Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0004992-59.2021.4.03.6301
Relator(a)
Juiz Federal OMAR CHAMON
Órgão Julgador
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
03/03/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 08/03/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INCAPACIDADE PARA O TRABALHO. VINCULAÇÃO DO
JUIZ. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE O CONTRARIEM. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
RECURSO IMPROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0004992-59.2021.4.03.6301
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: ALESSANDRO CARBONE ROMANO
Advogado do(a) RECORRENTE: IGOR FELIX CIPRIANO DOS SANTOS - SP321638-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0004992-59.2021.4.03.6301
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: ALESSANDRO CARBONE ROMANO
Advogado do(a) RECORRENTE: IGOR FELIX CIPRIANO DOS SANTOS - SP321638-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A parte autora ajuizou ação objetivando a concessão/restabelecimento de benefício por
incapacidade.
Proferida sentença, o pedido foi julgado improcedente diante da ausência de incapacidade.
Desta forma, interpõe a parte autora o presente recurso postulando a ampla reforma da
sentença.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0004992-59.2021.4.03.6301
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: ALESSANDRO CARBONE ROMANO
Advogado do(a) RECORRENTE: IGOR FELIX CIPRIANO DOS SANTOS - SP321638-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente decreto o sigilo dos presentes autos, nos termos da Lei 14.289/22.
Requisitos
Os requisitos exigidos pela lei para a concessão de aposentadoria por incapacidade
permanente ou auxílio por incapacidade temporária são os seguintes: a) a condição de
segurado da parte requerente, mediante prova de sua filiação ao sistema da Previdência Social;
b) a comprovação de ser a parte requerente incapaz permanente ou temporariamente para o
trabalho; c) a manutenção da sua condição de segurado na data do evento que determina a
concessão desse benefício, ou seja, da incapacidade; d) o cumprimento da carência.
Incapacidade
A mera existência de uma doença, por si só, não gera o direito a benefício por incapacidade.
Tanto o auxílio por incapacidade temporária quanto a aposentadoria por incapacidade
permanente pressupõem a existência de incapacidade laborativa, decorrente da instalação de
uma doença ou lesão, sendo que a distinção entre tais benefícios reside na intensidade de risco
social que acometeu o segurado, assim como a extensão do tempo pelo qual o benefício
poderá ser mantido.
O auxílio por incapacidade temporária será concedido quando o segurado ficar incapacitado
total e temporariamente para exercer suas atividades profissionais habituais, devendo-se
entender como habitual a atividade para a qual o interessado está qualificado e que desenvolvia
antes do evento incapacitante.
A aposentadoria por incapacidade permanente, por sua vez, é devida quando o segurado ficar
incapacitado total e definitivamente de desenvolver qualquer atividade laborativa e for
insusceptível de reabilitação para o exercício de outra atividade, adequada a sua escolaridade
formal, que lhe garanta a subsistência.
Nova perícia ou esclarecimentos.
Considerando a condição do magistrado de destinatário da prova (artigo 370, CPC/2015), é
importante frisar que “só ao juiz cabe avaliar a necessidade de nova perícia” (JTJ 142/220,
197/90, 238/222). De tal forma, compete apenas ao juiz apreciar a conveniência de realização
de nova avaliação, bem como o acolhimento de quesitos complementares (artigo 470, I c/c
artigo 480, CPC/2015), sendo certo que “o julgamento antecipado da lide tem total amparo
legal, decorrente da aplicação do CPC 330, I, não se configurando afronta aos CPC 425 e
331”.(STJ, 6ª Turma, AI 45.539/MG, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em
16/12/1993, decisão monocrática, DJ de 08/02/1994, grifos nossos).
É importante registrar que a simples contrariedade entre as conclusões dos laudos trazidos pela
parte ou pelo INSS, no processo administrativo, com as conclusões do perito judicial não é
suficiente para que seja convertido o julgamento em diligência, para a produção de novo laudo.
Novo laudo exige desqualificação do primeiro, seja em face de sua superficialidade ou omissão,
seja em face de baixa qualidade técnica. De outra forma, jamais o processo se encerraria, pois
sempre a parte descontente poderia requerer uma terceira perícia, para “desempatar”.
Qualidade de segurado
A qualidade de segurado se adquire com a filiação ao Regime Geral da Previdência Social –
RGPS, ou seja, com o exercício de atividade remunerada. Contudo, a lei estabelece um lapso
temporal denominado período de graça no qual, ainda que o segurado não esteja exercendo
atividade remunerada ou efetivando recolhimentos, não perderá a qualidade de segurado,
fazendo jus, portanto, a eventual benefício (artigo 15, Lei n.º 8.213/1991).
