Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5008067-53.2019.4.03.6119
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 30/04/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA - INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA A ATIVIDADE HABITUAL - REABILITAÇÃO
PROFISSIONAL: IMPOSSIBILIDADE- DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO INICIAL
DO BENEFÍCIO - JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - ENCARGOS DE
SUCUMBÊNCIA - APELO PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA.
1.Em razão de sua regularidade formal, o recurso foi recebido, nos termos do artigo 1.011 do
CPC/2015.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso
de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de
15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência,
quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 18/08/2020,constatou que a parte
autora, do lar,idade atual de 58anos, é portadora de maltes ortopédicos que a incapacitam de
forma parcial e permanente para o trabalho, como se vê do laudo oficial.
5.A incapacidade parcial e permanente da parte autora, de acordo com o perito judicial, a impede
de exercer atividades que exijam esforço físico ou sobrecarga para o aparelho locomotor, não
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
havendo possibilidade de reabilitação profissional.
6. Ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem
o artigo 436 do CPC/73 e o artigo 479 do CPC/2015, estas devem ser consideradas, por se tratar
de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante das partes.
6. O laudo em questão foi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes,
capacitado, especializado em perícia médica, e de confiança do r. Juízo, cuja conclusão encontra-
se lançada de forma objetiva e fundamentada, não havendo que falar em realização de nova
perícia judicial. Atendeu, ademais, às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que
o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados, e levou em
consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica colacionada aos
autos.
7. O fato da segurada ter como atividade habitual a realização de tarefas domésticas (seja em
sua própria casa, como do lar, seja em casa alheia, como faxineira) não pode ser visto como algo
prejudicial, a partir da idealização da possibilidade de consecução de tarefas pela simples razão
de que tais tarefas, remuneradas ou não, são do universo feminino.
8.A dissociação entre “trabalho” e “atividades domésticas”, com o afastamento e/ou
desconsideração destas últimas do campo econômico, é um equívoco e indica um
desconhecimento do campo teórico que se convencionou chamar de “economia dos cuidados”,
além de indicar um viés de desprestígio e de tratamento não isonômico de uma atividade
incorporada legalmente no regime geral de previdência social.
9. Considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode mais exercer,
de forma definitiva, a sua atividade habitual, não havendo possibilidade de reabilitação
profissional,é possível conceder a aposentadoria por invalidez, até porque preenchidos os demais
requisitos legais.
10. Comprovado, nos autos, que a parte autora é segurada da Previdência Social e cumpriu a
carência de 12 (doze) contribuições, exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91.
11. O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento
administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese
de auxílio-doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
12. No caso, após a cessação judicialdo auxílio-doença, a parte autora requereu novo benefício
em 13/10/2014, 05/06/2015 e28/09/2018.Todavia, considerando o longo tempo transcorrido entre
os pedidos administrativos e o ajuizamento da ação, bem como a ausência de prova no sentido
de que a parte autora, já em alguma daquelas decisões, estava incapacitada para o trabalho, o
termo inicial do benefício deve ser fixadoà data da citação, em 09/12/2019.
13. Embora afirme que a incapacidade da parte autora teve início na data da perícia
(18/08/2020),o perito judicial constatou a incapacidade da parte autora em razão dos mesmos
males indicados na petição inicial, o que conduz à conclusão de que, quando do ajuizamento da
ação, em 28/10/2019, ela estava incapacitada para o trabalho.
14. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
15. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte
alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos
Tribunais Superiores.
16. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença(Súmula nº 111/STJ).
17. A Autarquia Previdenciária, no âmbito da Justiça Federal, está isenta das custas processuais
(Lei nº 9.289/96, art. 4º, I), mas (i) não do reembolso das custas recolhidas pela parte autora
(artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a
gratuidade processual que foi concedida à parte autora, (ii) nem do pagamento de honorários
periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela Justiça Federal,
devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32).
