o pedido foi julgado improcedente em razão da perda da
qualidade de segurado.Desta forma, interpõe a parte autora o presente recurso postulando a
ampla reforma da sentença.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002769-86.2020.4.03.6328
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: EDVALDO RICARDO
Advogado do(a) RECORRENTE: NATALIA LUCIANA BRAVO - SP282199-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Requisitos
Os requisitos exigidos pela lei para a concessão de aposentadoria por incapacidade
permanente ou do auxílio por incapacidade temporária são os seguintes: a) a condição de
segurado da parte requerente, mediante prova de sua filiação ao sistema da Previdência Social;
b) a comprovação de ser a parte requerente incapaz permanente ou temporariamente para o
trabalho; c) a manutenção da sua condição de segurado na data do evento que determina a
concessão desse benefício, ou seja, da incapacidade; d) o cumprimento da carência.
Incapacidade
A mera existência de uma doença, por si só, não gera o direito a benefício por incapacidade.
Tanto o auxílio por incapacidade temporária quanto a aposentadoria por incapacidade
permanente pressupõem a existência de incapacidade laborativa, decorrente da instalação de
uma doença ou lesão, sendo que a distinção entre tais benefícios reside na intensidade de risco
social que acometeu o segurado, assim como a extensão do tempo pelo qual o benefício
poderá ser mantido.
O auxílio por incapacidade temporária será concedido quando o segurado ficar incapacitado
total e temporariamente para exercer suas atividades profissionais habituais, devendo-se
entender como habitual a atividade para a qual o interessado está qualificado e que desenvolvia
antes do evento incapacitante.
A aposentadoria por incapacidade permanente, por sua vez, é devida quando o segurado ficar
incapacitado total e definitivamente de desenvolver qualquer atividade laborativa e for
insusceptível de reabilitação para o exercício de outra atividade, adequada a sua escolaridade
formal, que lhe garanta a subsistência.
Nova perícia ou esclarecimentos.
Considerando a condição do magistrado de destinatário da prova (artigo 370, CPC/2015), é
importante frisar que “só ao juiz cabe avaliar a necessidade de nova perícia” (JTJ 142/220,
197/90, 238/222). De tal forma, compete apenas ao juiz apreciar a conveniência de realização
de nova avaliação, bem como o acolhimento de quesitos complementares (artigo 470, I c/c
artigo 480, CPC/2015), sendo certo que “o julgamento antecipado da lide tem total amparo
legal, decorrente da aplicação do CPC 330, I, não se configurando afronta aos CPC 425 e
331”.(STJ, 6ª Turma, AI 45.539/MG, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em
16/12/1993, decisão monocrática, DJ de 08/02/1994, grifos nossos).
É importante registrar que a simples contrariedade entre as conclusões dos laudos trazidos pela
parte ou pelo INSS, no processo administrativo, com as conclusões do perito judicial não é
suficiente para que seja convertido o julgamento em diligência, para a produção de novo laudo.
Novo laudo exige desqualificação do primeiro, seja em face de sua superficialidade ou omissão,
seja em face de baixa qualidade técnica. De outra forma, jamais o processo se encerraria, pois
sempre a parte descontente poderia requerer uma terceira perícia, para “desempatar”.
Qualidade de segurado
A qualidade de segurado se adquire com a filiação ao Regime Geral da Previdência Social –
RGPS, ou seja, com o exercício de atividade remunerada. Contudo, a lei estabelece um lapso
temporal denominado período de graça no qual, ainda que o segurado não esteja exercendo
atividade remunerada ou efetivando recolhimentos, não perderá a qualidade de segurado,
fazendo jus, portanto, a eventual benefício (artigo 15, Lei n.º 8.213/1991).
Importa ressaltar que o ordinário se presume e o extraordinário se prova. Há presunção relativa
de incapacidade preexistente, na hipótese de segurado que permaneceu, sem efetivar
contribuições, por longos anos e que volta a contribuir pouco antes de pleitear benefício por
incapacidade. Nessa hipótese, inclusive, a data indicada pela perícia pouco significa, tendo em
vista que a perícia se fundamenta nos documentos trazidos pela parte interessada. Portanto,
deverá, nesse caso, o segurado esclarecer a razão pela qual voltou a contribuir, após longos
anos. O ônus da prova é do segurado, nesse caso.
