Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5277505-51.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
01/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE
PREEXISTENTE À AQUISIÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA
SUCUMBÊNCIA. PRELIMINAR REJEITADA.
1. Preliminar de suspensão da tutela arguida pela autarquia rejeitada. Antecipação da tutela
concedida na sentença. Apelação recebida apenas no efeito devolutivo. Art. 1012, § 1º, inciso V
do CPC/2015. Ação de natureza alimentar, o que por si só evidencia o risco de dano irreparável.
2. O artigo 42 da Lei nº 8.213/91 estabelece os requisitos necessários para a concessão do
benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da
carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade
que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos
nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
3. Observa-se do conjunto probatório que a incapacidade da parte autora deriva de patologias de
natureza crônico-degenerativas e que já se encontravam em estágio avançado e irreversível à
época de sua filiação, consoante se infere das conclusões do laudo médico pericial, e
evidentemente preexistentes à refiliação ao RGPS, ocorrida já em idade avançada, aliado à
ausência de histórico contributivo.
4. A doença ou invalidez são contingências futuras e incertas, todavia, as doenças degenerativas,
evolutivas, próprias do envelhecer devem ser analisadas com parcimônia, já que filiações
extemporâneas e reingressos tardios afrontam a lógica do sistema, causando desequilíbrio
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
financeiro e atuarial.
5. Se é certo que a filiação a qualquer tempo não é vedada, também é correto afirmar que a
aposentadoria por invalidez não pode se dar por moléstia já existente quando dessa filiação.
6. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade dos honorários condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
7. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5277505-51.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - JUIZ CONVOCADO MARCELO GUERRA MARTINS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEONICE ALVES PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: REGINALDO GIOVANELI - SP214614-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5277505-51.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEONICE ALVES PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: REGINALDO GIOVANELI - SP214614-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Desembargador Federal Paulo Domingues:
Trata-se de ação objetivando a concessão do benefício de auxílio doença ou aposentadoria por
invalidez a partir do requerimento administrativo, 25/03/2019.
A sentença julgou procedente o pedido e condenou a INSS a conceder à autora o benefício de
aposentadoria por invalidez a partir do requerimento administrativo, com o pagamento dos
valores em atraso acrescidos de correção monetária com base no IPCA-E e juros de mora, a
partir da citação, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação da Lei nº 11.960/09.
condenando o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor
das parcelas vencidas até a sentença (S. 111/STJ). Foi concedida a tutela de urgência
antecipada para a imediata implantação do benefício. Sentença não submetida a remessa
necessária.
Apela o INSS, pugnando, em preliminar, pelo recebimento do recurso no efeito suspensivo. No
mérito, sustenta a improcedência do pedido, por se verificar a preexistência da incapacidade à
filiação tardia da autora, como segurada facultativa, não havendo qualquer indício do exercício
da atividade laboral alegada na perícia médica, mas sim a de dona de casa, para a qual não se
encontra incapacitada, além de se tratarem de doenças degenerativas, já em estágio avançado
quando da filiação. Subsidiariamente, pugna pela redução da multa diária e dos honorários
advocatícios.
Com contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5277505-51.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEONICE ALVES PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: REGINALDO GIOVANELI - SP214614-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Desembargador Federal Paulo Domingues:
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015 e que a matéria
impugnada no recurso se limita à preexistência e ao grau de incapacidade, restando, portanto,
incontroversas as questões atinentes à carência e à qualidade de segurada, restrinjo o
julgamento apenas à insurgência recursal.
Preliminarmente, em relação ao pedido de recebimento do recurso no efeito suspensivo, verifico
que a antecipação da tutela foi concedida na sentença, o que torna possível o recebimento da
apelação apenas no efeito devolutivo, nos termos do art. 1012, § 1º, inciso V do CPC/2015.
Nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil/2015, o juiz poderá antecipar os efeitos
da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existam elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo.
No caso, conforme avaliação do Juízo a quo, restaram configurados os requisitos autorizadores
da concessão do benefício, pelo que mantenho seus efeitos.
