
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005097-41.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NANCI CAVALHEIRO NUNES
Advogados do(a) APELADO: JAYSON FERNANDES NEGRI - SP210924-S, JEFFERSON FERNANDES NEGRI - SP162926-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005097-41.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NANCI CAVALHEIRO NUNES
Advogados do(a) APELADO: JAYSON FERNANDES NEGRI - MS11397-S, JEFFERSON FERNANDES NEGRI - SP162926-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizada em 1º/07/2021, que tem por objeto a concessão de aposentadoria por invalidez ou o restabelecimento de auxílio-doença, a partir da cessação administrativa deste último (23/06/2021), com pedido de tutela de urgência.
O feito foi sentenciado em 15/02/2023. O pedido foi julgado procedente, para conceder auxílio-doença à autora a partir de 23/06/2021 e a conversão de tal benefício em aposentadoria por invalidez, a partir da sentença. Sobre as parcelas devidas, determinou-se a aplicação de correção monetária pelo IPCA-e e de juros de mora, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. Após o advento da EC nº 113/2021, comandou-se a observância da SELIC nos acréscimos legais determinados. Honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, §3º, I, do CPC), observada a Súmula nº 111 do STJ. O INSS foi condenado ao pagamento das custas processuais.
O INSS interpôs apelação. Nas razões desfiadas alega, em síntese, que a autora não preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença, uma vez de que não constatada incapacidade laborativa para sua atividade habitual. Sustenta, ainda, a impossibilidade de concessão de auxílio-acidente, diante da ausência de comprovação de acidente de qualquer natureza. Subsidiariamente, pugna pelo reconhecimento da prescrição quinquenal; requer que a parte seja intimada a firmar a autodeclaração prevista na Portaria INSS nº 450/2020, em atenção à EC nº 103/2019; que a autora seja intimada a renunciar expressamente aos valores que excedam o teto de 60 (sessenta) salários-mínimos na data do ajuizamento da ação ou no curso do processo, na forma da Lei nº 9.099/1995; que seja observada a Súmula nº 111 do STJ na base de cálculo da verba honorária; a isenção de custas; o desconto de valores já pagos administrativamente ou decorrente de benefício inacumulável e a determinação de restituição de valores pagos indevidamente a título de tutela antecipada posteriormente revogada.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005097-41.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NANCI CAVALHEIRO NUNES
Advogados do(a) APELADO: JAYSON FERNANDES NEGRI - MS11397-S, JEFFERSON FERNANDES NEGRI - SP162926-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Não se conhece de considerações totalmente divorciadas dos termos da decisão atacada, lançadas genericamente e sem correspondência ao que foi decidido (auxílio-acidente e aplicação da Súmula 111 do STJ nos honorários da sucumbência), mesmo que ao abrigo de pretensa eventualidade, porque descumprem o princípio da dialeticidade (art. 1.010, III, do CPC).
Tutela antecipada não foi deferida e, portanto, a revogação dela com a restituição dos valores correlatos configura pedido recursal juridicamente impossível. Seja destacado que, conforme consulta atualizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, a autora não está em gozo de benefício por incapacidade.
Dessa maneira, conhece-se em parte do recurso.
Pretende-se benefício por incapacidade.
Os artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91 dão regramento à matéria, nos seguintes termos:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição” (ênfases colocadas).
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos” (grifos apostos).
Eis portanto os requisitos que em um e outro caso se exigem: (i) qualidade de segurado; (ii) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (iii) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar e (iv) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão de doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo copiado e §1º do segundo).
Percebo que a autora, nascida em 04/03/1960 (ID 282159043 – Pág. 11), esteve em gozo de auxílio-doença previdenciário no período compreendido entre 18/04/2016 e 23/06/2021, em decorrência da ação judicial nº 0800439-10.2017.8.12.0054 (primeiro grau) e ReexNec nº 5000952-44.2020.4.03.9999 (grau recursal) (ID 282159043 – Págs. 72/107 e 114 e consulta atualizada ao sistema CNIS).
À busca de concessão/restabelecimento de benefício por incapacidade, a autora ajuizou a presente ação em 1º/07/2021.
Em suas dobras, aos rigores do devido processo legal, exame médico-pericial foi elaborado 03/05/2022 (ID 282159043 – Págs. 167/182).
Os achados revelam que a autora – cozinheira na roça e com escolaridade correspondente à 2ª série do ensino fundamental – padece de lombociatalgia (CID M51.1), lesões inflamatórias nos ombros (CID M25.5), dor no cotovelo direito (CID M77.0), hipertensão arterial (CID I10), obesidade (CID E66) e diabetes (CID E10).
