Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5919912-57.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/01/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA - INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA A ATIVIDADE HABITUAL - IDADE AVANÇADA -
DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO - JUROS DE MORA
E CORREÇÃO MONETÁRIA - HONORÁRIOS RECURSAIS - PRELIMINARES REJEITADA -
APELO DESPROVIDO - SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE.
1. Em razão de sua regularidade formal, o recurso foi recebido, nos termos do artigo 1.011 do
CPC/2015.
2. O montante da condenação não excede a 1.000 (mil) salários mínimos, limite previsto no art.
496, I c.c. o § 3º, I, do CPC/2015, razão pela qual a r. sentença não está sujeita ao reexame
necessário. Preliminar rejeitada.
3. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso
de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de
15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
4. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência,
quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
5. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 26/02/2019 constatou que a parte
autora, auxiliar de limpeza, idade atual de 57 anos, está incapacitada definitivamente para o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo oficial.
6. Não obstante o perito oficial afirme, em seu laudo, que a incapacidade constatada não impede
a parte autora de realizar sua atividade habitual em pequenos cômodos, há que se levar em conta
que tal limitação a coloca em desvantagem no competitivo mercado de trabalho, razão pela qual a
incapacidade deve ser considerada total para a sua atividade habitual de auxiliar de limpeza.
7. Não há razões para duvidar de que, embora contribuinte individual, por desinformação,
recolheu como segurado facultativo, até porque as alíquotas para ambas as categorias de
segurado são exatamente as mesmas, nos termos do artigo 21 da Lei nº 8.212/91.Aplica-se, pois,
ao caso, os princípios da boa fé e do in dúbio por misero, para concluir que a parte autora
exerceu atividade laboral como auxiliar de limpeza.
8. A ideia de que os trabalhos domésticos podem ser feitos por donas de casa que estão
incapacitadas para as atividades de trabalho habituais não passa pelo crivo do julgamento sob a
perspectiva de gênero, que consiste na "metodologia para analisar a questão do litígio, que deve
ser implantada nos casos em que relações de poder assimétrica ou padrões de gênero
estereotipados estão envolvidos e requer a integração do princípio da igualdade na interpretação
e aplicação do sistema jurídico, na busca de soluções equitativas para situações desiguais de
gênero" (Glòria Poyatos Matas, apud em Julgamento com Perspectiva de Gênero. Um guia para
o direito previdenciário. Tani Maria Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves (coord.).
Editora Migalhas, 2020, p.19-20).
9. Ofato de a segurada ter como atividade habitual a realização de tarefas domésticas (do lar) não
pode ser visto como algo prejudicial, a partir da idealização da possibilidade de consecução de
tarefas, independentemente das condições de saúde, pela simples razão de que tais atividades
integram a rotina da mulher, da dona de casa. O que se quer destacar é que as seguradas donas
de casa, como outros segurados, também têm necessidades de afastamentos temporários ou
definitivos, em decorrência da maternidade, de acidentes e de enfermidades.
10. A dissociação entre “trabalho” e “atividades domésticas”, com o afastamento e/ou
desconsideração destas últimas do campo econômico, é um equívoco e indica um
desconhecimento do campo teórico que se convencionou chamar de “economia dos cuidados”,
além de indicar um viés de desprestígio e de tratamento não isonômico de uma atividade
incorporada legalmente no regime geral de previdência social.
11. O magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo
436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, podendo considerar, como no caso, outros
elementos de prova.
12. Considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode mais exercer a
sua atividade habitual de forma definitiva, mas pode se dedicar a outra atividade, não deve ser
mantida a sentença na parte em que concedeu a aposentadoria por invalidez, mas é o caso de se
conceder, com fulcro no artigo 1.013, parágrafo 2º, do CPC/2015, o benefício do auxílio-doença
com reabilitação profissional, até porque preenchidos os demais requisitos legais.
13. Não tendo mais a parte autora condições de exercer a sua atividade habitual de forma
definitiva, deve o INSS submetê-lo a processo de reabilitação profissional, na forma prevista no
artigo 62 e parágrafo 1º da Lei nº 8.213/91.