Ressalte-se que a presente ação é de natureza alimentar o que por si só evidencia o risco de
dano irreparável tornando viável a antecipação dos efeitos da tutela.
Rejeito a preliminar arguida pelo INSS, e passo ao exame do mérito.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do
benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da
carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade
que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos
nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
É dizer: a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a
subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade
total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão
do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a
concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade
habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
No caso concreto.
A parte autora, nascida em 30/07/1953, alegou na inicial incapacidade para a atividade laboral
em razão de quadro de osteoartrose generalizada em joelhos, ombro e coluna e insuficiência
vascular periférica.
Apresentou requerimento administrativo em 25/03/2019, indeferido por ausência de
incapacidade.
Consta do extrato do CNIS que a autora se filiou ao RGPS como segurada facultativa em
01/08/2015, com recolhimentos até 29/02/2020.
O laudo médico pericial, exame realizado em 11/03/2020 (fls.67), ocasião em que a parte
autora, então aos 66 anos de idade, não possui carteira de trabalho, exercendo a atividade de
dona de casa, é portadora de hipertensão arterial sistêmica, obesidade, osteoporose,
gonartrose e insuficiência venosa profunda, concluindo pela existência de incapacidade total e
permanente para a atividade habitual, fixada a data de início da incapacidade em fevereiro/2019
Ao que se verifica dos autos, a data de início da incapacidade fixada no laudo pericial decorreu
da juntada aos autos apenas de documentos médicos contemporâneos ao requerimento
administrativo.
Observa-se do conjunto probatório que a incapacidade da parte autora deriva de patologias de
natureza crônico-degenerativas e que já se encontravam em estágio avançado e irreversível à
época de sua filiação, consoante se infere das conclusões do laudo médico pericial, e
evidentemente preexistentes à refiliação ao RGPS, ocorrida já em idade avançada, aliado à
ausência de histórico contributivo.
Não socorrem à parte autora as exceções legais de progressão ou agravamento da doença,
considerando que se filiou ao RGPS já em idade avançada, na condição de segurada
facultativa, vindo a requerer o benefício após breve período de contribuição, o que corrobora a
preexistência da própria incapacidade.
Por certo que a doença ou invalidez são contingências futuras e incertas, todavia, as doenças
degenerativas, evolutivas, próprias do envelhecer devem ser analisadas com parcimônia, já que
filiações extemporâneas e reingressos tardios afrontam a lógica do sistema, causando
desequilíbrio financeiro e atuarial.
Nesse sentido, os seguintes julgados: TRF3, AC 0034800-49.2016.403.9999SP, Décima
Turma, Des. Fed. NELSON PORFIRIO, Julgamento: 20/06/2017, e-DJF3 Judicial I: 29/06/2017;
TRF3, AC 0000986-12.2017.403.9999 SP, Oitava Turma, Des. Fed. TANIA MARANGONI,
Julgamento: 06/03/2017, e-DJF3 Judicial I: 20/03/2017.
Ademais, é condição imprescindível para concessão da aposentadoria por invalidez, que no
momento do surgimento da incapacidade laboral, estejam preenchidos os requisitos de
qualidade de segurado e carência, conforme previsto no artigo 42, § 2º:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência
exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for
considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe
garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
(...)
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de
Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a
incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.”
Logo, tratando-se de doença preexistente à refiliação ao RGPS, nos termos do art. 42, § 2°, da
Lei n° 8.213/91, não preencheu a parte autora um dos requisitos legais exigidos pela legislação
de regência para a concessão dos benefícios por incapacidade, a tornar inviável a concessão
do benefício pleiteado.
In casu, inviável a concessão da aposentadoria por invalidez, sendo de rigor a reforma da
sentença e a decretação da improcedência do pedido.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado, que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo
98 do Código de Processo Civil/2015.