18. Apelo provido. Sentença reformada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5008067-53.2019.4.03.6119
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARIA NARTONIA FEITOZA CAVALCANTE
Advogados do(a) APELANTE: GERONIMO RODRIGUES - SP377279-N, GLEICE DAIANE DA
SILVA OLIVEIRA - SP348859-A, RODRIGO HIRANN ALMEIDA KIRSCH - SP421631-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5008067-53.2019.4.03.6119
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARIA NARTONIA FEITOZA CAVALCANTE
Advogados do(a) APELANTE: GERONIMO RODRIGUES - SP377279-N, GLEICE DAIANE DA
SILVA OLIVEIRA - SP348859-A, RODRIGO HIRANN ALMEIDA KIRSCH - SP421631-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de
apelação interposta contra sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de concessão de
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ou AUXÍLIO-DOENÇA, com fundamento na ausência de
incapacidade laborativa, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e
honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo,suspensa a execução, por ser
beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Em suas razões de recurso, sustenta a parte autora que, estando incapacitada, ainda que
parcialmente, para sua atividade habitual, e por possuir baixa instrução, não há possibilidade de
reabilitação profissional, o que justifica a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez,
desde 01/09/2014, data da cessação do auxílio-doença.
Por fim, prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de
lei federal e de preceitos constitucionais.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5008067-53.2019.4.03.6119
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARIA NARTONIA FEITOZA CAVALCANTE
Advogados do(a) APELANTE: GERONIMO RODRIGUES - SP377279-N, GLEICE DAIANE DA
SILVA OLIVEIRA - SP348859-A, RODRIGO HIRANN ALMEIDA KIRSCH - SP421631-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Em razão de sua
regularidade formal, recebo o recurso, nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015.
Osbenefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso
deaposentadoria por invalidez(artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais
de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso deauxílio-doença(artigo 59).
No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício
provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a
reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade
for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por
invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.
Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está
dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de qualquer
natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e afecções
elencadas no artigo 151 da mesma lei.
Assim, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência,
quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
Pleiteia a parte autora, na presente ação, ajuizada em 28/10/2019,a concessão de auxílio-
doença, cessado em 01/09/2014, e sua conversão em aposentadoria por invalidez, alegando ser
portadora de neoplasia do estômago e doenças psiquiátricas e ortopédicas.
Ocorre que o benefício de auxílio-doença que a parte autora, nestes autos, pretende restabelecer
não foi cessado administrativamente, mas por força de decisão judicial transitada em julgado, que
julgou improcedente ação anterior, proposta em 22/03/2010, sob o fundamento de que a
incapacidade da parte autora, decorrente de neoplasia do estômago, era anterior ao reingresso
no regime da Previdência em dezembro de 2005 (processo nº 0002648-55.2010.4.03.6119).
Em relação à neoplasia maligna, portanto, há decisão judicial transitada em julgado, na qual ficou
estabelecida a preexistência da incapacidade da parte autora ao reingresso no regime da
Previdênciaem dezembro de 2005, de modo que, em respeito à coisa julgada, a parte autora só
fará jus à obtenção dos benefícios deaposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, se
demonstrar que a incapacidade atual decorre de outra doença.
Consta, ainda, dos autos, informação de outra ação, proposta em 16/05/2016, na qual a parte
autora tambémpretendia obter o restabelecimento doauxílio-doença, cessado em 01/09/2014,
com fundamento em doença psiquiátrica, tendo sido o pedido julgado improcedente por decisão
judicial transitada em julgado, com fundamento na ausência de incapacidade laboral decorrente
de doença psiquiátrica (processo nº 00029000-88.2016.4.03.6332).
Assim, no tocante à doença psiquiátrica, também há decisão judicial transitada em julgado, na
qual foi reconhecida a ausência de incapacidade, razão pela qual, observada acoisa julgada,a
parte autora só fará jus à obtenção de um dos benefícios requeridos, mediante a comprovação de
que eventual doença psiquiátrica que a acomete teve início apóso julgamento da ação anterior,
cuja sentença foi proferida em 29/08/2017 (ID152481856).