14. O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento
administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese
de auxílio-doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
15. Tal entendimento, pacificado no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, está embasado no fato
de que "o laudo pericial norteia somente o livre convencimento do juiz quanto aos fatos alegados
pelas partes, mas não serve como parâmetro para fixar termo inicial de aquisição de direitos"
(AgRg no AREsp 95.471/MG, 5ª Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 09/05/2012), sendo
descabida, portanto, a fixação do termo inicial do benefício à data da juntada do laudo.
16. No caso, o termo inicial do benefício é fixado em 06/09/2017, dia seguinte ao da cessação
indevida.
17. E, considerando que a ação foi ajuizada dentro do quinquênio legal, contado da cessação
administrativa, não há que se falar em prescrição. Rejeito, pois, a preliminar.
18. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
19. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte
alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos
Tribunais Superiores.
20. Confirmada a tutela anteriormente concedida, vez que presentes os seus requisitos -
verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual
decorre da natureza alimentar do benefício, rejeitando, assim, a preliminar.
21. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11,
como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
22. Provido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, ainda que parcialmente,
descabida, no caso, a sua condenação em honorários recursais.
23. Preliminares rejeitadas. Apelo parcialmente provido. Sentença reformada, em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIO
Nº
RELATOR:
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5919912-57.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOANA TEIXEIRA CHAVES
Advogados do(a) APELADO: IGOR MAUAD ROCHA - SP268069-N, LAYS PEREIRA OLIVATO
ROCHA - SP303756-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Desembargador Federal Paulo Domingues:
Trata-se de ação objetivando o restabelecimento do do benefício de auxílio doença e sua
conversão em aposentadoria por invalidez a partir da cessação administrativa, 05/09/2017.
A sentença julgou procedente o pedido e condenou a INSS a restabelecer à autora o benefício
de aposentadoria por invalidez a partir da cessação do benefício anterior, com o pagamento dos
valores em atraso atualizados e juros de mora de 1% a.m. a partir da citação, condenando o
INSS ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor das
parcelas vencidas até a sentença (S. 111/STJ). Dispensada a remessa necessária.
Apela o INSS, arguindo preliminar de prescrição e admissibilidade da remessa necessária, além
da concessão de efeito suspensivo ao recurso. No mérito, sustenta a improcedência do pedido,
ante a conclusão da perícia no sentido da incapacidade parcial, estando apta inclusive para sua
atividade habitual. Subsidiariamente, pugna seja fixada a DIB na data da juntada do laudo
pericial aos autos, pela incidência da correção monetária e juros de mora nos termos da Lei nº
11.960/09.
Com contrarrazões.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Com fundamento na
ausência de incapacidade total, o Ilustre Relator votou no sentido de reformar a sentença que
concedeu o benefício de aposentadoria por invalidez.
E, a par do respeito e da admiração que nutro pelo Ilustre Relator, dele divirjo.
Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no
caso de aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual
por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (artigo 59).
No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício
provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a
reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade
for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por
invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.
Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está
dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de
qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e
afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei.
Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da
carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em26/02/2019 constatou que a parte
autora, auxiliar de limpeza, idade atual de57 anos, está incapacitada definitivamente para o
exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo constante do ID84609841,
complementado no ID84609851:
"Ante o exposto, conclui-se que a autora apresenta incapacidade parcial permanente com
limitações para realizar atividades que exijam grandes esforços físicos com sobrecarga na
coluna vertebral. Apresenta capacidade laborativa residual para realizar atividades de natureza
leve ou moderada como é o caso de atividades de limpeza em pequenos ambientes."
(ID84609841, pág. 02)
Não obstante o perito oficial afirme, em seu laudo, que a incapacidade constatada não impede a
parte autora de realizar sua atividade habitual em pequenos cômodos, há que se levar em conta
que tal limitação a coloca em desvantagem no competitivo mercado de trabalho, razão pela qual
a incapacidade deve ser considerada total para a sua atividade habitual de auxiliar de limpeza.
E, embora a parte autora esteja filiada como segurada facultativa, ela declara realizar serviços
de limpeza, não havendo razões para duvidar de que, conquanto seja contribuinte individual,
por desinformação, recolheu como segurado facultativo.