Revogo a antecipação de tutela concedida. A questão referente à eventual devolução dos
valores recebidos a este título deverá ser analisada e decidida em sede de execução, nos
termos do artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que restar decidido
no julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, rejeito a preliminar e DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para julgar
improcedente o pedido inicial.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Com fundamento na
preexistência da incapacidade laboral, o Ilustre Relator votou no sentido de reformar a sentença
que concedeu o benefício de aposentadoria por invalidez.
E, a par do respeito e da admiração que nutro pelo Ilustre Relator, dele divirjo, em parte.
Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no
caso de aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual
por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (artigo 59).
No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício
provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a
reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade
for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por
invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.
Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está
dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de
qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e
afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei.
Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da
carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 11/03/2020, constatou que a parte
autora, do lar, idade atual de 67 anos, está incapacitada de forma total e permanente para o
trabalho, como se vê do laudo constante do ID135716496:
"A autora conseguiu comprovar com documentos médicos, exame pericial e complementares
apresentar o diagnóstico de gonartrose de joelhos. Esta patologia limita consideravelmente as
atividades antes executadas pela pericianda. Os achados no exame físico e radiografias
confirmam lesão em mais de uma articulação e geram no momento uma incapacidade total e
permanente. Considerando a idade, o grau de instrução, a gravidade da lesão não se aplica a
reabilitação profissional da autora.
Sendo assim, concluo que a autora apresenta critérios médicos para ser aposentada por
invalidez por apresentar diagnóstico que geram uma incapacidade total e permanente. A data
do início da incapacidade é fevereiro de 2020, data da realização de radiografia que comprova a
grave lesão apresentada pela examinada." (pág. 10)
Assim, ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme
dispõem o artigo 436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, estas devem ser consideradas,
por se tratar de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante
das partes.
O laudo em questão foi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes,
capacitado, especializado em perícia médica, e de confiança do r. Juízo, cuja conclusão
encontra-se lançada de forma objetiva e fundamentada, não havendo que se falar em
realização de nova perícia judicial.
Outrossim, o laudo pericial atendeu às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir
que o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados. Além
disso, levou em consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica
colacionada aos autos.
Irrelevante, ademais, se a parte autora exerce, ou não, atividade laboral, pois a incapacidade
constatada pelo perito judicial é absoluta, situação que autoriza a concessão do benefício por
incapacidade, inclusive ao segurado facultativo.
Negar o benefício ao segurado facultativo, nesse caso, representaria evidente ofensa ao artigo
18 da Lei nº 8.213/91 que, diferentemente do que fez em relação ao auxílio-acidente (parágrafo
1º), não excluiu, dessa categoria de segurado, o direito aos benefícios por incapacidade,
previstos nos artigo 42 e 59 da mesma lei.
É importante destacar que o fato da segurada ter como atividade habitual a realização de
tarefas domésticas (do lar) não pode ser visto como algo prejudicial, a partir da idealização da
possibilidade de consecução de tarefas, independentemente das condições de saúde, pela
simples razão de que tais atividades integram a rotina da mulher, da dona de casa. O que se
quer ressaltar é que as seguradas donas de casa, como outros segurados, também têm
necessidades de afastamentos temporários ou definitivos, em decorrência da maternidade, de
acidentes e de enfermidades.
A constatação acimanos remete ao teor de Recomendação Geralde número 33, de
2015,doComitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres(CEDAW)das Nações
Unidas,especialmenteosparágrafos 25 e26, cujos alguns trechos trazemos à tona:
“25.O Comitê recomenda queos Estados partes:
a) Assegurem a efetividade do princípio da igualdade perante a lei adotando-se medidas para
abolir quaisquer leis, procedimentos, regulamentos, jurisprudência, costumes e práticas
existentes que, direta ou indiretamente, CEDAW/C/GC/33 15-13094 13/27 discriminem as
mulheres, em especial quanto ao acesso à justiça; e também para abolir quaisquer outras
barreiras discriminatórias ao acesso àjustiça. (...)
