Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5001274-94.2020.4.03.6109
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
19/08/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 25/08/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO.
APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ENQUADRAMENTO DE
ATIVIDADE ESPECIAL. AÇOUGUEIRO. AGENTES BIOLÓGICOS. AUSENTES OS
REQUISITOS.
- Inexistindo dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas atividades
laborativas, despicienda revela-se a complementação da prova pericial para o julgamento da
causa, não se configurando cerceamento de defesa ou violação de ordem constitucional ou legal.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- A jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o
enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n.
9.032/1995). Precedentes.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Não demonstrada a especialidade alegada.
- Não atendidos os requisitos para a concessão da aposentadoria especial ou por tempo de
contribuição requeridas.
- Preliminar rejeitada.
- Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001274-94.2020.4.03.6109
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: GILBERTO FERREIRA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANO MELLEGA - SP187942-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001274-94.2020.4.03.6109
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: GILBERTO FERREIRA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANO MELLEGA - SP187942-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
enquadramento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial ou
por tempo de contribuição.
A sentença julgou improcedente o pedido.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação na qual alega o cerceamento ao direito de
produção de provas e requer a procedência integral de seus pleitos.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001274-94.2020.4.03.6109
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: GILBERTO FERREIRA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANO MELLEGA - SP187942-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Nesse passo, não se verifica o cerceamento de defesa alegado.
Nesse sentido, há nos autos prova suficiente para o deslinde da causa.
Assim, inexistindo dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas
atividades laborativas, despicienda revela-se a complementação da prova pericial para o
julgamento da causa, não se configurando cerceamento de defesa ou violação de ordem
constitucional ou legal.
Desse modo, rejeito a alegação de cerceamento do direito de produção de provas.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016,
DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar
completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do
EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
No caso, no que tange aos lapsos requeridos, nos quais a parte autora trabalhou como
açougueiro, coordenador e encarregado de açougue, não obstante a presença de Perfil
Profissiográfico Previdenciário, o enquadramento é inviável.
Com efeito, a exposição a sangue e microrganismos não é suficiente para promover a
especialidade da função do açougueiro.
Nesse sentido, as carnes manipuladas por esse tipo de profissional, nos estabelecimentos
comerciais denominados açougues, são aptas para o consumo humano e livre de agentes
patogênicos infectocontagiosos capazes de causar doenças. Frise-se, ainda, que o alimento
citado é alvo de intensa fiscalização dos órgãos públicos e vigilância sanitária
Outrossim, o referido ofício não se equiparando aos trabalhos exercidos em matadouros.
Ademais, nos açougues também não se vislumbra a exposição habitual e permanente ao frio
que estão submetidos os trabalhadores que estão nos interiores de câmaras frias.
Da mesma maneira, o risco da utilização de facas e objetos cortantes não denota a
periculosidade necessária para determinar a especialidade nos termos da legislação
previdenciária.
O que caracteriza uma atividade como especial é a exposição habitual e permanente a agentes
agressivos prejudiciais à saúde, o que não se verifica nos intervalos em análise.
O caso dos autos retrata exemplo clássico no qual pode o magistrado se valer das máximas da
experiência para afastar, ainda que parcialmente, o laudo ou PPP produzido quando, a toda
evidência, refoge à razoabilidade.
Nessas circunstâncias, não restou configurada a habitualidade e permanência necessárias para
o enquadramento perseguido.
Desse modo, os períodos em comento devem ser computados como tempo de serviço comum.
Por conseguinte, ausentes os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria
especial ou por tempo de contribuição, motivo pelo qual é devida a manutenção da sentença.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e negoprovimento à apelação da parte autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO.
APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ENQUADRAMENTO
DE ATIVIDADE ESPECIAL. AÇOUGUEIRO. AGENTES BIOLÓGICOS. AUSENTES OS
REQUISITOS.
- Inexistindo dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas
atividades laborativas, despicienda revela-se a complementação da prova pericial para o
julgamento da causa, não se configurando cerceamento de defesa ou violação de ordem
constitucional ou legal.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- A jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que
o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Não demonstrada a especialidade alegada.
- Não atendidos os requisitos para a concessão da aposentadoria especial ou por tempo de
contribuição requeridas.
- Preliminar rejeitada.
- Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e negar provimento à apelação da parte
autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