Destaco que as alíquotas para ambas as categorias de segurado são exatamente as mesmas,
nos termos do artigo 21 da Lei nº 8.212/91.
Aplica-se, pois, ao caso, os princípios da boa fé e do in dúbio por misero, para concluir que a
parte autora exerceu atividade laboral como faxineira diarista.
Quanto à ideia de que os trabalhos domésticos podem ser feitos por donas de casa que estão
incapacitadas para as suas atividades de trabalho habituais, não passa pelo crivo do julgamento
sob a perspectiva de gênero. Essas são as lições emanadas da publicação da AJUFE -
Associação de Juízes Federais (gestão 2020-2021) e da Editora Migalhas, cujo pequeno trecho
transcrevo:
"Uma postura ativa no universo jurídico precisa levar em consideração alguns aspectos, típicos
do contexto em que estão inseridos os operadores e operadoras do direito. O primeiro deles é
que as leis são elaboradas com base em uma visão de um suposto sujeito universal, sob a
fundamentação de que a universalidade seria suficiente para gerar normas neutras. Ocorre, no
entanto, que o sujeito abstrato exclui diversas diferenças que geram desigualdades na vida real.
Essas diferenças devem ser levadas em conta quando da criação do direito, a fim de que seja
possível implementar a igualdade em sua dimensão material.
(...)
Glòria Poyatos i Matas afirma que o julgamento com perspectiva de gênero é uma 'metodologia
para analisar a questão do litígio, que deve ser implantada nos casos em que relações de poder
assimétricas ou padrões de gênero estereotipados estão envolvidos e requer a integração do
princípio da igualdade na interpretação e aplicação do sistema jurídico, na busca de soluções
equitativas para situações desiguais de gênero'. Ou seja, trata-se de uma demanda do próprio
direito à igualdade e da não discriminação. Com essa metodologia, busca-se garantir autonomia
às pessoas e respeitar as diferenças, agindo de modo a evitar que elas sejam utilizadas como
obstáculo ao gozo de direitos. É preciso que o direito seja aplicado de modo a combater
desigualdades e preconceitos que impeçam que as pessoas possam viver de forma autônoma e
digna e desenvolver livremente sua personalidade."
(Julgamento com Perspectiva de Gênero. Um guia para o direito previdenciário. Tani Maria
Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves (coord.). Editora Migalhas, 2020, p.19-20).
É importante destacar que o fato da segurada ter como atividade habitual a realização de
tarefas domésticas (do lar) não pode ser visto como algo prejudicial, a partir da idealização da
possibilidade de consecução de tarefas, independentemente das condições de saúde, pela
simples razão de que tais atividades integram a rotina da mulher, da dona de casa. O que se
quer destacar é que as seguradas donas de casa, como outros segurados, também têm
necessidades de afastamentos temporários ou definitivos, em decorrência da maternidade, de
acidentes e de enfermidades.
A constatação acimanos remete ao teor de Recomendação Geralde número 33, de
2015,doComitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres(CEDAW)das Nações
Unidas,especialmenteosparágrafos 25 e26, cujos alguns trechos trazemos à tona:
“25.O Comitê recomenda queos Estados partes:
a) Assegurem a efetividade do princípio da igualdade perante a lei adotando-se medidas para
abolir quaisquer leis, procedimentos, regulamentos, jurisprudência, costumes e práticas
existentes que, direta ou indiretamente, CEDAW/C/GC/33 15-13094 13/27 discriminem as
mulheres, em especial quanto ao acesso à justiça; e também para abolir quaisquer outras
barreiras discriminatórias ao acesso àjustiça.(...)
26.Os estereótipos e os preconceitos de gênero no sistema judicial têm consequências de
amplo alcance para o pleno desfrute pelas mulheres de seus direitos humanos. Eles impedem o
acesso das mulheres à justiça em todas as áreas do direito, e podem ter um impacto
particularmente negativo sobre as mulheres vítimas e sobreviventes da violência.(...) Em todas
as áreas do direito, os estereótipos comprometem a imparcialidade e integridade do sistema de
justiça, que podem, por sua vez, levar à denegação da justiça, incluindo arevitimizaçãode
denunciantes.(...)”