26.Os estereótipos e os preconceitos de gênero no sistema judicial têm consequências de
amplo alcance para o pleno desfrute pelas mulheres de seus direitos humanos. Eles impedem o
acesso das mulheres à justiça em todas as áreas do direito, e podem ter um impacto
particularmente negativo sobre as mulheres vítimas e sobreviventes da violência.(...) Em todas
as áreas do direito, os estereótipos comprometem a imparcialidade e integridade do sistema de
justiça, que podem, por sua vez, levar à denegação da justiça, incluindo arevitimizaçãode
denunciantes.(...)”
No mais, é necessário destacar que a dissociação entre “trabalho” e “atividades domésticas”,
com o afastamento e/ou desconsideração destas últimas do campo econômico, é um equívoco
e indica um desconhecimento do campo teórico que se convencionou chamar de “economia dos
cuidados”, além de indicar um viés de desprestígio e de tratamento não isonômico de uma
atividade incorporada legalmente no regime geral de previdência social.
Os estudos sobre o valor econômico das atividades domésticas e de cuidados com os que
precisam estar em casa (crianças, idosos, pessoas com alguns tipos de deficiência) decorreram
de pesquisas sobre desigualdade entre gêneros, que ganharam corpo nos últimos 40 anos. Em
relatório sobre o marco téorico-conceitual da “Economia dos Cuidados”, publicado pela
fundação pública IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (vinculada ao Ministério da
Economia) e elaborado em2016 por Bruna Cristina Jaquetto Pereira, foi destacado que:
“Uma das principais contribuições nesse sentido parte de teóricas e pesquisadoras dos campos
da economia, da ciência política, da sociologia, da antropologia, da história e das ciências da
saúde, entre outros, as quais vêm buscando evidenciarque as tarefas de atenção e cuidado às
pessoas e de manutenção dos lares e demais ambientes da vida social constituem trabalhos
imprescindíveis à reprodução social biológica e ao bem-estar(Carrasco, Borderías e Torns,
2011, p. 9). Por sua natureza, o debate comporta tanto as abordagens restritas a uma única
disciplina quanto aquelas que combinam aspectos éticos, práticos e políticos, de caráter
interdisciplinar (Molinier, Laugier e Paperman, 2009).
A problematização da dualidade público-privado por perspectivas feministas descortina
conteúdos políticos de relações sociais que, privatizadas e delegadas às mulheres, são
consideradas apolíticas (Biroli, 2013, p. 169).Tomar os cuidados como objeto de estudos
favorece também o desenvolvimento de reflexões mais amplas sobre a organização social dos
trabalhos de cuidado, suas variações e permanências no decorrer da história, suas implicações
para o status e o usufruto da cidadania de quem provê e/ou demandae recebe cuidados, e
sobre o papel de suas formas tradicionais de distribuição para a reprodução de desigualdades e
hierarquias entre grupos sociais.Pensar o cuidado abre espaço para que se formulem propostas
para sua redistribuição, principalmente a partir de políticas públicas destinadas a esta
finalidade.”
(Economia dos Cuidados: Marco Teórico-Conceitual: relatório de pesquisa. Disponível em
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7412/1/RP_Economia_2016.pdf, p.11. Grifos
meus)
Como explicado pelo Consultor Legislativo Iuri Gregório de Sousa, quando da análise do PL
7815/2017, hoje arquivado, que dispunha sobre “a inclusão da economia do cuidado no sistema
de contas nacionais, usado para aferição do desenvolvimento econômico e social do país para
a definição e implementação de políticas públicas”:
“O termocare(cuidado em língua inglesa) tem sido utilizado para caracterizar as atividades que
são desenvolvidas no âmbito da economia dos cuidados. Numa acepção ampla,careengloba as
atividades desempenhadas, gratuitamente ou não, por pessoas que se dediquem a prestar
serviços orientados à satisfação de necessidades físicas ou psicológicas de terceiros bem como
à promoção da criação e desenvolvimento de crianças e jovens.
