Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5042957-52.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
01/12/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/12/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - INCAPACIDADE
PARA O TRABALHO - DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS - JUROS DE MORA E
CORREÇÃO MONETÁRIA - HONORÁRIOS RECURSAIS - APELO DESPROVIDO - SENTENÇA
REFORMADA, EM PARTE.
1. Em razão de sua regularidade formal, o recurso foi recebido, nos termos do artigo 1.011 do
CPC/2015.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso
de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de
15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência,
quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial realizado em 29/04/2017, constatou
que a parte autora, rurícola, idade atual de 42 anos, está incapacitada temporariamente para o
exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo oficial.
5. Não obstante conclua que a incapacidade da parte autora é apenas temporária, o perito judicial
afirma, em seu laudo, que não há previsão de recuperação da capacidade laborativa, o que
conduz à conclusão de que o benefício mais, no caso dos autos, é a aposentadoria por invalidez,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
para assim evitar quea parte autora seja submetida, de forma desnecessária, a frequentes
exames médicos periódicos, sendo certoque o referido benefício não évitalício, podendo ser
cessado a qualquer tempona forma prevista no artigo 101 da Lei nº 8.213/91. Nesse caso, as
perícias médicasperiódicas são realizadas, mas com uma frequência menor do que as de auxílio-
doença.
6. A parte autora é pessoa de baixa instrução e sempre se dedicou a atividades de grande
esforço físico, como a de rurícola, que são incompatíveis com as suas condições de saúde.
7. E não se pode ignorar que, nesses ambientes de trabalho, são maiores a estigmatização social
e a discriminação sofridas pelos portadores do vírus HIV, que acabam sendo preteridos nos
processos de seleção para admissão no trabalho, ainda mais considerando que, nessa área, há
muita mão-de-obra disponível.
8. O magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo 436
do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, devendo considerar também aspectos
socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, como no caso dos portadores do vírus
HIV, ainda que assintomáticos. Nesse sentido, a Súmula nº 78/TNU.
9. Não obstante a conclusão negativa do perito judicial, mas considerando as dificuldades
enfrentadas pelos soropositivos para se recolocarem no mercado de trabalho em razão do
preconceito, os riscos que representam para a integridade da parte autora o exercício de
atividades extenuantes e o fato de que a parte autora tem baixa instrução e sempre se dedicou a
atividades braçais e que exigem grandes esforços físicos, é possível conceder a aposentadoria
por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais.
10. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
11. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte
alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos
Tribunais Superiores.
12. Confirmada a tutela anteriormente concedida, vez que presentes os seus requisitos -
verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual
decorre da natureza alimentar do benefício.
13. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11,
como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
14. Desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na
sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do
CPC/2015.
15. Apelo desprovido. Sentença reformada, em parte.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5042957-52.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO GONCALVES
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO BASSOLI GANARANI - SP213210-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5042957-52.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO GONCALVES
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO BASSOLI GANARANI - SP213210-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou benefício
previdenciário de auxílio doença.
A sentença prolatada em 06/11/2017 (ID5625687) julgou procedente o pedido, para condenar o
INSS ao pagamento da aposentadoria por invalidez, a partir da cessação do auxílio doença. As
parcelas em atraso serão acrescidas de juros de mora, nos termos da Lei nº 11.960/2009 e
correção monetária pelo IPCA-E. Honorários advocatícios fixados em 15% do valor das parcelas
vencidas até a sentença. Concedida a antecipação da tutela.
Apela a autarquia sustenta, em síntese, que não restou demonstrada a incapacidade total e
permanente para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, portanto, não faz jus
ao benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Com fundamento na ausência
de incapacidade laboral total e permanente, o Ilustre Relator votou no sentido de afastar a
aposentadoria por invalidez, deferida pela sentença, e conceder, em seu lugar, o auxílio-doença.
E, a par do respeito e da admiração que nutro pelo Ilustre Relator, dele divirjo.
Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso
de aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais
de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (artigo 59).
No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício
provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a
reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade
for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por
invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.
Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está
dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de qualquer
natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e afecções
elencadas no artigo 151 da mesma lei.
Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência,
quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial realizado em 29/04/2017, constatou que
a parte autora, rurícola, idade atual de 42 anos, está incapacitada temporariamente para o
exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo constante do ID5625682:
"Existe incapacidade total e temporária. As limitações referem-se ao emprego de força e
amplitude dos movimentos realizados pelo periciando, que são diminuídos pelas alterações
degenerativas da coluna lombar (de maneira geral) e pela síndrome do túnel do carpo (de
maneira específica). A infecção pelo vírus HIV tem o condão de acarretar sensação de fraqueza,
dor de cabeça, náuseas e inapetência, o que também dificulta a realização de esforços físicos por
períodos de tempo prolongados. Os elementos basilares da conclusão foram os testes
realizados,exames complementares e histórico do autor." (pág. 12)
"26- Sabendo-se que definitiva é a incapacidade laboral irreversível que nao permita reabilitação
profissional para o exercício de outra atividade pergunta-se a incapacidade da parte autora caso
constatada e definitiva?
R:- A incapacidade é por tempo indefinido." (pág. 13)
"P) É possível estimar qual o tempo e o eventual tratamento necessário para que o (a) periciando
(a) se recupere e tenha condição de voltara exercer seu trabalho ou atividade habitual (data de
cessação da incapacidade)?
R:- Não é possível estabelecer com precisão o tempo de duração do tratamento para que o
periciando se recupere, no entanto, o tratamento de suas patologias compreende a utilização de
medicamentos, modificação de hábitos prejudiciais, realização de tratamento fisioterápico e
diminuição dos esforços realizados." (pág. 16)
Não obstante conclua que a incapacidade da parte autora é apenas temporária, o perito judicial
afirma, em seu laudo, que não há previsão de recuperação da capacidade laborativa, o que
conduz à conclusão de que o benefício mais, no caso dos autos, é a aposentadoria por invalidez,
para assim evitar quea parte autora seja submetida, de forma desnecessária, a frequentes
exames médicos periódicos, sendo certoque o referido benefício não évitalício, podendo ser
cessado a qualquer tempona forma prevista no artigo 101 da Lei nº 8.213/91. Nesse caso, as
perícias médicasperiódicas são realizadas, mas com uma frequência menor do que as de auxílio-
doença.
Há que se considerar, ainda, que a parte autora é pessoa de baixa instrução e sempre se dedicou
a atividades de grande esforço físico, como a de rurícola, que são incompatíveis com as suas
condições de saúde.
E não se pode ignorar que, nesses ambientes de trabalho, são maiores a estigmatização social e
a discriminação sofridas pelos portadores do vírus HIV, que acabam sendo preteridos nos
processos de seleção para admissão no trabalho, ainda mais considerando que, nessa área, há
muita mão-de-obra disponível.
Destaco que o magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o
artigo 436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, devendo considerar também os aspectos
socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, como no caso dos portadores do vírus
HIV, ainda que assintomáticos.
Nesse sentido, dispõe a Súmula nº 78 da Turma Nacional de Uniformização:
Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as
condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisara incapacidade em
sentido amplo, em face da elevada estigmatização da doença.
Assim, não obstante a conclusão negativa do perito judicial, mas considerando as dificuldades
enfrentadas pelos soropositivos para se recolocarem no mercado de trabalho em razão do
preconceito, os riscos que representam para a integridade da parte autora o exercício de
atividades extenuantes e o fato de que a parte autora tem baixa instrução e sempre se dedicou a
atividades braçais e que exigem grandes esforços físicos, é possível conceder a aposentadoria
por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais.
Nesse sentido, é o entendimento firmado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
... a jurisprudência do STJ alinhou-se no sentido de que, para a concessão da aposentadoria por
invalidez, o magistrado não está vinculado à prova pericial e pode concluir pela incapacidade
laboral levando em conta os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado.
(AgInt nos EDcl no AREsp nº 884.666/DF, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 08/11/2016)
E, seguindo essa orientação, aquela Egrégia Corte Superior, em decisões monocráticas
terminativas, tem confirmado os julgados dos Tribunais Regionais que, a despeito da conclusão
médico-pericial, mas com base nas condições socioeconômicos, profissionais e culturais do
segurado, vêm concedendo aposentadoria por invalidez a portadores do vírus HIV, ainda que
assintomáticos (REsp nº 1.609.463/MG, Relatora Ministra Assusete Magalhães, DJe 13/11/2017;
AREsp nº 956.184/RS, Relator Ministro Og Fernandes, DJe 26/04/2017; REsp nº 1.610.428/MG,
Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 16/08/2016).
Confiram-se, nesse sentido, os seguintes julgados dos Tribunais Regionais Federais:
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE IGUALDADE.
PROTEÇÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA. PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS.