No mais, é necessário destacar o equívoco da dissociação entre “trabalho” e “atividades
domésticas”, com o afastamento e/ou desconsideração destas últimas do campo econômico. A
visão do perito, confirmada pelo juiz de primeiro grau, indica um desconhecimento do campo
teórico que se convencionou chamar de “economia dos cuidados”, além de indicar um viés de
desprestígio e de tratamento não isonômico de uma atividade incorporada legalmente no
regime geral de previdência social.
Os estudos sobre o valor econômico das atividades domésticas e de cuidados com os que
precisam estar em casa (crianças, idosos, pessoas com alguns tipos de deficiência) decorreram
de pesquisas sobre desigualdade entre gêneros, que ganharam corpo nos últimos 40 anos. Em
relatório sobre o marco téorico-conceitual da “Economia dos Cuidados”, publicado pela
fundação pública IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (vinculada ao Ministério da
Economia) e elaborado em2016 por Bruna Cristina Jaquetto Pereira, foi destacado que:
“Uma das principais contribuições nesse sentido parte de teóricas e pesquisadoras dos campos
da economia, da ciência política, da sociologia, da antropologia, da história e das ciências da
saúde, entre outros, as quais vêm buscando evidenciarque as tarefas de atenção e cuidado às
pessoas e de manutenção dos lares e demais ambientes da vida social constituem trabalhos
imprescindíveis à reprodução social biológica e ao bem-estar(Carrasco, Borderías e Torns,
2011, p. 9). Por sua natureza, o debate comporta tanto as abordagens restritas a uma única
disciplina quanto aquelas que combinam aspectos éticos, práticos e políticos, de caráter
interdisciplinar (Molinier, Laugier e Paperman, 2009).
A problematização da dualidade público-privado por perspectivas feministas descortina
conteúdos políticos de relações sociais que, privatizadas e delegadas às mulheres, são
consideradas apolíticas (Biroli, 2013, p. 169).Tomar os cuidados como objeto de estudos
favorece também o desenvolvimento de reflexões mais amplas sobre a organização social dos
trabalhos de cuidado, suas variações e permanências no decorrer da história, suas implicações
para o status e o usufruto da cidadania de quem provê e/ou demandae recebe cuidados, e
sobre o papel de suas formas tradicionais de distribuição para a reprodução de desigualdades e
hierarquias entre grupos sociais.Pensar o cuidado abre espaço para que se formulem propostas
para sua redistribuição, principalmente a partir de políticas públicas destinadas a esta
finalidade.”
(Economia dos Cuidados: Marco Teórico-Conceitual: relatório de pesquisa. Disponível
emhttp://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7412/1/RP_Economia_2016.pdf, p. 11. Grifos
meus)
Como explicado pelo Consultor Legislativo Iuri Gregório de Sousa, quando da análise do PL
7815/2017, hoje arquivado, que dispunha sobre “a inclusão da economia do cuidado no sistema
de contas nacionais, usado para aferição do desenvolvimento econômico e social do país para
a definição e implementação de políticas públicas”:
“O termocare(cuidado em língua inglesa) tem sido utilizado para caracterizar as atividades que
são desenvolvidas no âmbito da economia dos cuidados. Numa acepção ampla,careengloba as
atividades desempenhadas, gratuitamente ou não, por pessoas que se dediquem a prestar
serviços orientados à satisfação de necessidades físicas ou psicológicas de terceiros bem como
à promoção da criação e desenvolvimento de crianças e jovens.
Há portanto, vários segmentos docaree, dentre as possíveis segmentações, estão os trabalhos
remunerados e aqueles não remunerados. A relevância da exploração do tema economia dos
cuidados reside justamente na parcela das atividades não remuneradas, que são invisíveis ao
mercado.Quando serviços relacionados aocaresão remunerados, a sua significância já é
naturalmente expressa pelo valor monetário desembolsado por sua prestação. Entretanto as
inumeráveis atividades docareque ocorrem dentro das famílias ou entre conhecidos próximos
de forma gratuita são excluídas de estatísticas oficiais. E, mesmo num nível individual, são
vistas como um trabalho menor ou mesmo um não trabalho, o que leva à desvalorização social
daqueles que exercem tais atividades.
