
7ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0008685-74.2014.4.03.6114
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: JOSE CARLOS PAGANIM, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: TABATA CAROLINE DE CASTRO FREITAS - SP262760-A
Advogado do(a) APELANTE: GRAZIELA MAYRA JOSKOWICZ TEODORO - SP256946
APELADO: JOSE CARLOS PAGANIM, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: TABATA CAROLINE DE CASTRO FREITAS - SP262760-A
Advogado do(a) APELADO: GRAZIELA MAYRA JOSKOWICZ TEODORO - SP256946
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0008685-74.2014.4.03.6114
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: JOSE CARLOS PAGANIM, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: TABATA CAROLINE DE CASTRO FREITAS - SP262760-A
Advogado do(a) APELANTE: GRAZIELA MAYRA JOSKOWICZ TEODORO - SP256946
APELADO: JOSE CARLOS PAGANIM, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: TABATA CAROLINE DE CASTRO FREITAS - SP262760-A
Advogado do(a) APELADO: GRAZIELA MAYRA JOSKOWICZ TEODORO - SP256946
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, apenas para declarar a inexigibilidade do débito decorrente do recebimento indevido dos benefícios por incapacidade NB 514.219.153-2 e NB 523.066.925-6, condenando as partes, em razão da sucumbência recíproca, ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor atribuído à causa.
Em suas razões de recurso, sustenta a parte autora:
- que, de boa fé, recebeu benefício por incapacidade durante 9 anos e continua incapacitado para o exercício da atividade laboral, de forma total e permanente, tendo sido indevida a cessação de sua aposentadoria por invalidez;
- que é portadora de doença prevista no artigo 151 da Lei nº 8.213/91, estando dispensada, portanto, da carência exigida na lei.
Por sua vez, sustenta o INSS que os valores indevidamente recebidos a título de benefício por incapacidade podem ser cobrados, pois restou comprovado, nos autos, que houve fraude na concessão do auxílio-doença, que posteriormente foi convertido em aposentadoria por invalidez.
Por fim, prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais.
Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Nesta Corte, o feito foi sobrestado, conforme determinado no Recurso Especial nº 1.381.734/RN (Tema nº 979/STJ), e posteriormente digitalizado.
O sobrestamento foi levantado, em razão da apreciação do Tema 979/STJ, e as partes foram intimadas a tomar ciência da digitalização do feito, tendo sido concedida a antecipação dos efeitos da tutela, determinando, ao INSS, que suspenda os descontos realizados no benefício NB 181.676.077-0, relativamente a recebimento indevido dos benefícios NB 514.219.153-2 e NB 523.066.925-6 (ID252670146).
No ID263553280, o D. Representante do Ministério Público Federal opinou pela manutenção da sentença.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0008685-74.2014.4.03.6114
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: JOSE CARLOS PAGANIM, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: TABATA CAROLINE DE CASTRO FREITAS - SP262760-A
Advogado do(a) APELANTE: GRAZIELA MAYRA JOSKOWICZ TEODORO - SP256946
APELADO: JOSE CARLOS PAGANIM, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: TABATA CAROLINE DE CASTRO FREITAS - SP262760-A
Advogado do(a) APELADO: GRAZIELA MAYRA JOSKOWICZ TEODORO - SP256946
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, consigno que as situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº 13.105/2015.
Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (artigo 59).
No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.
Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei.
Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
No caso dos autos, ainda que estivesse demonstrada a incapacidade laboral da parte autora e que ela fosse decorrente de doença prevista no artigo 151 da Lei nº 8.213/91, não seria possível o restabelecimento do benefício, pois a parte autora, quando da concessão do auxílio-doença, em 06/05/2005, não ostentava a condição de segurado.
Depreende-se, dos autos, que o vínculo empregatício inserido no CNIS era falso, pois foi inserido extemporanemente, tendo sido constatado que a parte autora jamais prestou serviço à empresa GG Reformas e Manutenção no período entre março de 1999 e janeiro de 2005 e que o referido vínculo não estava registrado em sua CTPS. Aliás, o próprio autor, em seu depoimento, confirma que jamais trabalhou para a referida empresa.