SINTOMATOLOGIA E CONDIÇÃO ASSINTOMÁTICA. INCAPACIDADE LABORAL. AUXÍLIO-
DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. MODELO BIOMÉDICO, SOCIAL E
INTEGRADO (BIOPSICOSSOCIAL) DA INCAPACIDADE. TUTELA ESPECÍFICA.
IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de
segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a
incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária
(auxílio-doença).
2. A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a
averiguação da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do
segurado, e terá vigência enquanto permanecer ele nessa condição.
3. A correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito
jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas de
uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e
barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento.
4. A experiência de pessoa vivendo com HIV/AIDS requer avaliação quanto à presença de
deficiência em virtude de problemas em funções corporais, que podem resultar, nos termos da
CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde), tanto limitações de
atividade, quanto restrições de participação. Limitações de atividade são, nos termos da CIF,
"dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades" e restrições de
participação, por sua vez, são "problemas que um indivíduo pode enfrentar ao se envolver em
situações de vida".
5. Há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para
AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o
exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada,
se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
oportunidades.
6. Do ponto de vista jurídico constitucional, não se trata de estabelecer uma relação direta entre
sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, e incapacidade laboral decorrente de
estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação
igualitária na vida social, assim como estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente
afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de
capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS.
7. A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e
insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da
pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre
imediatamente o direito ao benefício.
8. Necessidade de avaliação de outros fatores além da condição assintomática ou não, cuja
presença pode importar em obstrução para participação igualitária na vida social, tais como: (a)
intersecção com condição econômica e social; (b) intersecção com pertencimentos identitários
que acarretam discriminação múltipla (como raça, etnia, orientação sexual e identidade de
gênero); (c) qualidade da atenção em saúde acessível à pessoa vivendo com HIV/AIDS; (d)
manifestações corporais diversas experimentadas, como lipodistrofias; (e) contexto social e
cultural onde inserido o indivíduo, englobando, por exemplo, níveis de preconceito e
discriminação, estrutura urbana, inserção e socialização em diversos grupos e corpos sociais
intermediários.
9. Relevância de considerar-se a reemergência da epidemia, acompanhada da fragilização da
participação da sociedade civil e das dificuldades enfrentadas pelo SUS, acrescida do
recrudescimento de forças conservadoras e dissonantes do paradigma dos direitos humanos de
soropositivos, alimentam significativamente os processos sociais de estigmatização de pessoas
vivendo com HIV/AIDS, sejam assintomáticas ou não.
10. É necessário superar a naturalização do paradigma de comparação (soronegativo obviamente
sem sintomas para HIV/AIDS) em face do "diferente" (soropositivo assintomático); atentar para
possíveis circunstâncias diversas daquelas vividas pelo paradigma de comparação (presença de
discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com hiv, independente de
sintomatologia); por fim, ampliar o leque de respostas possíveis, uma vez informada a percepção
pela perspectiva do "diferente" (eventual direito ao benefício, ainda que assintomático,
dependendo do contexto).
11. No caso dos autos, a parte autora é portadora de HIV e possui incapacidade total e
permanente para a atividade laborativa. Considerando que as condições pessoais da parte autora
são absolutamente desfavoráveis e é inviável sua reabilitação profissional, é o caso de concessão
de aposentadoria por invalidez.
12. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do
segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos
provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e
537 do CPC/2015.
13. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos
supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973 e 37 da CF/88.
(TRF4, Apel Reex nº 0001148 -48.2015.4.04.9999/SC, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal
Roger Raupp Rios, de 17/03/2017)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AIDS (HIV).
CONTEXTO SOCIOECONÔMICO. ESTIGMA SOCIAL. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO
PROFISSIONAL. PRECEDENTE. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES
DO MAGISTRADO. INCAPACIDADE CONFIGURADA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE
MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DANOS MORAIS. REMESSA NECESSÁRIA E
APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE
REFORMADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência
exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for
considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta a
subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o
prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e vinte)
dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do
art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
5 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, conforme art. 26, II, da Lei
nº 8.213/91, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social -
RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 do mesmo diploma
legislativo.
6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o
deferimento do benefício se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da
moléstia.
7 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por 24
(vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos termos
do art. 15 e §1º da Lei.
8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 12 (doze)
contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência,
para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei
nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
9 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo, com base em exame
pericial de fls. 228/235, diagnosticou a requerente como portadora "Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida e Depressão". Salientou que a autora deve ser submetida à intensiva assistência
multidisciplinar clínica, psicológica, psiquiátrica e nutricional e que a medicação utilizada para o
controle da sua condição neuropatológica reduz a capacidade de vigília. Consignou que a autora
poderá sofrer preconceito num exame admissional (fl. 235). Concluiu pela incapacidade total e
temporária, desde 04/06/02 (fl. 232).