O tema suscita ainda a questão de desigualdade entre gêneros, pois as mulheres perfazem a
maioria dos trabalhadores dos cuidados, principalmente nos trabalhos domésticos. (...) Supõe-
se que a maior causa dessa desproporção de oportunidades seja decorrente da herança
cultural de uma época em que ao homem era reservado o dever de prover o lar e à mulher o
dever de manter a casa.Nessa visão o trabalho do homem seria gerador de valor e o trabalho
da mulher seria algo estéril, sem qualquer significação econômica.”
(Consultoria Legislativa, 14/08/2017, disponível emhttps://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-
legislativa/fiquePorDentro/temas/economia-do-cuidado-set-2017. Grifos meus).
Destaco que o magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem
o artigo 436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, podendo considerar, como no caso,
outros elementos de prova.
Desse modo, considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode
mais exercer a sua atividade habitual de forma definitiva, mas pode se dedicar a outra atividade,
não deve ser mantida a sentença na parte em que concedeu a aposentadoria por invalidez, mas
é o caso de se conceder, com fulcro no artigo 1.013, parágrafo 2º, do CPC/2015, o benefício do
auxílio-doença com reabilitação profissional, até porque preenchidos os demais requisitos
legais.
Não tendo mais a parte autora condições de exercer a sua atividade habitual de forma
definitiva, deve o INSS submetê-lo a processo de reabilitação profissional, na forma prevista no
artigo 62 e parágrafo 1º da Lei nº 8.213/91.
A esse respeito, confira-se o seguinte julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
É devido o auxílio-doença ao segurado considerado parcialmente incapaz para o trabalho, mas
suscetível de reabilitação profissional para o exercício de outras atividades laborais.
Precedentes.
(AgInt no REsp nº 1.654.548/MS, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe
12/06/2017)
Quanto ao preenchimento dos demais requisitos (condição de segurado e cumprimento da
carência), a matéria não foi questionada pelo INSS, em suas razões de apelo, devendo
subsistir, nesse ponto, o que foi estabelecido pela sentença.
O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento administrativo
ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de auxílio-
doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
Tal entendimento, pacificado no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, está embasado no fato de
que "o laudo pericial norteia somente o livre convencimento do juiz quanto aos fatos alegados
pelas partes, mas não serve como parâmetro para fixar termo inicial de aquisição de direitos"
(AgRg no AREsp 95.471/MG, 5ª Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 09/05/2012), sendo
descabida, portanto, a fixação do termo inicial do benefício à data da juntada do laudo.
No caso, o termo inicial do benefício é fixado em 06/09/2017, dia seguinte ao da cessação
indevida.
E, considerando que a ação foi ajuizada dentro do quinquênio legal, contado da cessação
administrativa, não há que se falar em prescrição. Rejeito, pois, a preliminar.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta
Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento
pacificado nos Tribunais Superiores.
Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o
perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício -, confirmo a tutela
anteriormente concedida, rejeitando, assim, a preliminar.
Por fim, considerando que o montante da condenação não excede a 1.000 (mil) salários
mínimos, limite previsto no art. 496, I c.c. o § 3º, I, do CPC/2015, não está a sentença sujeita ao
reexame necessário, razão pela qual rejeito a preliminar suscitada pelo INSS.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como
um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
Não obstante a matéria que trata dos honorários recursais tenha sido afetada pelo Temanº
1.059 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que determinou a suspensão do processamento
dos feitos pendentes que versem sobre essa temática, é possível, na atual fase processual,
tendo em conta o princípio da duração razoável do processo, que a matéria não constitui objeto
principal do processo e que a questão pode ser reexaminada na fase de liquidação,a fixação do
montante devido a título de honorários recursais, porém, deixando a sua exigibilidade
condicionada à futura deliberação sobre o referido tema, o que será examinado oportunamente
peloJuízo da execução.
Assim, provido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, ainda que parcialmente,
descabida, no caso, a sua condenação em honorários recursais.