A aludida regra é decorrente da natureza do sistema previdenciário, que nada mais é que um
sistema de seguro social. Caso fosse admitido o pagamento de contribuições posteriores à
contingência social contra a qual visa a lei assegurar o trabalhador, como uma doença
incapacitante, não haveria mais previdência pois o trabalhador passaria a recolher as
contribuições apenas se necessitasse de um benefício.
Sob esta ótica, o sistema deixaria de ser mutualista e solidário e passaria a ter caráter
estritamente individual, já que o trabalhador deixaria de contribuir para todo o sistema, isto é,
para o pagamento de todos os benefícios a serem concedidos pelo regime previdenciário,
fraudando a concepção “securitária” do sistema.
Carência
Em regra, para os benefícios por incapacidade a carência corresponde a 12 (doze)
contribuições mensais, salvo se a incapacidade for decorrente de acidente de qualquer
natureza e causa; de acidente do trabalho ou doença ocupacional ou ainda se tiver origem em
doenças graves, previstas na legislação, que dispensam a carência: tuberculose ativa,
hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e
incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,
nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da
deficiência imunológica adquirida (AIDS), contaminação por radiação, com base em conclusão
da medicina especializada e hepatopatia grave. Referido rol, conforme a jurisprudência
majoritária, é meramente exemplificativo. Todavia, a doença deverá ser comprovadamente
grave, para que haja a dispensa da carência.
Caso concreto
No presente caso, o autor nasceu em 01/01/1965, cursou o primeiro grau e refere como
atividade habitual a função de mecânico.
Consta nos autos que o autor esteve em gozo de benefício de auxílio por incapacidade
temporária no período de 26/07/2016 a 20/09/2018, concedido judicialmente.
A perícia médica judicial concluiu que a patologia (cirrose hepática) que acomete o autor lhe
incapacita total e permanentemente para o trabalho desde 20/11/2020 (data da perícia).
Destaco trechos do laudo pericial:
“(...)
2. Em caso afirmativo, esta doença ou lesão o incapacita para seu trabalho ou sua atividade
habitual? Discorra sobre a lesão incapacitante tais como origem, forma de manifestação,
limitações e possibilidades terapêuticas.
Sim. Incapacita total e permanentemente. Hepatopatia alcoólica é a doença hepática causada
pelo consumo excessivo de álcool. Seu espectro compreende a esteatose hepática, a esteato-
hepatite (semelhante à não-alcoólica), a hepatite alcoólica e o estágio final da doença, a cirrose
hepática. Nesta atual perícia o periciado se apresenta desnutrido, com perda de massa
muscular, telengectasia, distribuição pilosa ginecoide. Apresenta também perda visual do lado
direito, perda de capacidade motora em membros superiores, perda de capacidade de
deambulação. Atualmente se encontra em tratamento medicamentoso, mas tem indicação de
transplante de fígado.
3. Caso a incapacidade decorra de doença, é possível determinar a data de início da doença?
24/08/2016 baseado em relatório médico do laudo pericial do INSS (CNIS).
4. Constatada a incapacidade, é possível determinar se esta decorreu de agravamento ou
progressão de doença ou lesão?
Agravamento.
4.1. Caso a resposta seja afirmativa, é possível estimar a data e em que se baseou para fixar a
data do agravamento ou progressão.
Data de 20/09/2018 baseado em atestado médico da Dr Giovana Palopoli Malacrida CRM
109202, onde relata que o periciado já avaliado pela equipe de transplante hepático.
5. É possível determinar a data de início da incapacidade? Informar ao juízo os critérios
utilizados para a fixação desta data, esclarecendo quais exames foram apresentados pelo autor
quando examinado e em quais exames baseou-se para concluir pela incapacidade e as razões
pelas quais agiu assim.
Data desta atual perícia 20/11/2020. Para a confecção do presente trabalho pericial foi realizada
anamnese, exame físico, análise dos documentos médico legais de interesse ao caso e revisão
da literatura médica sendo constatado que o autor apresenta-se desnutrido, com perda de
massa muscular, telengectasia, distribuição pilosa ginecoide. Apresenta também perda visual
do lado direito, perda de capacidade motora em membros superiores, perda de capacidade de
deambulação. Não trouxe outros atestados médicos mais recentes.
(...)
12. CONCLUSÃO: Analisando todos os laudos médicos emitidos, de interesse para o caso e
correlacionando-os com a história clínica atual, e antecedente profissiográficos, concluo que o
Periciado é portador de hepatopatia (cirrose hepática) de possível etiologia alcoólica.