10 - A CTPS de fls. 24/29 e o extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais em anexo
comprovam que a autora efetuou recolhimentos previdenciários nos seguintes períodos: 18/05/88
a 18/02/89, 19/02/89 a 19/03/90, 11/04/91 a 31/05/91, 29/04/95 a 02/01/97, 03/11/97 a 28/02/99 e
30/03/98 a 04/02. Além disso, o mesmo extrato do CNIS revela que a autora esteve em gozo do
benefício de auxílio-doença de 09/04/99 a 17/05/99 e 04/06/02 a 13/05/09.
11 - Assim, observada a data de início da incapacidade laboral (04/06/02) e histórico contributivo
da autora, verifica-se que ela havia cumprido a carência mínima exigida por lei, bem como
mantinha a qualidade de segurada, quando eclodiu sua incapacidade laboral.
12 - Saliente-se, no entanto, que a análise da incapacidade para o labor, no caso da
imunodeficiência adquirida, deve se dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu
portador, do seu grau de escolaridade, do potencial exibido para recolocação profissional e
reabilitação e, por fim, do ambiente profissional de convivência, eis que muitos dos portadores do
vírus HIV, ainda que assintomáticos, não têm oportunidades de trabalho e são marginalizados
pela sociedade, sofrendo com os constrangimentos, preconceitos e estigmas que giram em torno
da doença; apresentam debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do coquetel que são
submetidos, passam por diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas que dificultam o
exercício de atividade laboral.
13 - Pois bem, no caso em apreço, verifica-se que a requerente sempre desempenhou atividades
braçais (ajudante geral, auxiliar de cozinha, copeira - CTPS de fls. 24/29) e, provavelmente, vive
em um ambiente social hostil a referida patologia, no qual a AIDS é estigmatizada, sobretudo, em
razão do desconhecimento acerca de sua forma de transmissão, decorrente da própria condição
socioeconômica das pessoas que fazem parte do seu convívio.
14 - Destaca-se, do laudo pericial, o seguinte trecho: "Sem antes nada sentir, 1999 começou com
fraqueza e lesão de pele, foi no médico fez exame (herpes zoster), HIV positiva e hepatite viral
tipo C. Trata depressão e ansiedade" (fl. 229). Ademais, conforme relatório médico fornecido pela
Secretaria de Estado da Saúde, Coordenação e Controle de Doenças (SP), a autora apresenta
diagnósticos de: infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida, depressão grave, fibromialgia,
neuropatia periférica (provavelmente desencadeada pelo HIV e potencializada por algumas
drogas do tratamento antirretroviral-ARV), HPV, hepatite viral C e DM tipo II.
15 - O CNIS da autora revela que o trabalho para prover a subsistência sempre integrou o seu
cotidiano e o afastamento profissional decorreu do diagnóstico do HIV positivo. Precedente: Ag
em AC 0006313-40.2014.4.03.9999/SP, 7ª Turma, relator Desembargador Federal Toru
Yamamoto, DJE 23.09.2016.
16 - Dessa forma, pelo diagnóstico apresentado, a idade da autora (56 anos), a falta de
qualificação profissional, o histórico laborativo indicativo da busca do autossustento por meio de
sua força de trabalho e o ambiente profissional de convívio, somado à depressão, tem-se por
presente a incapacidade absoluta e definitiva para o exercício de atividade que lhe garanta a
subsistência.
17 - Sendo assim, de rigor a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez.
18 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
19 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
20 - Honorários advocatícios. De acordo com o entendimento desta Turma, estes devem ser
reduzidos para 10% (dez por cento) incidente sobre a condenação, entendida como o valor das
parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula nº 111 do Superior Tribunal de
Justiça). Isto porque, de um lado, o encargo será suportado por toda a sociedade - vencida no
feito a Fazenda Pública - e, do outro, diante da necessidade de se remunerar adequadamente o
profissional, em consonância com o disposto no art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil.
21 - Afastado o pedido de indenização por danos morais, eis que a reparação em questão
pressupõe a prática inequívoca de ato ilícito que implique diretamente lesão de caráter não
patrimonial a outrem, inocorrente nos casos de indeferimento ou cassação de benefício, tendo a
Autarquia Previdenciária agido nos limites de seu poder discricionário e da legalidade, mediante
regular procedimento administrativo, o que, por si só, não estabelece qualquer nexo causal entre
o ato e os supostos prejuízos sofridos pelo segurado. Precedentes desta Corte: TRF3: 7ª Turma,
AGr na AC nº 2014.03.99.023017-7, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, D.E 28/03/2016; AC nº
0002807-79.2011.4.03.6113, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, D.E 28/10/2014.