Ante o exposto, divergindo do voto do Ilustre Relator, (i) REJEITO as preliminares, (ii) DOU
PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, para afastar a concessão da aposentadoria por invalidez,
(iii) RESTABELEÇO, com fulcro no artigo 1.013, parágrafo 2º, do CPC/2015, o benefício de
auxílio-doença, a partir de 06/09/2017, e (iv) DETERMINO, DE OFÍCIO, a alteração dos juros
de mora e da correção monetária, nos termos expendidos no voto. Mantenho, quanto ao mais, a
sentença apelada.
Independentemente do trânsito em julgado, determino, com base no artigo 497 do CPC/2015, a
expedição de e-mail ao INSS, instruído com cópia dos documentos da segurada JOANA
TEIXEIRA CHAVES, para que, no prazo de 30 dias, sob pena de multa-diária no valor de
R$100,00, cumpra a obrigação de fazer consistente na implantação do benefício de AUXÍLIO-
DOENÇA (em substituição à aposentadoria por invalidez, concedida na sentença), com data de
início (DIB) em 06/09/2017, dia seguinte ao da cessação indevida), e renda mensal a ser
calculada de acordo com a legislação vigente.
OFICIE-SE.
É COMO VOTO.
/gabiv/asato
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5919912-57.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOANA TEIXEIRA CHAVES
Advogados do(a) APELADO: IGOR MAUAD ROCHA - SP268069-N, LAYS PEREIRA OLIVATO
ROCHA - SP303756-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Desembargador Federal Paulo Domingues:
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015 e que a matéria
impugnada no recurso se limita à preexistência e ao grau de incapacidade, restando, portanto,
incontroversas as questões atinentes à carência e à qualidade de segurada, restrinjo o
julgamento apenas à insurgência recursal.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do
benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da
carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade
que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos
nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
É dizer: a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a
subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade
total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão
do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a
concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade
habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
No caso concreto.
A parte autora, nascida em 10/03/1964, alegou na inicial incapacidade para a atividade laboral
habitual de empregada doméstica em razão de quadro problemas ortopédicos em coluna
vertebral.
A fls. 26 consta cópia da CTPS com a anotação do último vínculo laboral como empregada
doméstica cessado em 31/03/2014.
Do extrato do CNIS de fls. 124 consta que a autora se filiou ao RGPS como segurada
facultativa em 01/04/2014, com recolhimentos até 31/03/2017.
Esteve em gozo de benefício de auxílio-doença no período de 28/12/2016 a 05/09/2017.
O laudo médico pericial, exame realizado em 26/02/2019 (fls.146), constatou que a autora,
então aos 55 anos de idade, apresenta quadro de Espondiloartrose lombar com hérnia discal
em L4-L5 e L5-S1 e Espondilolistese em L4-L5, sendo que no exame físico objetivo não
mostrou alterações em membros superiores ou membros inferiores, sem desvios laterais
visíveis nem contratura da musculatura paravertebral em coluna vertebral, com limitação da
mobilidade da coluna lombar, mas sem sinais de quadro doloroso agudo ou de compressão
radicular, concluindo pela existência de incapacidade parcial e permanente para o desempenho
da atividade laboral habitual declarada de empregada doméstica, com limitação para atividades
que exijam grandes esforços físicos com sobrecarga em coluna vertebral, com aptidão para
atividades leves e moderadas como é o caso da atividades de limpeza em pequenos
ambientes.
O conjunto probatório demonstra a existência de incapacidade total e permanente para o
desempenho de atividade laboral de faxineira que não é exercida pela autora, conforme se
infere da sua condição de segurada facultativa.
A filiação ao regime geral com segurado facultativo, nos termos do art. 11, caput do Decreto nº
3.048/99, é permitida ao maior de dezesseis anos de idade, mediante contribuição, desde que
não esteja exercendo atividade remunerada que o enquadre como segurado obrigatório da
previdência social, que o habilita à percepção, além dos benefícios por incapacidade, de
aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, salário maternidade, pensão por morte e
auxílio-reclusão.
Tendo o laudo médico reconhecido a existência de incapacidade tão somente para atividades
que envolvam esforço físico, o que não é o caso da autora, uma vez ausente relação de
emprego ou o exercício de atividade que a qualifique como segurada obrigatória da Previdência
Social, é de se concluir que a parte autora não faz jus ao benefício por incapacidade pleiteado,
na medida em que ausente incapacidade para as atividades básicas da vida diária como vestir-
se, higienizar-se, alimentar-se, etc.