Há portanto, vários segmentos docaree, dentre as possíveis segmentações, estão os trabalhos
remunerados e aqueles não remunerados. A relevância da exploração do tema economia dos
cuidados reside justamente na parcela das atividades não remuneradas, que são invisíveis ao
mercado.Quando serviços relacionados aocaresão remunerados, a sua significância já é
naturalmente expressa pelo valor monetário desembolsado por sua prestação. Entretanto as
inumeráveis atividades docareque ocorrem dentro das famílias ou entre conhecidos próximos
de forma gratuita são excluídas de estatísticas oficiais. E, mesmo num nível individual, são
vistas como um trabalho menor ou mesmo um não trabalho, o que leva à desvalorização social
daqueles que exercem tais atividades.
O tema suscita ainda a questão de desigualdade entre gêneros, pois as mulheres perfazem a
maioria dos trabalhadores dos cuidados, principalmente nos trabalhos domésticos. (...) Supõe-
se que a maior causa dessa desproporção de oportunidades seja decorrente da herança
cultural de uma época em que ao homem era reservado o dever de prover o lar e à mulher o
dever de manter a casa.Nessa visão o trabalho do homem seria gerador de valor e o trabalho
da mulher seria algo estéril, sem qualquer significação econômica.”
(Consultoria Legislativa, 14/08/2017, disponível emhttps://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-
legislativa/fiquePorDentro/temas/economia-do-cuidado-set-2017. Grifos meus).
Desse modo, demonstrada, através do laudo elaborado pelo perito judicial, a incapacidade total
e permanente para o exercício da atividade laboral, é possível conceder a aposentadoria por
invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais.
Quanto ao preenchimento dos demais requisitos (condição de segurado e cumprimento da
carência), a matéria não foi questionada pelo INSS, em suas razões de apelo, devendo
subsistir, nesse ponto, o que foi estabelecido pela sentença.
A parte autora, quando reingressou no regime, em agosto de 2015, contava com idade de 62
anos, condição esta que, se demonstrado que o início da incapacidade laborativa é posterior à
nova filiação à Previdência, não é suficiente para afastar o seu direito à obtenção do benefício
por incapacidade.
Não obstante a Lei nº 10.741/2003 considere idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60
anos (artigo 1º), a idade mínima exigida para a obtenção do amparo social é de 65 anos (artigo
34). O mesmo limite etário também é exigido para a concessão do benefício de aposentadoria
por idade (Lei nº 8.213/91, art. 48).
Assim, de acordo com as Leis nºs 8.213/91 e 10.741/2003, a pessoa idosa, antes dos 65 anos
de idade, ainda tem condições de trabalhar e de se manter, não estabelecendo a legislação
previdenciária vigente uma idade mínima para a filiação, nem qualquer restrição aos casos de
ingresso no regime com mais de 60 anos.
Na verdade, o que a Lei nº 8.213/91, em seus artigos 42 e 59, veda é a concessão dos
benefícios por incapacidade a pessoas que ingressaram ou reingressaram no regime já
impossibilitadas de trabalhar, condição que deve ser verificada por perícia médica, não sendo
suficiente, para tanto, a mera presunção.
E não há que se falar, no caso, de preexistência da incapacidade à nova filiação.
Com efeito, o perito judicial afirmou expressamente, em seu laudo, que a incapacidade laboral
da parte autora teve início em fevereiro de 2020, ou seja, após a nova filiação, como se vê do
laudo oficial.
E, se discordava da conclusão do perito judicial, deveria o INSS impugnar o laudo e, através de
seu assistente técnico, demonstrar o contrário, o que não ocorreu.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta
Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento
pacificado nos Tribunais Superiores.
Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o
perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício -, confirmo a tutela
anteriormente concedida.
No que diz respeito ao valor fixado a título de multa, também não assiste razão ao INSS, eis
que, a meu ver, o valor fixadona origem se mostrarazoável.
Rememore-se, pois, que, nos termos do artigo 537, do CPC/2015,“a multa independe de
requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou
na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação
e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito” (caput), sendo certo, ainda,
que“O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa
vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva”(parágrafo 1º).