22 - Remessa necessária e apelação do INSS parcialmente providas. Sentença parcialmente
reformada. Ação julgada parcialmente procedente.
(TRF3, Apel Reex nº 0000534-82.2009.4.03.6183/SP, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal
Carlos Delgado, DE 17/05/2018)
Quanto ao preenchimento dos demais requisitos (condição de segurado e cumprimento da
carência), a matéria não foi questionada pelo INSS, em suas razões de apelo, devendo subsistir,
nesse ponto, o que foi estabelecido pela sentença.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos
no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo
Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período
em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-e, critério
estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso
Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e
confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS.
Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte
alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos
Tribunais Superiores.
Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o
perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício -, confirmo a tutela
anteriormente concedida.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como
um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
Assim, desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na
sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do
CPC/2015.
No tocante aos critérios de juros de mora e correção monetária, acompanho o voto do Ilustre
Relator, para alterá-los, de ofício.
Ante o exposto, DETERMINO, DE OFÍCIO, a alteração de juros de mora e correção monetária,
nos termos do voto do Ilustre Relator, e, dele divergindo em parte, para manter a concessão de
aposentadoria por invalidez, NEGO PROVIMENTO ao apelo, condenando o INSS ao pagamento
de honorários recursais, na forma antes delineada. Mantenho, quanto ao mais, a sentença
apelada.
É COMO VOTO.
/gabiv/asato
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5042957-52.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO GONCALVES
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO BASSOLI GANARANI - SP213210-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015 e que a matéria
impugnada pelo INSS se limita à existência de incapacidade, restam, portanto, incontroversas as
questões atinentes à carência e à qualidade, limitando-se o julgamento apenas à insurgência
recursal.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do
benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da
carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade
que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos
nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
É dizer: a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a
subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade
total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão
do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a
concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade
habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência
pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de
segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça,
durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Também é considerado
segurado aquele que trabalhava, mas ficou impossibilitado de recolher contribuições
previdenciárias em razão de doença incapacitante.
Nesse passo, acresça-se que no que toca à prorrogação do período de graça ao trabalhador
desempregado, não obstante a redação do §2º do artigo 15 da Lei nº. 8.213/1991 mencionar a
necessidade de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social para tanto, o
Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei
Federal (Pet. 7.115), firmou entendimento no sentido de que a ausência desse registro poderá ser
suprida quando outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal, se revelarem aptas
a comprovar a situação de desemprego.
A perda da qualidade de segurado está disciplinada no §4º desse dispositivo legal, ocorrendo no
dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de
competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de
segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o
término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus
dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do
tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário,
conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a
punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período
laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a
concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º
8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias
do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado
o disposto no art. 26:I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições
mensais;".
Por fim, não será devido o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez ao segurado que se
filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como
causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou
agravamento da doença ou da lesão (art. 42, § 2º e 59, § 1º da Lei 8213/91).
No caso concreto.
O autor, trabalhador rural, 39 anos de idade no momento da perícia médica, afirma que é portador
de doenças de natureza ortopédicas e HIV, estando incapacitado para o trabalho.
O laudo médico pericial elaborado em 29/04/2017 (ID 5625682) revela que a parte autora é
portadora de alterações degenerativas de coluna lombar; síndrome do túnel do carpo e infecção
pelo vírus HIV. Conclui pela existência de incapacidade total e temporária para atividades
habituais. As limitações referem-se ao emprego de força e amplitude dos movimentos realizados
pelo periciando, que são diminuídos pelas alterações degenerativas da coluna lombar (de
maneira geral) e pela síndrome do túnel do carpo (de maneira específica). A infecção pelo vírus
HIV tem o condão de acarretar sensação de fraqueza, dor de cabeça, náuseas e inapetência, o
que também dificulta a realização de esforços físicos por períodos de tempo prolongados. Existe
a possibilidade de recuperação, porém não é possível determinar o tempo necessário para que
esta aconteça. Os sintomas apresentados podem ser atenuados com tratamento medicamentoso
e fisioterápico.
O restante do conjunto probatório trazidos aos autos (exames e atestados médicos – ID 5625647
a 63) corrobora a conclusão da perícia médica judicial no sentido da existência de incapacidade
da parte autora.