Desse modo, ausente um dos seus requisitos legais, vez que não demonstrada a condição de segurado, é de ser declarar inválida a concessão do auxílio-doença em 06/05/2005 e a posterior conversão em aposentadoria por invalidez, sendo descabido o restabelecimento do benefício requerido pela parte autora, em suas razões de apelo.
No mais, quanto à exigibilidade/devolução de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, a jurisprudência pátria controverte há longo tempo
Isto porque, tem-se, de um lado, o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do segurado, e de outro, a indisponibilidade da verba pública e a vedação ao locupletamento ilícito.
De fato, a Administração Pública, constatando a existência de erro do ato administrativo - no caso específico da autarquia previdenciária na concessão ou pagamento dos benefícios - tem o poder de autotutela, que aqui se revela no poder-dever de proceder à correção do benefício, observando o devido processo legal. Além disso, o princípio da segurança jurídica deve ser compatibilizada com o poder de autotutela.
A Administração não pode conviver ou permitir atos eivados de legalidade. Desse modo, a convalidação é uma expressão do princípio da autotutela, "que significa o poder (na verdade, poder-dever) da Administração de prover o interesse público sem recorrer a outra autoridade, a ela estranha, para anular, corrigir e revogar atos administrativos ilegais ou, na última hipótese referida, inconvenientes ou inoportunos ao interesses públicos" (ARAÚJO, Edmar Netto de. A Convalidação dos atos administrativos e as leis de processo administrativo. InProcesso Administrativo: Temas polêmicos da Lei n° 9.784/99, Irene Patrícia Nohara e Marco Antônio Praxedes de Moraes Filho (org), São Paulo: Atlas, 2011, p. 52).
O poder-dever de autotutela da Administração é guiado pelos princípios administrativos, já que a atividade dos órgãos públicos está estritamente vinculada à legalidade, devendo ser eficiente, resguardar o interesse público, sempre respeitando o contraditório e a ampla defesa, por meios de atos motivados que garantam a segurança jurídica dos administrados. Nas lições de Odete Medauar:
"o processo administrativo estende a legalidade e dá ensejo ao surgimento de uma nova legalidade, em especial nas relações entre cidadão e Administração, o que não significa opção neopositivista ou ideia de onipotência da lei, mas a adequada compreensão da atividade administrativa, com base na realização dos princípios constitucionais, sem renúncia a um grau de certeza e de garantia, ou seja, um padrão de coerência sistêmica, segundo as linhas inerentes ao Estado de Direito."
(MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno.9.ed.SãoPaulo:Ed.RevistadosTribunais,2005, p. 92).
O poder de autotutela guarda consonância com a Súmula 473 do STF, cujo enunciado é: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos."
Portanto, pacífico é o entendimento de que o INSS, no exercício de sua autotutela, deverá proceder à correção de benefício previdenciário pago incorretamente.
De outro lado, estabelece o artigo 876 do Código Civil que aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir. E o artigo 884 do mesmo Código Civil dispõe que o enriquecimento sem causa também implica a restituição.
Portanto, aquele que recebe benefício indevidamente, especialmente em razão de irregularidade ou fraude quando de sua concessão, está obrigado a restituir a importância devida, devidamente atualizada, nos termos do citado artigo 884 do CC.
Nessa esteira, o artigo 115 da Lei n. 8.213/91 autoriza o desconto de valores pagos a maior, percebidos pelo segurado. No entanto, na aplicação desse dispositivo legal, devem ser ponderados dois pontos: a boa-fé do titular, princípio geral do direito norteador do ordenamento jurídico; e o caráter alimentar do benefício previdenciário.
Com efeito, a E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se submeteu a julgamento a questão acerca da "Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social", firmou a seguinte tese jurídica:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
O acórdão ficou assim ementado:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar os descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015."