O senhor Louvado enxergou na autora quadro de incapacidade parcial e permanente. Expôs no trabalho pericial levantado que: “Considerando que as lesões inflamatórias dos membros superiores são causadas pelo uso excessivo das articulações, é condição indispensável que a Autora não retorne às atividades que antes exercia e deram origem às lesões” (ID 282159043 – Pág. 179), daí por que “dificilmente, haverá possibilidade de reabilitação profissional para a Autora devido a sua idade, limitações e baixa escolaridade” (ID 282159043 – Pág. 181).
Fixou a data de início da incapacidade em 2021 (ID 282159043 – Págs. 180 e 182).
É consabido que, uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, compete ao juiz analisar as condições pessoais e sociais do segurado para avaliar a possibilidade de concessão de aposentadoria por invalidez (Súmula 47 da TNU).
Trata-se de pessoa com 64 (sessenta e quatro) anos de idade, como apontado. Completou o 2º (segundo) ano primário e desempenhou, predominantemente, atividades de natureza braçal.
Conforme consulta realizada ao Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, a autora efetuou recolhimentos como empregada doméstica, de 1º/04/2008 a 31/10/2008 e de 1º/12/2008 a 31/07/2009. Registra vínculos de emprego com os empregadores “Sandro Rodrigo Garcia” e "Carlos Alberto Barbosa", de 11/01/2010 a 21/05/2010 e de 1º/03/2015 a 04/04/2016 como “trabalhadora agropecuária em geral”, e com “Nelson Ademir Pagani”, de 28/12/2020 a 12/04/2021, como “cozinheira em geral”.
A concessão judicial de auxílio-doença à autora, no período de 18/04/2016 a 23/06/2021, deveu-se ao fato de ser portadora de hipertensão arterial e diabetes mellitus insulino dependente descompensada (ID 282159043 – Págs. 72/83), mesmas patologias identificadas na perícia judicial aqui realizada. A autora não foi submetida a processo de reabilitação profissional (ID 282159043 - Págs. 134/136 e 214/217 e consulta ao sistema SIBE).
A essa altura nada autoriza supor que a autora -- incapacitada principalmente em razão de doença inflamatória articular nos membros superiores, aliada à patologia na coluna, obesidade, hipertensão e diabetes --, possa reabilitar-se para diferente atividade profissional. Com a idade que soma, preparo e experiência profissional angariados, vis-à-vis com a moléstia e limitação que a assolam, é improvável que consiga reengajar-se no concorrido e recessivo mercado de trabalho com a conformação atual, como observado na perícia, mesmo que elegível a procedimento de reabilitação profissional.
Dessa maneira, numa análise mais abrangente da proteção social que o caso suscita, a incapacidade verificada há de ser tida como total e definitiva, já que não é só o aspecto médico-funcional que deve ser levado em conta, como está assente no C. STJ (REsp n. 1.563.551/SC) e na TNU (Súmula 47 citada).
Não custa remarcar que os requisitos qualidade de segurada e carência, que se encontravam presentes para o pleito e deferimento do benefício por incapacidade anterior, não se esvaneceram, de vez que conserva filiação previdenciária quem se acha no gozo de benefício (artigo 15, I, da Lei nº 8.213/91) e não a perde por ausência de contribuições quem está incapacitado (STJ, AgRg no REsp n. 1.245.217/SP, 5ª. Turma, Rel. o Min. Gilson Dipp, p. de 20/06/2012).
A hipótese é mesmo assim de auxílio-doença, a partir de 24/06/2021, dia seguinte à cessação do benefício NB 634.151.604-9, até 14/02/2023, e de aposentadoria por invalidez a contar de 15/02/2023 (data da sentença), como decidido no nobre juízo de origem, sem impugnação recursal.
Assinalo que, tratando-se de obrigação de trato sucessivo, o fundo do direito não prescreve. A prescrição atinge apenas as prestações que recuam além do quinquênio anterior à propositura da ação (Súmula nº 85, STJ). No caso, a ação foi movida em 1º/07/2021 postulando efeitos patrimoniais a partir de 24/06/2021, razão pela qual aludida objeção não merece vingar.
Ajusto e esclareço a incidência dos acréscimos legais.
À autora serão pagas, de uma única vez, as prestações vencidas desde a data de início do benefício fixada neste julgado, descontando-se o período em que tenha comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, aplicadas as diretrizes do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Não prospera a alegação do INSS quanto à necessidade de apresentação da “Autodeclaração” prevista no Anexo I, da Portaria INSS nº 450, de 03/04/2020 e art. 24, §§1º e 2º, da EC nº 103/2019, por se tratar de procedimento a ser realizado unicamente na seara administrativa.
