
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000956-64.2019.4.03.6136
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOAO DE FREITAS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO DE FREITAS
Advogado do(a) APELADO: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000956-64.2019.4.03.6136
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOAO DE FREITAS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO DE FREITAS
Advogado do(a) APELADO: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a natureza especial do labor executado no intervalo de 16/5/2016 a 19/11/2018 e determinar sua averbação na contagem de tempo.
Não resignada, a parte autora recorreu. Inicialmente, suscitou cerceamento de defesa. No mérito, reiterou a possibilidade de enquadramento dos lapsos afastados, o que lhe assegura a aposentadoria especial, senão a aposentadoria por tempo contributivo mediante reafirmação da DER, sem fator previdenciário.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, invocando, de início, a remessa oficial. Na questão de fundo, enfatizou a impossibilidade do enquadramento efetuado, sobretudo no tocante à metodologia utilizada na aferição do agente nocivo “ruído” e à necessidade de laudo técnico contemporâneo. Ressalta, ainda, a ausência de prévia fonte de custeio para financiamento da aposentadoria especial. Por cautela, pugnou por observância do período especial até a data do PPP apresentado. A final, deixou prequestionada a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000956-64.2019.4.03.6136
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOAO DE FREITAS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO DE FREITAS
Advogado do(a) APELADO: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Contudo, não se cogita de remessa oficial, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Por outro lado, não visualizo o alegado cerceamento de defesa a ponto de se anular a decisão singular.
Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura.
Nesse passo, a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos vindicados, deve a parte suplicante carrear documentos aptos certificadores das condições insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e permanência, como formulários padrão e laudos técnicos individualizados, cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada, o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Com efeito, compete ao juiz a condução do processo, cabendo-lhe apreciar a questão de acordo com o que está sendo debatido. Dessa forma, o juiz não está obrigado a decidir a lide conforme pleiteado pelas partes, mas, sim, conforme seu livre convencimento, fundado em fatos, provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao caso.
Se não houver dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas atividades laborativas, despicienda revela-se a produção de prova pericial para o julgamento da causa e, por consequência, não estará configurado cerceamento de defesa ou violação de ordem constitucional ou legal.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 6/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
No tocante aos interregnos vindicados, de 2/1/1984 a 31/3/1985, de 1º/4/1985 a 29/11/1985, de 13/1/1986 a 1/7/1986, de 4/7/1986 a 11/1/1987, de 7/4/1987 a 2/5/1987, de 4/5/1987 a 5/12/1987, de 21/3/1988 a 7/5/1988, de 9/5/1988 a 9/12/1988, de 22/1/1991 a 30/4/1991, de 6/5/1991 a 14/11/1991, de 11/2/1992 a 12/12/1992, de 1º/2/1993 a 11/12/1993, de 1º/2/1994 a 10/12/1994, de 14/2/1995 a 16/12/1995, de 23/1/1996 a 13/12/1997, de 3/6/2002 a 10/7/2011, depreende-se dos documentos coligidos aos autos, notadamente PPPs, o exercício das funções de trabalhador rural no setor sucroalcooleiro (plantio, carpa, queima e colheita de cana-de-açúcar), atividade que comporta o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmado nesta Nona Turma (proferido nos autos n. 5062336-76.2018.4.03.9999), em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos.
Sobre o tema, reporto-me a elucidativo artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho: De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/72967>.
Assim, afigura-se plausível o enquadramento especial dessa atividade, seja em razão da extrema penosidade da função seja em virtude da sujeição a agentes insalutíferos carcinogênicos.
Em relação ao intervalo enquadrado como especial, de 17/5/2016 a 14/7/2018 (data do PPP), a parte autora, no exercício das funções de "tratorista" na indústria "Aqropecuária Nossa Senhora do Carmo S/A", logrou comprovar, via perfil profissiográfico regularmente preenchido, exposição habitual a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância para a época de prestação do serviço, o que autoriza o devido enquadramento nos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1 do anexo ao Decreto n. 3.048/1999.
No mais, eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível - 2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Des. Fed. Inês Virgínia, 7T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Des. Fed. Baptista Pereira, 10T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
No mais, questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste enforque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES. FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Por outro giro, não prospera o enquadramento dos vínculos de 9/4/1998 a 5/12/1998 e de 11/7/2011 a 30/4/2015, à míngua de comprovação de exposição a ruído acima dos limites de tolerância, conforme PPP coligido, contando-se como tempo normal.