(REsp nº 1.381.734/RN, Relator Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 23/04/2021)
Depreende-se, em resumo, que o aludido precedente firmou as seguintes balizas para solução da temática:
- os valores recebidos indevidamente em razão de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são passíveis de devolução pelo segurado;
- os valores recebidos indevidamente em razão de erro material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da boa-fé do segurado;
- a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de 23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma);
- a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
Cumpre destacar que o C. STJ andou bem ao distinguir as situações em que o pagamento indevido decorre de interpretação errônea e/ou má aplicação da lei daquelas em que o pagamento equivocado deflui de erro (material ou operacional) da autarquia. No particular, merece especial destaque o seguinte trecho do voto da lavra do e. Ministro Benedito Gonçalves:
"Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação errônea e má aplicação da lei), onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido indevidamente, a hipótese de erro material ou operacional deve ser analisado caso a caso, de modo a averiguar se o beneficiário/segurado tinha condições de compreender a respeito do não pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária."
Ou seja, em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a restituição. Já nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou operacional autárquico, é preciso verificar se tal equívoco era capaz de "despertar no beneficiário inequívoca compreensão da irregularidade do pagamento",conditio sinequa non para que a restituição seja devida.
A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima. Como ensina Almiro do Couto e Silva:
"A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (...). A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação."
(COUTO E SILVA, Almiro. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº2, abril/maio/junho, 2005, p. 3/4. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/artigo/almiro-do-couto-e-silva/o-principio-da-seguranca-juridica-protecao-a-confianca-no-direito-publico-brasileiro-e-o-direito-da-administracao-publica-de-anular-seus-proprios-at)
Convém mais uma vez citar o voto do e. Ministro Benedito Gonçalves, no qual Sua Excelência bem explica e exemplifica o que vem a ser um caso de erro administrativo que dá ensejo à repetição do indébito:
"Nesse contexto, é possível afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do indébito, situação que foi muito bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, DJe 3/9/2014, ao exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui filhos e recebeu, por erro da Administração, auxílio natalidade."
Mencionado precedente obrigatório, em deferência ao princípio da segurança jurídica e com esteio no artigo 927, § 3°, do CPC, cuidou, ainda, de modular os efeitos da tese adotada, estabelecendo que, no que tange aos processos em curso no momento do mencionado julgamento, deve ser adotada a jurisprudência até então predominante.
Assim, a simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração não autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados/beneficiários. Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
In casu, o INSS busca a restituição de valores pagos indevidamente à parte contrária, decorrentes da concessão indevida de aposentadoria por invalidez, em razão da inserção de vínculo empregatício inexistente no CNIS.
Destarte, não há nos autos elementos que indiquem atuação do autor para a concessão indevida do benefício. Apesar da irregularidade constante do CNIS, com anotação de vínculo empregatício inexistente, o INSS não comprovou ter o autor praticado qualquer ato que pudesse ensejar o referido erro operacional.
Destaque-se que a autarquia não trouxe aos autos o processo administrativo de concessão do benefício, que pudesse indicar a apresentação, pelo autor, de documentos falsos/irregulares com o objetivo específico de induzir em erro a Administração. Ao contrário, o segurado, quando de sua defesa no processo administrativo para cessação do benefício, apresentou a CTPS sem o vínculo anotado irregularmente, afirmando, inclusive, que nunca trabalhou para a empresa GG.
Vê-se, pois, que a autarquia, em nenhum momento apresentou nos autos elementos a evidenciar nexo de causalidade entre a anotação irregular constante do CNIS e uma conduta do segurado contrária ao princípio da boa-fé, não havendo que se falar em devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria por invalidez:
Nesse sentido:
"PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DE PERÍODO INDEVIDO DE LABOR. ERRO OPERACIONAL CONFIGURADO. BOA-FÉ OBJETIVA DO SEGURADO DEMONSTRADA. PERCEPÇÃO DA IRREGULARIDADE PELO HOMEM LEIGO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONHECIMENTO TÉCNICO ESPECIALIZADO PARA COMPREENSÃO DO FATO. RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
6 - O réu usufruiu do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de 18/10/2013 a 19/05/2014 (NB 164.475.177-9) (ID 164601084 - p. 96).