A renúncia expressa aos valores que excedam o teto de 60 (sessenta) salários mínimos na hipótese da Lei nº 9.099/95 não se aplica ao presente feito, porque tramitou perante a Vara Única de Nova Alvorada do Sul/MS.
No Estado de Mato Grosso do Sul, a parcela de custas processuais devidas pela Autarquia Previdenciária por ela será paga no final do processo, nos termos do artigo 91 do CPC e da Lei Estadual nº 3.779/2009, a qual revogou a isenção concedida na legislação estadual pretérita.
Majoro em 2% (dois por cento) os honorários advocatícios sucumbenciais fixados na sentença apelada, em obediência ao artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC.
Presentes os requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil, a saber, perigo na demora e plausibilidade do direito alegado, CONCEDO À AUTORA A TUTELA DE URGÊNCIA, determinando a implantação da aposentadoria por invalidez deferida, em até 45 (quarenta e cinco) dias da intimação desta decisão.
Comunique-se ao INSS, via sistema, o teor do presente julgado, com vistas à implantação da aposentadoria por invalidez deferida.
Diante do exposto, não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. ANÁLISE DE CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS. TERMO INICIAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. AUTODECLARAÇÃO DE NÃO CUMULAÇÃO. RENÚNCIA AO TETO DA LEI Nº 9.099/1995. CUSTAS.
- Não se conhece de considerações totalmente divorciadas dos termos da decisão atacada, lançadas genericamente (auxílio-acidente e honorários) e sem correspondência ao que foi decidido, mesmo que ao abrigo de pretensa eventualidade, porque descumprem o princípio da dialeticidade (art. 1.010, III, do CPC).
- Tutela antecipada não foi deferida e, portanto, a cassação dela e a restituição dos valores correlatos configura pedido recursal juridicamente impossível. Seja destacado que, conforme consulta atualizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, a autora não está em gozo de benefício por incapacidade.
- Segundo os artigos 42 e 59 da Lei n° 8.213/91, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença depende da comprovação dos seguintes requisitos: (I) qualidade de segurado; (II) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (III) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar; e (IV) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão da doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo citado e §1º do segundo).
- O exame médico-pericial realizado concluiu pela incapacidade parcial e definitiva da autora para sua atividade habitual de cozinheira, existente já em 2021.
- No caso de incapacidade parcial e permanente, devem ser avaliadas as condições pessoais e sociais do segurado para aquilatar a possibilidade de concessão de aposentadoria por invalidez (Súmula 47 da TNU).
- Com a idade que a autora soma, preparo e experiência profissional que acumulou, cotejados com as moléstias diagnosticadas, é improvável que consiga reengajar-se no concorrido e recessivo mercado de trabalho com a conformação atual.
- Dessa maneira, numa análise mais abrangente da proteção social que o caso suscita, a incapacidade verificada há de ser tida como total e definitiva, já que não é só o aspecto médico-funcional que deve ser levado em conta, como está assente em iterativa jurisprudência.
- Benefícios por incapacidade mantidos, na forma da sentença, os quais não foram alvo de impugnação recursal.
- Em ação movida em 1º/07/2021 postulando efeitos patrimoniais a partir de 24/06/2021, não há falar de prescrição quinquenal.
- Acréscimos legais ajustados e esclarecidos, na forma do voto.
- Não prospera a alegação do INSS quanto à necessidade de apresentação da “Autodeclaração” prevista no Anexo I, da Portaria INSS nº 450, de 03/04/2020 e art. 24, §§1º e 2º, da EC nº 103/2019, por se tratar de procedimento a ser realizado unicamente na seara administrativa.
- A renúncia expressa aos valores que excedam o teto de 60 (sessenta) salários mínimos na hipótese da Lei nº 9.099/95 não se aplica ao presente feito, porque tramitou perante a Vara Única da Comarca de Nova Alvorada do Sul/MS.
- No Estado de Mato Grosso do Sul, a parcela de custas processuais devidas pela Autarquia Previdenciária por ela será paga no final do processo, nos termos do artigo 91 do CPC e da Lei Estadual nº 3.779/2009, a qual revogou a isenção concedida na legislação estadual pretérita.
- Majoro em 2% (dois por cento) os honorários advocatícios sucumbenciais fixados na sentença apelada, em obediência ao artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC.
- Presentes os requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil, a saber, perigo na demora e plausibilidade do direito alegado, concede-se a tutela de urgência requerida pela autora.
- Apelação do INSS de que se conhece em parte e, na parte admitida, desprovida. Tutela de urgência deferida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