É sabido que a Previdência Social é ramo da seguridade social assemelhado ao seguro, vez
que possui caráter eminentemente contributivo. O custeio do sistema pressupõe o recolhimento
de contribuições para o fundo que será revertido àqueles que, preenchidos os requisitos,
padecerem em eventos previstos e por ele cobertos.
Para outras situações de desamparo social, previu o constituinte benefícios assistenciais que
dispensam contribuições regulares (art. 6º c/c art. 203, CF).
A doença ou invalidez são contingências futuras e incertas, todavia, as doenças degenerativas,
evolutivas, próprias do envelhecer devem ser analisadas com parcimônia, já que filiações
extemporâneas e reingressos tardios afrontam a lógica do sistema, causando desequilíbrio
financeiro e atuarial.
Nesse sentido, os seguintes julgados: TRF3, AC 0034800-49.2016.403.9999SP, Décima
Turma, Des. Fed. NELSON PORFIRIO, Julgamento: 20/06/2017, e-DJF3 Judicial I: 29/06/2017;
TRF3, AC 0000986-12.2017.403.9999 SP, Oitava Turma, Des. Fed. TANIA MARANGONI,
Julgamento: 06/03/2017, e-DJF3 Judicial I: 20/03/2017.
Depreende-se do conjunto probatório que as limitações físicas apontadas no laudo pericial não
constituem óbice ao desenvolvimento das atividades habituais cotidianas da autora, não
havendo nos autos nenhum elemento que evidencie a existência de incapacidade total e
permanente ou temporária, de forma que incabível a concessão do auxílio doença ou da
aposentadoria por invalidez, razão pela qual de rigor o reconhecimento da improcedência do
pedido.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo
98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação, restando prejudicadas as preliminares
argüidas.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA - INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA A ATIVIDADE HABITUAL - IDADE
AVANÇADA - DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO -
JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - HONORÁRIOS RECURSAIS -
PRELIMINARES REJEITADA - APELO DESPROVIDO - SENTENÇA REFORMADA, EM
PARTE.
1. Em razão de sua regularidade formal, o recurso foi recebido, nos termos do artigo 1.011 do
CPC/2015.
2. O montante da condenação não excede a 1.000 (mil) salários mínimos, limite previsto no art.
496, I c.c. o § 3º, I, do CPC/2015, razão pela qual a r. sentença não está sujeita ao reexame
necessário. Preliminar rejeitada.
3. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados
que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no
caso de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por
mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
4. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da
carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
5. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 26/02/2019 constatou que a
parte autora, auxiliar de limpeza, idade atual de 57 anos, está incapacitada definitivamente para
o exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo oficial.
6. Não obstante o perito oficial afirme, em seu laudo, que a incapacidade constatada não
impede a parte autora de realizar sua atividade habitual em pequenos cômodos, há que se levar
em conta que tal limitação a coloca em desvantagem no competitivo mercado de trabalho,
razão pela qual a incapacidade deve ser considerada total para a sua atividade habitual de
auxiliar de limpeza.
7. Não há razões para duvidar de que, embora contribuinte individual, por desinformação,
recolheu como segurado facultativo, até porque as alíquotas para ambas as categorias de
segurado são exatamente as mesmas, nos termos do artigo 21 da Lei nº 8.212/91.Aplica-se,
pois, ao caso, os princípios da boa fé e do in dúbio por misero, para concluir que a parte autora
exerceu atividade laboral como auxiliar de limpeza.
8. A ideia de que os trabalhos domésticos podem ser feitos por donas de casa que estão
incapacitadas para as atividades de trabalho habituais não passa pelo crivo do julgamento sob
a perspectiva de gênero, que consiste na "metodologia para analisar a questão do litígio, que
deve ser implantada nos casos em que relações de poder assimétrica ou padrões de gênero
estereotipados estão envolvidos e requer a integração do princípio da igualdade na
interpretação e aplicação do sistema jurídico, na busca de soluções equitativas para situações
desiguais de gênero" (Glòria Poyatos Matas, apud em Julgamento com Perspectiva de Gênero.