No entanto, aponto ausente qualquer documento médico apto a comprovar a existência de
incapacidade total e permanente, a possibilitar a concessão da aposentadoria por invalidez.
Mesmo os atestados carreados aos autos pela parte autora indicam apenas a existência de
enfermidades e incapacidade por tempo determinado.
Depreende-se do conjunto probatório que a doença que acomete a parte autora é passível de
tratamento e que neste atual momento não é possível precisar se a requerente conseguirá
retomar sua atividade habitual podendo, entretanto, voltar a exercê-la se submetido ao tratamento
adequado.
Desse modo, não estando evidenciada a existência de incapacidade total e permanente para o
trabalho, não se pode simplesmente presumi-la, razão pela qual incabível a concessão da
aposentadoria por invalidez.
Assim, constatada a existência de incapacidade laboral total e temporária, com restrição para a
atividade habitual, de rigor a concessão/manutenção do auxílio doença.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do
entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de
repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp
1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas
monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de
Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da
conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à
TR – Taxa Referencial.
Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos
efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no
julgamento realizado em 03.10.2019.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao apelo do INSS, para conceder o auxílio-doença e,
de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, nos termos da
fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - INCAPACIDADE
PARA O TRABALHO - DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS - JUROS DE MORA E
CORREÇÃO MONETÁRIA - HONORÁRIOS RECURSAIS - APELO DESPROVIDO - SENTENÇA
REFORMADA, EM PARTE.
1. Em razão de sua regularidade formal, o recurso foi recebido, nos termos do artigo 1.011 do
CPC/2015.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso
de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de
15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência,
quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial realizado em 29/04/2017, constatou
que a parte autora, rurícola, idade atual de 42 anos, está incapacitada temporariamente para o
exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo oficial.
5. Não obstante conclua que a incapacidade da parte autora é apenas temporária, o perito judicial
afirma, em seu laudo, que não há previsão de recuperação da capacidade laborativa, o que
conduz à conclusão de que o benefício mais, no caso dos autos, é a aposentadoria por invalidez,
para assim evitar quea parte autora seja submetida, de forma desnecessária, a frequentes
exames médicos periódicos, sendo certoque o referido benefício não évitalício, podendo ser
cessado a qualquer tempona forma prevista no artigo 101 da Lei nº 8.213/91. Nesse caso, as
perícias médicasperiódicas são realizadas, mas com uma frequência menor do que as de auxílio-
doença.
6. A parte autora é pessoa de baixa instrução e sempre se dedicou a atividades de grande
esforço físico, como a de rurícola, que são incompatíveis com as suas condições de saúde.
7. E não se pode ignorar que, nesses ambientes de trabalho, são maiores a estigmatização social
e a discriminação sofridas pelos portadores do vírus HIV, que acabam sendo preteridos nos
processos de seleção para admissão no trabalho, ainda mais considerando que, nessa área, há
muita mão-de-obra disponível.
8. O magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo 436
do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, devendo considerar também aspectos
socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, como no caso dos portadores do vírus
HIV, ainda que assintomáticos. Nesse sentido, a Súmula nº 78/TNU.
9. Não obstante a conclusão negativa do perito judicial, mas considerando as dificuldades
enfrentadas pelos soropositivos para se recolocarem no mercado de trabalho em razão do
preconceito, os riscos que representam para a integridade da parte autora o exercício de
atividades extenuantes e o fato de que a parte autora tem baixa instrução e sempre se dedicou a
atividades braçais e que exigem grandes esforços físicos, é possível conceder a aposentadoria
por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais.
10. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
11. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte
alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos
Tribunais Superiores.
12. Confirmada a tutela anteriormente concedida, vez que presentes os seus requisitos -
verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual
decorre da natureza alimentar do benefício.
13. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11,
como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
14. Desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na
sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do
CPC/2015.
15. Apelo desprovido. Sentença reformada, em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO
JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DETERMINAR, DE OFÍCIO,
A ALTERAÇÃO DE JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA E, POR MAIORIA, NEGAR
PROVIMENTO AO APELO, NOS TERMOS DO VOTO DA DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA, COM
QUEM VOTARAM O DES. FEDERAL TORU YAMAMOTO E O DES. FEDERAL LUIZ
STEFANINI, VENCIDOS O RELATOR E O DES. FEDERAL CARLOS DELGADO QUE DAVAM
PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO INSS. LAVRARÁ O ACÓRDÃO A DES. FEDERAL
INÊS VIRGÍNIA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