Apresentando-se desnutrido, com perda de massa muscular, telengectasia, distribuição pilosa
ginecoide, perda visual do lado direito, perda de capacidade motora em membros superiores,
perda de capacidade de deambulação. Atualmente está em tratamento medicamentoso e
possível transplante hepático. Apresenta incapacidade total e permanente para o exercício de
suas atividades laborativas.
(...)”
Em consulta ao CNIS anexo aos autos verifico que após a cessação do benefício em
20/09/2018 o autor não verteu recolhimentos ao RGPS, mantendo a qualidade de segurado até
15/11/2019.
Embora o perito tenha fixado a data de início da incapacidade somente em na data da perícia,
verifico que afirma que houve agravamento da patologia em “20/09/2018 baseado em atestado
médico da Dr Giovana Palopoli Malacrida CRM 109202, onde relata que o periciado já avaliado
pela equipe de transplante hepático.”.
Observo, também, que a perícia médica realizada nos autos do processo nº 0001744-
43.2017.4.03.6328, que fundamentou a concessão do benefício por incapacidade, descreve
quadro incapacitante semelhante ao encontrado nos presentes autos, vejamos:
“(...)
HISTÓRICO:
Periciando com 51 anos de idade; em bom estado geral de saúde; afebril; orientado em relação
ao tempo e espaço, porém emagrecido, e ictérico +, relata desanimo, fraqueza, inapetência e
ex-alcoólatra O autor no momento da perícia estava desacompanhado.
Relata o autor que tem como última profissão mecânico, e que desde dos 14 anos de idade faz
uso de bebida alcoólica,(Alcoolismo), foi então que em 2016 começou a ficar muito debilitado,
emagrecido, desnutrido, ictérico e na região abdominal teve acúmulo de líquido(Ascite) e após
realizar vários exames foi diagnosticado com Cirrose Hepática Alcoólica, então vem sendo
acompanhado no AME com especialistas e também sendo encaminhado para São
Paulo(17/03/2017) para uma possível transplante de fígado, porem relata o autor que os
médicos decidiram tentar primeiro o tratamento medicamento e se não houver resultado terá
que realizar o transplante de fígado, segundo informações colhidas, conforme documentos
anexados no processo.
(...)
CONCLUSÃO
Periciando ex-alcoólatra, com 51 anos de idade, como última profissão mecânico, desenvolveu
Cirrose Hepática Alcoólica, apresenta desnutrido, descorado, ictérico e debilitado no momento,
está em acompanhamento médico e uso de medicamento diariamente, para um bom
prognóstico, se isso não ocorrer será necessário transplante de fígado. A incapacidade total e
temporária decorre do exame físico realizado na perícia, bem como constatado através de
todos os exames complementares apresentados pelo periciando nos autos, onde o autor deve
ser reavaliado em um ano a contar desta pericia.
(...)”
Assim, considerando o teor do laudo pericial da ação anterior, a existência de agravamento em
setembro de 2018, o fato de ter sido encaminhado para equipe de transplante hepático e o atual
estado de saúde, entendo que o benefício foi cessado sem que o autor tenha recuperado sua
capacidade laboral, de modo que detinha a qualidade de segurado na data de início da
incapacidade.
Portanto, o autor faz jus ao restabelecimento do benefício de auxílio por incapacidade
temporária cessado em 20/09/2018, bem como sua conversão em aposentadoria por
incapacidade permanente a partir de 20/11/2020 (data da perícia), quando restou comprovada a
existência de incapacidade em caráter total e permanente.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso da parte autora para restabelecer o benefício de
auxílio por incapacidade temporária NB 6153737505 e convertê-lo em aposentadoria por
incapacidade permanente a partir de 20/11/2020 (data da perícia).
Por ocasião da liquidação do julgado, observar-se-á o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos da Justiça Federal (Resolução n. º 134 do Conselho da Justiça Federal), em
sua versão mais recente.
Diante do caráter alimentar do benefício, defiro a tutela de urgência e determino que o INSS
seja oficiado para implantar o benefício em favor da parte autora, no prazo de 45 (quarenta e
cinco) dias.
Sem condenação em custas e honorários.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
LAUDO PERICIAL FAVORÁVEL. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO NA DATA DE
INÍCIO DA INCAPACIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE O CONTRARIEM.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO PROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma decidiu,
por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