Um guia para o direito previdenciário. Tani Maria Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta
Alves (coord.). Editora Migalhas, 2020, p.19-20).
9. Ofato de a segurada ter como atividade habitual a realização de tarefas domésticas (do lar)
não pode ser visto como algo prejudicial, a partir da idealização da possibilidade de consecução
de tarefas, independentemente das condições de saúde, pela simples razão de que tais
atividades integram a rotina da mulher, da dona de casa. O que se quer destacar é que as
seguradas donas de casa, como outros segurados, também têm necessidades de afastamentos
temporários ou definitivos, em decorrência da maternidade, de acidentes e de enfermidades.
10. A dissociação entre “trabalho” e “atividades domésticas”, com o afastamento e/ou
desconsideração destas últimas do campo econômico, é um equívoco e indica um
desconhecimento do campo teórico que se convencionou chamar de “economia dos cuidados”,
além de indicar um viés de desprestígio e de tratamento não isonômico de uma atividade
incorporada legalmente no regime geral de previdência social.
11. O magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo
436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, podendo considerar, como no caso, outros
elementos de prova.
12. Considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode mais exercer
a sua atividade habitual de forma definitiva, mas pode se dedicar a outra atividade, não deve
ser mantida a sentença na parte em que concedeu a aposentadoria por invalidez, mas é o caso
de se conceder, com fulcro no artigo 1.013, parágrafo 2º, do CPC/2015, o benefício do auxílio-
doença com reabilitação profissional, até porque preenchidos os demais requisitos legais.
13. Não tendo mais a parte autora condições de exercer a sua atividade habitual de forma
definitiva, deve o INSS submetê-lo a processo de reabilitação profissional, na forma prevista no
artigo 62 e parágrafo 1º da Lei nº 8.213/91.
14. O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento
administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na
hipótese de auxílio-doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do
benefício.
15. Tal entendimento, pacificado no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, está embasado no
fato de que "o laudo pericial norteia somente o livre convencimento do juiz quanto aos fatos
alegados pelas partes, mas não serve como parâmetro para fixar termo inicial de aquisição de
direitos" (AgRg no AREsp 95.471/MG, 5ª Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe
09/05/2012), sendo descabida, portanto, a fixação do termo inicial do benefício à data da
juntada do laudo.
16. No caso, o termo inicial do benefício é fixado em 06/09/2017, dia seguinte ao da cessação
indevida.
17. E, considerando que a ação foi ajuizada dentro do quinquênio legal, contado da cessação
administrativa, não há que se falar em prescrição. Rejeito, pois, a preliminar.
18. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
19. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta
Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento
pacificado nos Tribunais Superiores.
20. Confirmada a tutela anteriormente concedida, vez que presentes os seus requisitos -
verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual
decorre da natureza alimentar do benefício, rejeitando, assim, a preliminar.
21. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11,
como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
22. Provido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, ainda que parcialmente,
descabida, no caso, a sua condenação em honorários recursais.
23. Preliminares rejeitadas. Apelo parcialmente provido. Sentença reformada, em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO
JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR MAIORIA, DECIDIU (I) REJEITAR AS
PRELIMINARES, (II) DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO, PARA AFASTAR A
CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, (III) RESTABELECER, COM FULCRO
NO ARTIGO 1.013, PARÁGRAFO 2º, DO CPC/2015, O BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA, A
PARTIR DE 06/09/2017, E (IV) DETERMINAR, DE OFÍCIO, A ALTERAÇÃO DOS JUROS DE
MORA E DA CORREÇÃO MONETÁRIA, NOS TERMOS DO VOTO DA DES. FEDERAL INÊS
VIRGÍNIA, COM QUEM VOTARAM O DES. FEDERAL TORU YAMAMOTO E A DES.
FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, VENCIDOS O RELATOR E O DES. FEDERAL CARLOS
DELGADO QUE DAVAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, RESTANDO PREJUDICADAS AS
PRELIMINARES ARGÜIDAS. LAVRARÁ O ACÓRDÃO A DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