7 - Entretanto, o INSS constatou irregularidade na concessão do beneplácito, pois ao se excluir o auxílio-doença (NB 124.746.954-6) da contagem do tempo de serviço - uma vez que a ação judicial que objetivava a concessão do referido benefício por incapacidade foi julgada improcedente (Processo n. 0007657-39.2006.8.26.0533) -, concluiu-se que o segurado não preencheria todos os requisitos para a aposentação na data do requerimento administrativo. Por conseguinte, foi enviada notificação de cobrança ao demandado em 19/03/2015, postulando a quitação do débito previdenciário de R$ 14.961,13 (catorze mil, novecentos e sessenta e um reais e treze centavos), atualizado até aquela data (ID 164601084 - p. 103/104).
8 - Nas hipóteses de erros administrativos oriundos de interpretação errônea ou má aplicação da lei, o entendimento jurisprudencial amplamente dominante sempre entendeu pela impossibilidade de repetição dos valores recebidos indevidamente. Precedentes.
9 - No que se refere ao pagamento de valores indevidos em razão de erros materiais e operacionais imputáveis exclusivamente ao INSS, a jurisprudência vinha dando o mesmo tratamento jurídico dispensado às outras duas categorias - interpretação errônea e má aplicação da lei.
10 - Entretanto, por ocasião do julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao rito dos recursos repetitivos, o C. Superior Tribunal de Justiça modificou o seu entendimento, exigindo nos casos de erros operacionais ou materiais do INSS a demonstração da boa-fé objetiva na conduta do segurado para reconhecer a inexigibilidade do débito previdenciário. Eis a tese firmada pelo Tribunal da Cidadania sobre esta questão: “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)
11 - Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com base na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).
12 - Assim, o pagamento indevido de valores em razão de falha imputável exclusivamente ao INSS não seriam passíveis de restituição até 23/04/2021 e, a partir da referida data, em razão da modulação de efeitos, seria exigido, como condição para o reconhecimento da inexigibilidade do débito previdenciário, a demonstração da boa-fé objetiva do segurado ou pensionista nas hipóteses de erro operacional ou material.
13 - In casu, constata-se que houve erro operacional do INSS, consubstanciado em equívoco na contagem do tempo de serviço do demandado. Tal falha ensejou a concessão indevida do benefício de aposentadoria e, consequentemente, gerou o débito previdenciário ora impugnado.
14 - A boa-fé objetiva do réu perante o INSS ao longo de todo o período controvertido é evidente, uma vez que ele não ocultou ou adulterou informações por ocasião do requerimento administrativo do benefício e, por não ter conhecimento especializado, é natural que ele presumisse que os valores recebidos até então eram devidos, uma vez que alicerçados em atos praticados por servidores do órgão, que ostentam fé pública e, portanto, geram a expectativa nos segurados de que estão em conformidade com a lei.
15 - Não se trata de uma situação em que se poderia exigir comportamento diverso do demandado, ante a flagrante ausência de conhecimento técnico especializado, bem como em razão da ignorância quanto à integralidade de seu histórico contributivo e à forma adequada de contabilizá-lo.
16 - Em decorrência, tratando-se de erro operacional exclusivo do INSS e configurada a boa-fé objetiva do réu, deve ser reconhecida a inexigibilidade do débito previdenciário, razão pela qual a manutenção da sentença de 1º grau de jurisdição é medida que se impõe.
17 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal (art. 85, §§2º e 3º, CPC), ser fixada moderadamente, o que restou perfeitamente atendido com o percentual mínimo estabelecido no artigo 85, §3º, do Código de Processo Civil de 2015, incidente sobre o valor atribuído à causa.
18 - Apelação do INSS desprovida. Sentença mantida. Ação julgada improcedente."