Da legislação de regência extrai-se, pois, que a astreinte dever ser compatível e proporcional à
obrigação de fazer ou não fazer que a sua imposição visa assegurar, não podendo ser irrisória,
tampouco excessiva.
Incasu,o Juízo de origem cominou uma multa diária no valor de R$ 100,00, no caso de
descumprimento da decisão que determinou a implantação do benefício concedido na sentença
no prazo de 45 dias, o que mostra-se compatível e proporcional com a obrigação imposta.
Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios,reduzidos para 10% do
valor das prestações vencidas até a datada sentença(Súmula nº 111/STJ), até porque
exagerado o percentual fixado na decisão apelada.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como
um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
Não obstante a matéria que trata dos honorários recursais tenha sido afetada pelo Temanº
1.059 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que determinou a suspensão do processamento
dos feitos pendentes que versem sobre essa temática, é possível, na atual fase processual,
tendo em conta o princípio da duração razoável do processo, que a matéria não constitui objeto
principal do processo e que a questão pode ser reexaminada na fase de liquidação,a fixação do
montante devido a título de honorários recursais, porém, deixando a sua exigibilidade
condicionada à futura deliberação sobre o referido tema, o que será examinado oportunamente
peloJuízo da execução.
Assim, provido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, ainda que parcialmente,
descabida, no caso, a sua condenação em honorários recursais.
No tocante à preliminar, acompanho o voto do Ilustre Relator, para rejeitá-la.
Ante o exposto, REJEITO a preliminar, nos termos do voto do Ilustre Relator, e, dele divergindo
em parte, para manter a concessão de aposentadoria por invalidez, DOU PARCIAL
PROVIMENTO ao apelo, para reduzir os honorários advocatícios para 10% do valor das
prestações vencidas até a data da sentença. Mantenho, quanto ao mais, a sentença apelada.
É COMO VOTO.
/gabiv/asato
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE
PREEXISTENTE À AQUISIÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA
SUCUMBÊNCIA. PRELIMINAR REJEITADA.
1. Preliminar de suspensão da tutela arguida pela autarquia rejeitada. Antecipação da tutela
concedida na sentença. Apelação recebida apenas no efeito devolutivo. Art. 1012, § 1º, inciso V
do CPC/2015. Ação de natureza alimentar, o que por si só evidencia o risco de dano
irreparável.
2. O artigo 42 da Lei nº 8.213/91 estabelece os requisitos necessários para a concessão do
benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da
carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade
que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos
nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
3. Observa-se do conjunto probatório que a incapacidade da parte autora deriva de patologias
de natureza crônico-degenerativas e que já se encontravam em estágio avançado e irreversível
à época de sua filiação, consoante se infere das conclusões do laudo médico pericial, e
evidentemente preexistentes à refiliação ao RGPS, ocorrida já em idade avançada, aliado à
ausência de histórico contributivo.
4. A doença ou invalidez são contingências futuras e incertas, todavia, as doenças
degenerativas, evolutivas, próprias do envelhecer devem ser analisadas com parcimônia, já que
filiações extemporâneas e reingressos tardios afrontam a lógica do sistema, causando
desequilíbrio financeiro e atuarial.
5. Se é certo que a filiação a qualquer tempo não é vedada, também é correto afirmar que a
aposentadoria por invalidez não pode se dar por moléstia já existente quando dessa filiação.
6. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade dos honorários condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
7. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO
JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU REJEITAR A
PRELIMINAR E, POR MAIORIA, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, NOS TERMOS
DO VOTO DO RELATOR, COM QUEM VOTARAM O DES. FEDERAL CARLOS DELGADO E
O DES. FEDERAL TORU YAMAMOTO, VENCIDOS A DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA E O
DES. FEDERAL LUIZ STEFANINI QUE DAVAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.
LAVRARÁ O ACÓRDÃO O RELATOR
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