Igualmente, não cabe reconhecimento do período de 3/9/2001 a 29/1/2002, em virtude da ausência de documentos certificadores da prejudicialidade do ofício de "colhedor de laranjas", computando-se também como tempo comum.
Nesse aspecto, a parte autora não se desincumbiu dos ônus probatórios de carrear PPP válido apto a individualizar sua situação fática e comprovar a especificidade ensejadora do reconhecimento de possível agressividade, inviabilizando, portanto, o enquadramento pretendido.
Destarte, os interstícios supracitados devem ser reconhecidos como especiais e somados aos lapsos incontroversos.
Não obstante, a parte autora não atinge tempo necessário à aposentadoria especial na primeira DER 20/4/2015, de modo que passo à análise dos pressupostos à aposentadoria por tempo de contribuição.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de "pedágio".
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/1991.
Presente também o pressuposto temporal, uma vez que a soma dos períodos reconhecidos aos lapsos incontroversos, até 22/5/2019, consoante pleito recursal, confere à parte autora mais de 35 anos de profissão, tempo suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral, mediante cálculo de acordo com a Lei 9.876/1999, sem incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 96 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei n. 8.213/1991, art. 29-C, I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Contudo, em razão do cômputo de tempo de serviço especial entre a DER e o ajuizamento da ação, o termo inicial do benefício deve ser fixado na citação (cf. TNU, Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei n. 0002863-91.2015.4.01.3506, Rel. Juiz Federal Sérgio de Abreu Brito, publicado em 31/10/2018).
Ademais, importante frisar que não são contemplados pela hipótese de reafirmação da DER (Tema n. 995 do STJ) os casos nos quais o preenchimento dos requisitos ocorre até a data do ajuizamento da ação (vide STJ; 1ª Seção; EDcl nos EDcl do Resp n. 1.727.063/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques; DJ 26/8/2020; DJe 4/9/2020).
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE n. 870.947).
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei 13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a data deste acórdão, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC. Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, tal isenção não exime a Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e dou parcial provimento aos apelos das partes para, nos termos da fundamentação: (i) determinar o enquadramento, como atividade especial, dos períodos de 2/1/1984 a 31/3/1985, de 1º/4/1985 a 29/11/1985, de 13/1/1986 a 1/7/1986, de 4/7/1986 a 11/1/1987, de 7/4/1987 a 2/5/1987, de 4/5/1987 a 5/12/1987, de 21/3/1988 a 7/5/1988, de 9/5/1988 a 9/12/1988, de 22/1/1991 a 30/4/1991, de 6/5/1991 a 14/11/1991, de 11/2/1992 a 12/12/1992, de 1º/2/1993 a 11/12/1993, de 1º/2/1994 a 10/12/1994, de 14/2/1995 a 16/12/1995, de 23/1/1996 a 13/12/1997, de 3/6/2002 a 10/7/2011; (ii) delimitar o enquadramento realizado pela decisão recorrida, de 17/5/2016 a 14/7/2018; (iii) reconhecer o direito à aposentadoria por tempo de contribuição integral desde 22/5/2019; (iv) fixar a data de início do benefício, e respectivos efeitos financeiros, na citação (28/4/2020).
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHADOR RURAL CORTADOR DE CANA. TRATORISTA. RUÍDO. ENQUADRAMENTO. PPP. PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO ENTRE A DER E O AJUIZAMENTO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO FIXADO NA CITAÇÃO. CONSECTÁRIOS.
- Não é o caso de remessa oficial, como quer o INSS, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
- Não há falar em cerceamento de defesa. Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- Depreende-se dos documentos coligidos aos autos o exercício das funções de trabalhador rural no setor sucroalcooleiro (plantio, carpa, queima e colheita de cana-de-açúcar), atividade que comporta o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmado nesta Nona Turma (proferido nos autos n. 5062336-76.2018.4.03.9999), em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos.
- Presença de PPP atestando exposição habitual a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância para a época de prestação do serviço, o que autoriza o devido enquadramento nos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1 do anexo ao Decreto n. 3.048/1999.
- Eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste enfoque.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à parte autora 35 anos de profissão.
- Em razão do cômputo de tempo de serviço entre a DER e o ajuizamento da ação, o termo inicial do benefício deve ser fixado na citação. Precedente.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n. 870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei 13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a data deste acórdão, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC. Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