(TRF3, ApCiv nº 0002081-66.2016.4.03.6134, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Carlos Delgado, intimação via sistema em 27/08/2021) (grifos meus)
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES COBRADOS PELO INSS. CONTRATO DE TRABALHO FICTÍCIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE AUFERIDOS PELA FALECIDA COMPANHEIRA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. TEMA 979 DO C.STJ. BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Tendo em vista que, no tocante ao pedido principal (reconhecimento de vínculo empregatício e restabelecimento do benefício cessado) o processo foi extinto, sem resolução do mérito, nos termos do art. do art. 485, I, c/c art. 330, III, do CPC, o presente acórdão se restringe à apreciação da obrigação de o autor restituir aos cofres públicos os valores percebidos indevidamente, em respeito ao princípio tantum devolutum quantum appellatum.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
- Conforme se depreende do processo administrativo trazido aos presentes autos, à parte autora foi deferido o benefício previdenciário de pensão por morte (NB 21/174.608.333-3), em razão do falecimento de sua companheira (Norfa Elisabeth Rodrigues Falcão), o qual esteve em manutenção desde o óbito, ocorrido em 22 de dezembro de 2017.
- Ocorre que, no âmago da Operação deflagrada pela Polícia Federal, denominada APATE, a qual foi objeto da ação judicial nº 0000486-21.2018.403.6115, em trâmite pela 1ª Vara Federal de São Carlos – SP, foi constatado que, por força de contrato de trabalho fictício, havia sido deferido à de cujus dois benefícios por incapacidade, incluindo a aposentadoria por invalidez da qual foi titular até a data do falecimento (NB 32/5392244773), sendo apurado complemento negativo da ordem de R$ 433.419,56.
- Do acervo probatório verifica-se que o INSS não logrou comprovar que a parte autora tivesse concorrido fraudulentamente para o equívoco na concessão dos benefícios por incapacidade dos quais sua falecida companheira foi titular, restando caracterizado erro exclusivo da Administração, ainda que decorrente da ação de terceiro. O mesmo fundamento se aplica no tocante às parcelas de pensão por morte por ele auferidas até a data da suspensão administrativa do benefício.
- É remansosa a jurisprudência no sentido de que a má-fé não se presume, exigindo-se prova satisfatória de sua existência, de modo a não gerar dúvida razoável. Na situação retratada nos autos, não resta demonstrada a atuação de má-fé da parte autora, motivo pelo qual é incabível a devolução de valores, tratando-se de verba alimentar e decorrente de erro exclusivo da Administração, para o qual não concorreu.
- Dentro deste quadro, porquanto imbuído de boa-fé, carece o autor da obrigação de restituir aos cofres públicos o valor das parcelas indevidamente auferidas.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS desprovida."
(TRF3, ApCiv nº 5002093-47.2019.4.03.6115, 9ª Turma, Relator Desembargador Federal Gilberto Jordan, intimação via sistema em 20/12/2021)
Sendo assim, em que pese a demonstração do pagamento indevido, considerando que a presente ação judicial foi proposta antes do julgamento do precedente vinculante pelo Superior Tribunal de Justiça, a restituição postulada se mostra indevida, diante da modulação de efeitos antes mencionada.
Destarte, inexistindo nos autos elementos a demonstrar a má-fé do segurado, não pode prevalecer a sentença no particular, com a impossibilidade de restituição dos valores pagos pelo INSS.
Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício que a parte autora atualmente percebe -, confirmo a tutela anteriormente concedida.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos apelos e à remessa oficial, mantendo íntegra a sentença apelada.
É COMO VOTO.
/gabiv/asato-ifbarbos
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA - AUSENTE A CONDIÇÃO DE SEGURADO - COBRANÇA - VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE - INEXIGIBILIDADE - TEMA 979 - ERRO ADMINISTRATIVO - MODULAÇÃO DE EFEITOS - APELOS E REMESSA OFICIAL DESPROVIDOS - SENTENÇA MANTIDA.
1. Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, as situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº 13.105/2015.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, ainda que estivesse demonstrada a incapacidade laboral da parte autora e que ela fosse decorrente de doença prevista no artigo 151 da Lei nº 8.213/91, não seria possível o restabelecimento do benefício, pois a parte autora, quando da concessão do auxílio-doença, em 06/05/2005, não ostentava a condição de segurado.
5. O vínculo empregatício inserido no CNIS era falso, pois foi inserido extemporanemente, tendo sido constatado que a parte autora jamais prestou serviço à empresa GG Reformas e Manutenção no período entre março de 1999 e janeiro de 2005 e que o referido vínculo não estava registrado em sua CTPS. Aliás, o próprio autor, em seu depoimento, confirma que jamais trabalhou para a referida empresa.
6. Ausente um dos seus requisitos legais, vez que não demonstrada a condição de segurado, é de ser declarar inválida a concessão do auxílio-doença em 06/05/2005 e a posterior conversão em aposentadoria por invalidez, sendo descabido o restabelecimento do benefício requerido pela parte autora, em suas razões de apelo.
7. A questão posta nos autos também versa sobre a exigibilidade/devolução de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, e sobre a qual a jurisprudência pátria controverte há longo tempo, pois tem-se, de um lado, o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do segurado e, de outro, a indisponibilidade da verba pública e a vedação ao locupletamento ilícito.
8. A Administração Pública, constatando a existência de erro do ato administrativo - no caso específico da autarquia previdenciária na concessão ou pagamento dos benefícios - tem o poder de autotutela, que aqui se revela no poder-dever de proceder à correção do benefício, observando o devido processo legal e garantida a segurança jurídica dos administrados. Nesse sentido, a Súmula 473 do STF, cujo enunciado é: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos". Pacífico é o entendimento de que o INSS, no exercício de sua autotutela, deverá proceder à correção de benefício previdenciário pago incorretamente.
9. De outro lado, estabelece o artigo 876 do Código Civil que aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir. E o artigo 884 do mesmo Código Civil dispõe que o enriquecimento sem causa também implica a restituição. Nessa esteira, o artigo 115 da Lei n. 8.213/91 autoriza o desconto de valores pagos a maior, percebidos pelo segurado. No entanto, na aplicação desse dispositivo legal, devem ser ponderados dois pontos: a boa-fé do titular, princípio geral do direito norteador do ordenamento jurídico; e o caráter alimentar do benefício previdenciário.
10. A E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se submeteu a julgamento a questão acerca da "Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social", firmou a seguinte tese jurídica: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
11. O aludido precedente firmou as seguintes balizas para solução da temática: (i) os valores recebidos indevidamente em razão de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são passíveis de devolução pelo segurado; (ii) os valores recebidos indevidamente em razão de erro material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da boa-fé do segurado; (iii) a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de 23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma); e (iv) a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
12. Em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a restituição. Já nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou operacional autárquico, é preciso verificar se tal equívoco era capaz de "despertar no beneficiário inequívoca compreensão da irregularidade do pagamento", conditio sine qua non para que a restituição seja devida.
22. A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
21. Mencionado precedente obrigatório, em deferência ao princípio da segurança jurídica e com esteio no artigo 927, § 3°, do CPC, cuidou, ainda, de modular os efeitos da tese adotada, estabelecendo que, no que tange aos processos em curso no momento do mencionado julgamento, deve ser adotada a jurisprudência até então predominante.
22. A simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração não autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados/beneficiários. Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
23. Em que pese a demonstração do pagamento indevido, considerando que a presente ação judicial foi proposta antes do julgamento do precedente vinculante pelo Superior Tribunal de Justiça, a restituição postulada se mostra indevida, diante da modulação de efeitos antes mencionada.
24. Inexistindo nos autos elementos a demonstrar a má-fé do segurado, deve ser mantida a sentença no particular, com a impossibilidade de restituição dos valores pagos pelo INSS.
25. Confirmada a tutela anteriormente concedida, vez que presentes os seus requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício que a parte autora atualmente percebe.
26. Apelos e remessa oficial desprovidos. Sentença mantida.