Importa ressaltar que o ordinário se presume e o extraordinário se prova. Há presunção relativa
de incapacidade preexistente, na hipótese de segurado que permaneceu, sem efetivar
contribuições, por longos anos e que volta a contribuir pouco antes de pleitear benefício por
incapacidade. Nessa hipótese, inclusive, a data indicada pela perícia pouco significa, tendo em
vista que a perícia se fundamenta nos documentos trazidos pela parte interessada. Portanto,
deverá, nesse caso, o segurado esclarecer a razão pela qual voltou a contribuir, após longos
anos. O ônus da prova é do segurado, nesse caso.
A aludida regra é decorrente da natureza do sistema previdenciário, que nada mais é que um
sistema de seguro social. Caso fosse admitido o pagamento de contribuições posteriores à
contingência social contra a qual visa a lei assegurar o trabalhador, como uma doença
incapacitante, não haveria mais previdência pois o trabalhador passaria a recolher as
contribuições apenas se necessitasse de um benefício.
Sob esta ótica, o sistema deixaria de ser mutualista e solidário e passaria a ter caráter
estritamente individual, já que o trabalhador deixaria de contribuir para todo o sistema, isto é,
para o pagamento de todos os benefícios a serem concedidos pelo regime previdenciário,
fraudando a concepção “securitária” do sistema.
Carência
Em regra, para os benefícios por incapacidade a carência corresponde a 12 (doze)
contribuições mensais, salvo se a incapacidade for decorrente de acidente de qualquer
natureza e causa; de acidente do trabalho ou doença ocupacional ou ainda se tiver origem em
doenças graves, previstas na legislação, que dispensam a carência: tuberculose ativa,
hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e
incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,
nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da
deficiência imunológica adquirida (AIDS), contaminação por radiação, com base em conclusão
da medicina especializada e hepatopatia grave. Referido rol, conforme a jurisprudência
majoritária, é meramente exemplificativo. Todavia, a doença deverá ser comprovadamente
grave, para que haja a dispensa da carência.
Caso concreto
No presente caso, o autor nasceu em 19/04/1976, superior completo em rádio e TV e refere
experiência profissional de operador de câmera autônomo.
Analisando detidamente o laudo pericial médico anexado ao presente feito, verifico que o perito,
especialista em Psiquiatria, Medicina do Trabalho, Medicina Legal e Perícias Médicas, foi
categórico ao afirmar que as patologias (infecção pelo vírus HIV, transtorno misto ansioso e
depressivo) que acometem o autor não o incapacitam para o exercício de suas atividades
habituais e para o trabalho. Destaco trechos do laudo pericial:
“(...)
Histórico
O periciando refere ter sido diagnosticado com a infecção pelo vírus HIV durante o ano de 2010,
ele descreve tratamento médico com coquetel antirretroviral e não se recorda do seu número de
células CD4. O periciando informa que em maio irá realizar exames de sangue para poder
acompanhar os parâmetros do acometimento pelo vírus. Ele nega realizar tratamento para
Hipertensão Arterial Sistêmica e nega realizar tratamento para Diabetes Mellitus. O periciando
nega tabagismo e nega etilismo. O periciando descreve internação hospitalar durante o ano de
2010 quando do diagnostico da infecção pelo vírus HIV, ele relata ter sido diagnosticado
erroneamente como se estivesse acometido por dengue. O periciando nega ter sido submetido
a outras cirurgias e nega ter passado por outras internações hospitalares.
O periciando informa que não realiza atividades laborais informais desde meados de 2010;
relata que trabalhava como operador de câmera e teria interrompido suas atividades laborais
devido a infecção pelo vírus HIV culminando no transtorno depressivo. Atualmente o periciando
refere que permanece em sua residência e nega estar trabalhando
(...)
Exame psiquiátrico
Autocuidado preservado, calmo, colaborativo, vigil, atento.
Ausência de prejuízo de memória.
Pensamento com curso preservado, agregado, ausência de delírios.
Capacidade de compreensão e abstração preservada.
Crítica preservada. Discurso coerente.
Eutímico, afeto preservado. Psicomotricidade normal.
Sem alterações de senso percepção, ilusões ou alucinações.
Ausência de ideação suicida estruturada.
Discussão
Esta discussão médico legal foi embasada nos documentos apresentados e nos elementos
obtidos durante a realização desta perícia médica.
