
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0021342-33.2014.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: DANILO TROMBETTA NEVES - SP220628-N
APELADO: JOSE CARLOS NOGUEIRA
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA REGINA FERREIRA DOS SANTOS SILVA - SP145877-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0021342-33.2014.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: DANILO TROMBETTA NEVES - SP220628-N
APELADO: JOSE CARLOS NOGUEIRA
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA REGINA FERREIRA DOS SANTOS SILVA - SP145877-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação que tem por objeto a concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença a segurado especial (pescador artesanal).
O feito foi sentenciado. Julgou-se procedente o pedido para conceder ao autor auxílio-doença, desde a data da citação, convertendo-se o benefício em aposentadoria por invalidez a partir da juntada do laudo pericial.
O INSS interpôs apelação.
Decisão de segundo grau anulou, de ofício, a sentença. Determinou o retorno dos autos à origem para a realização de prova testemunhal, julgando prejudicada a apelação. Determinou a manutenção da tutela antecipada concedida.
Baixados os autos à vara de origem, foi produzida a prova testemunhal de que a instrução se ressentia.
Tornou-se a produzir sentença de procedência. Condenou-se o INSS a conceder ao autor auxílio-doença, a partir da citação, convertendo o benefício em aposentadoria por invalidez a contar da juntada do laudo pericial, cujas prestações vencidas haviam de ser acrescidas de correção monetária e juros de mora, nos termos da Lei nº 11.960/09. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor da condenação tomado até a data da prolação da sentença. Preservou-se a tutela provisória deferida. O julgado foi submetido a reexame necessário.
O INSS interpôs apelação. Nas razões recursais, alega, em síntese, não preencher o autor os requisitos autorizadores para a concessão do benefício postulado, nomeadamente a qualidade de segurado especial, em razão da insuficiência da prova documental apresentada, e pela não comprovação da inaptidão para o trabalho. Subsidiariamente, defendeu devido só o auxílio-doença, a contar da juntada do laudo médico judicial, requerendo a aplicação da Lei nº 11.960/09 para presidir os critérios de correção monetária.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0021342-33.2014.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: DANILO TROMBETTA NEVES - SP220628-N
APELADO: JOSE CARLOS NOGUEIRA
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA REGINA FERREIRA DOS SANTOS SILVA - SP145877-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Por preencher os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
A hipótese não engendra reexame necessário.
O artigo 475, §2º, do Código de Processo Civil de 1973, vigente na data da prolação da sentença, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico perseguido for inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. Comparece, no caso, a certeza matemática de que a condenação a alcançar não será superior ao limite legal estabelecido, daí por que aqui não se aplica o teor da Súmula nº 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Pretende-se benefício por incapacidade.
Os artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91 dão regramento à matéria, nos seguintes termos:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição” (ênfases colocadas).
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos” (grifos apostos).
Eis, portanto, os requisitos que em um e outro caso se exigem: (i) qualidade de segurado; (ii) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (iii) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar e (iv) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão de doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo copiado e §1º do segundo).
Percebo que o autor, nascido em 30/10/1962 (ID 90388354 – Pág. 16), não juntou aos autos documento indicativo de ter requerido, na esfera administrativa, benefício por incapacidade.
Nestes autos, incapacidade para o trabalho foi investigada e ficou positivada.
O exame médico-pericial realizado em 31/08/2013 (ID 90388354 – Págs. 71/76) verificou que o autor é portador de transtorno afetivo bipolar. Concluiu pela incapacidade total e possivelmente permanente do autor para o trabalho, “se não houver melhora do quadro atual” (ID 90388354 – Pág. 73). Na anamnese recuperou-se que o autor disse ter trabalhado como vigia e pescador (ID 90388354 – Pág. 74) e ser portador da patologia há 7 (sete) ou 8 (oito) anos, “com 2 internações em hospital psiquiátrico em datas não especificadas. Na primeira internação ficou agressivo, doido, louco, deu síndrome do pânico, achava que todos que encostavam nele queriam lhe matar” (ID 90388354 – Pág. 71).
Sobre a data de início da incapacidade, respondeu o senhor Perito: “desde a (..) primeira internação psiquiátrica em data a ser confirmada através de solicitação aos Hospitais Psiquiátricos dessa cidade” (ID 90388354 – Pág. 73).
Não há nos autos documentos indicativos das internações relatadas na perícia judicial.
O autor juntou nos autos 2 (dois) atestados médicos, datados de 16/06/2012 e 07/08/2013 (ID 90388354 – Págs. 24 e 77), passados pela médica psiquiatra doutora Daniela O. Guidini. O conteúdo deles informa que o autor encontra-se em tratamento psiquiátrico desde 2008, aos seus cuidados desde 2009, por padecer de transtorno bipolar, com vários episódios de reagudizações e crises psicóticas, em uso de medicamentos para controle. A primeiro atestado, de 16/06/2012, já menciona "histórico de internações psiquiátricas". É dizer: a primeira internação a que se referiu a perícia identificando nela a DII aconteceu antes de 16/06/2012.
Noutro giro, o autor afirma ter sido pescador artesanal.
Segundo a Lei nº 8.213/91 (art. 11, VII, "b") é considerado pescador artesanal o segurado que faça da pesca sua profissão habitual ou principal meio de vida. Vestindo essa qualidade será considerado segurado especial, de quem não se exige o recolhimento de contribuições para os benefícios previstos no artigo 39, I, do diploma legal mencionado (os por incapacidade entre eles), bastando que comprove o exercício da atividade, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao implemento dos requisitos, correspondente à carência do benefício requerido.
Nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar tempo de serviço do segurado especial (enunciado nº 149 da Súmula do STJ e Tema nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor (Súmula 34 da TNU) e que seja referente a alguma fração do período a ser considerado (Súmula 14 da TNU). Além disso, é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, ampliando a eficácia probatória do início de prova material, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório (Tema 638/STJ).
A fim de provar o alegado, o autor ajuntou aos autos documentos, a saber: (1) carteira de pescador profissional, emitida pelo Ministério da Pesca e Agricultura em 10/11/2011 e validade até 30/10/2013 (ID 90388354 – Pág. 19); (2) ficha da “Colônia de Pescadores Z-15 José More”, com inscrição datada de 29/05/2008 e pagamento de mensalidades em maio, junho e dezembro de 2008, fevereiro, maio, junho e dezembro de 2009, dezembro de 2010, dezembro de 2011 e junho de 2012 (ID 90388354 – Pág. 20); (3) recibos de pagamento de mensalidades da mencionada colônia de pescadores, datadas de dezembro de 2011 e junho de 2012 (ID 903388354 – Págs. 21); (4) cadastro de matrícula como produtor rural, com a qualificação de segurado especial, no ramo da pesca, desde 07/04/2009 (ID 90388354 – Pág. 22) e (5) guia de recolhimento da Previdência Social da competência de junho/julho de 2011 (ID 90388354 – Pág. 23).
Ouviram-se também testemunhas, na audiência de instrução realizada em 05/08/2015 (ID 90388354 – Pág. 150).
Pedrinho Quintino Araújo (ID 90388354 – Pág. 151) disse: “Eu conheço o José há 20 anos. Ele sempre foi pescador desde que eu conheço ele. Eu conheci ele pescando. Hoje ele tá parado por causa dos problemas que ele tava tendo. Dava desmaio, convulsão, eu já presenciei, na beira do rio”.
Francisco Roberto Andrade (ID 90388354 – Pág. 153) declarou: “Eu conheço ele há uns 30 anos. Durante o tempo que eu o conheci ele era pescador, só ficava em beira de rio. Conheci ele pescando. Atualmente eu não sei se ele continua na pesca, eu não vejo mais ele. Se ele parou de pescar ele tá encostado, ele adquiriu doença na pescaria”.
Nessa medida, recapitulando:
A DID pode ser fixada em 2008 e a DII em 16/06/2012.
Como segurado especial, há prova da caracterização do autor nesta qualidade a partir de 2008, inconcussa desde 07/04/2009 e recolhimento de contribuição relativa à competência de julho de 2011.
Tais elementos de prova convencem que o autor entretinha qualidade de segurado quando caiu incapacitado e nos doze meses anteriores a este evento, como afirmaram as testemunhas ouvidas.
Em 2013, consoante a perícia, o autor estava totalmente incapacitado para sua atividade de pescador artesanal. Hoje, a incapacidade "possivelmente permanente" anotada na perícia, reputa-se definitiva, diante da natureza da enfermidade que vinha se agravando e tendo o autor atingido 61 (sessenta e um) anos de idade.
Ou seja, o benefício é mesmo devido, como proclamado na r. sentença apelada.
Ajusto e esclareço os acréscimos legais.
Ao autor serão pagas, de uma única vez, as prestações vencidas desde a data de início do benefício fixada na sentença (04/02/2017), acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, aplicadas as diretrizes do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Juros de mora serão correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
A contar o mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Diante do exposto, não conheço do reexame necessário e dou parcial provimento à apelação do INSS, para ajustar os acréscimos legais, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. SEGURADO ESPECIA. PESCADOR ARTESANAL. QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADA NO MOMENTO DA INCAPACIDADE. PERÍODO DE CARÊNCIA CUMPRIDO. ACRÉSCIMOS LEGAIS. APELO PROVIDO EM PARTE. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO.
- O artigo 475, §2º, do Código de Processo Civil de 1973, vigente na data da prolação da sentença, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico perseguido for inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. Comparece, no caso, a certeza matemática de que a condenação que se objetiva não será superior ao limite legal estabelecido, daí por que aqui não se aplica o teor da Súmula nº 490 do Superior Tribunal de Justiça.
- Segundo os artigos 42 e 59 da Lei n° 8.213/91, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença depende da comprovação dos seguintes requisitos: (I) qualidade de segurado; (II) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (III) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar; e (IV) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão da doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo citado e §1º do segundo).
- Pescador artesanal é segurado especial.
- Nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar tempo de serviço do segurado especial (enunciado nº 149 da Súmula do STJ e Tema nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
- Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor (Súmula 34 da TNU) e que seja referente a alguma fração do período a ser considerado (Súmula 14 da TNU). Além disso, é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório (Tema 638/STJ).
- O autor comprovou ter sido pescador artesanal mediante a conjugação de elementos materiais e orais de prova.
- Caiu incapacitado quando empalmava qualidade de segurado e cumpriu a carência de doze meses de atividade anteriores a DII.
- Benefício por incapacidade devido.
- Acréscimos legais ajustados.
- Reexame necessário não conhecido. Apelação do INSS parcialmente provida.