A documentação médica apresentada descreve doença pelo vírus da imunodeficiência humana
(HIV) não especificada (B24), infecção pelo vírus HIV, CD4 1484 e carga viral indetectável
(06/02/2020), infecção aguda das vias aéreas superiores não especificada (J06.9), transtorno
depressivo recorrente (F33), transtorno depressivo recorrente episódio atual grave com
sintomas psicóticos (F33.3), transtorno misto ansioso e depressivo, entre outros acometimentos
descritos (F41.2). A data de início da doença, segundo o histórico referido pelo próprio
periciando, é o ano de 2010, data na qual o periciando refere ter sido diagnosticado com a
infecção pelo vírus HIV, vide histórico descrito no corpo do laudo.
O periciando não apresenta ao exame físico repercussões funcionais incapacitantes que o
impeçam de realizar suas atividades laborais habituais como operador de câmera, como auxiliar
de serviços gerais e como ajudante geral - atividades laborais habituais referidas pelo próprio
periciando.
A incapacidade atual, para realizar atividades laborais habituais, não foi constatada; não há
elementos no exame físico e na documentação médica apresentada que permitam apontar que
a parte autora esteja incapacitada. Não há elementos na documentação médica apresentada
que permitam apontar outros períodos anteriores nos quais houvesse incapacidade laborativa.
Conclusão
Não foi constatada incapacidade laborativa para as atividades laborais habituais. Não se
constata incapacidade laborativa atual.
(...)”.
Instado a prestar esclarecimentos o perito respondeu aos quesitos complementares
apresentados pelo autor e ratificou a conclusão do laudo pericial (Id. 225752088).
Assim, em razão da apontada inexistência de incapacidade para o exercício de atividade
habitual ou para o trabalho, o autor não faz jus ao benefício de auxílio por incapacidade
temporária e tampouco à concessão da aposentadoria por incapacidade permanente.
Não há motivo para afastar as conclusões do perito, pois este as fundou nos documentos
médicos constantes nos autos, bem como em exame clínico realizado. Pela mesma razão,
desnecessária a realização de nova perícia. Também não verifico contradições entre as
informações constantes do laudo aptas a ensejar dúvida em relação ao mesmo, o que afasta
qualquer alegação de nulidade.
A Súmula nº 78 da TNU dispõe que “Comprovado que o requerente de benefício é portador do
vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de
forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social
da doença.”.
No caso em tela o autor é jovem, possui curso superior completo, experiência profissional em
atividade compatível com as patologias apresentadas e, conforme CNIS acostado aos autos (Id.
225751531), continuou desempenhando atividade laboral como autônomo após o início das
doenças.
Os exames demonstram que está assintomático e não há relato de ocorrência reiterada de
doenças oportunistas que estejam relacionadas à contaminação pelo vírus HIV. Observo,
também, que reside em São Paulo/SP, cidade que possui estrutura médico-hospitalar para
tratamento de sua doença.
Por fim, anoto que o autor não trouxe nenhum elemento de prova de que sofreu preconceito no
mercado de trabalho ou na convivência social em face de ser portador do vírus HIV.
Não se desconhece o fato de as pessoas acometidas pela Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida carregarem estigmas lançados pelo preconceito de nossa sociedade em aceitar, com
normalidade, o portador desta enfermidade.
Entretanto, este argumento, por si só, não pode ser utilizado para fins de deferimento de
benefício por incapacidade, uma vez que o direito subjetivo de pessoas portadoras de doenças
incuráveis ou de deficiência à colocação no mercado de trabalho também é constitucionalmente
tutelado e deve ser observado pelo Poder Público, sob pena deste incidir em condenável
omissão e violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.
O reconhecimento automático da incapacidade para o trabalho, pela simples presença do vírus
HIV, não preserva a saúde da pessoa portadora desta enfermidade, mas antes a prejudica,
contribuindo ainda mais para estigmatizá-la, isolando-a do convívio social.
Desta forma, segundo o conjunto probatório colhido nos autos, não verifico a presença de
incapacidade laborativa que autorize o acolhimento do pedido da parte autora.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.
Condeno a parte autora em verba honorária que arbitro em 10% do valor atualizado da causa,
observado o disposto no artigo 98, parágrafo terceiro, do CPC.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INCAPACIDADE PARA O TRABALHO. VINCULAÇÃO
DO JUIZ. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE O CONTRARIEM. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. RECURSO IMPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma decidiu,
por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