No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 18/08/2020,constatou que a parte
autora, do lar,idade atual de 58anos, é portadora de maltes ortopédicos que a incapacitam de
forma parcial e permanente para o trabalho, como se vê do laudo constante do ID152482170,
complementado no ID152482185:
"Exame médico pericial com finalidade de auxiliar em ação previdenciária. Do visto e exposto,
concluo:
De acordo com as informações obtidas na documentação médica anexada aos autos do
processo, conclui-se que a pericianda apresentou uma neoplasia maligna do estômago definida
como um adenocarcinoma gástrico, com necessidade de tratamento cirúrgico de gastrectomia e
esplenectomia realizado em dezembro de 2005.
Posteriormente, ao longo do ano de 2006 a pericianda realizou quimioterapia e radioterapia
adjuvantes evoluindo com controle satisfatório da doença neoplásica até o presente momento,
sem sinais de recidiva.
Secundariamente à gastrectomia a autora evoluiu com quadro de anemia crônica controlada
através da suplementação parenteral de ferro.
Além disso, a pericianda também apresenta processo crônico e degenerativo dos segmentos
cervical e lombar da coluna vertebral e dos joelhos conceituado como osteoartrose, com
identificação de moderada limitação funcional da coluna vertebral e leve limitação do joelho
direito.
Por fim, a autora apresentou alguns surtos psicóticos de origem indeterminada, atualmente
controlados através do uso de medicações específicas.
Dessa maneira, fica definida uma incapacidade laborativa parcial e permanente pelas doenças
ortopédicas, devendo a autora evitar atividades que imponham esforço físico ou sobrecarga para
o aparelho locomotor. Considerando-se sua idade, seu grau de instrução e as atividades
laborativas habituais, não se vislumbra possibilidade de reabilitação profissional." (ID152482170,
págs. 08-09)
Como se vê, a incapacidade parcial e permanente da parte autora, de acordo com o perito
judicial, a impede de exercer atividades que exijam esforço físico ou sobrecarga para o aparelho
locomotor, não havendo possibilidade de reabilitação profissional.
Assim, ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme
dispõem o artigo 436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, estas devem ser consideradas,
por se tratar de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante das
partes.
O laudo em questão foi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes, capacitado,
especializado em perícia médica, e de confiança do r. Juízo, cuja conclusão encontra-se lançada
de forma objetiva e fundamentada, não havendo que se falar em realização de nova perícia
judicial.
Outrossim, o laudo pericial atendeu às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir
que o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados. Além disso,
levou em consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica
colacionada aos autos.
É importante destacar que o fato da segurada ter como atividade habitual a realização de tarefas
domésticasnão pode ser visto como algo prejudicial, a partir da idealização da possibilidade de
consecução de tarefas pela simples razão de que tais tarefas, remuneradas ou não, são do
universo feminino.
A constatação acimanos remete ao teor de Recomendação Geralde número 33, de
2015,doComitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres(CEDAW)das Nações
Unidas,especialmenteosparágrafos 25 e26, cujos alguns trechos trazemos à tona:
“25.O Comitê recomenda queos Estados partes:
a) Assegurem a efetividade do princípio da igualdade perante a lei adotando-se medidas para
abolir quaisquer leis, procedimentos, regulamentos, jurisprudência, costumes e práticas
existentes que, direta ou indiretamente, CEDAW/C/GC/33 15-13094 13/27 discriminem as
mulheres, em especial quanto ao acesso à justiça; e também para abolir quaisquer outras
barreiras discriminatórias ao acesso àjustiça. (...)
26.Os estereótipos e os preconceitos de gênero no sistema judicial têm consequências de amplo
alcance para o pleno desfrute pelas mulheres de seus direitos humanos. Eles impedem o acesso
das mulheres à justiça em todas as áreas do direito, e podem ter um impacto particularmente
negativo sobre as mulheres vítimas e sobreviventes da violência.(...) Em todas as áreas do
direito, os estereótipos comprometem a imparcialidade e integridade do sistema de justiça, que
podem, por sua vez, levar à denegação da justiça, incluindo arevitimizaçãode denunciantes.(...)”
No mais, é necessário destacar que a dissociação entre “trabalho” e “atividades domésticas”, com
o afastamento e/ou desconsideração destas últimas do campo econômico, é um equívoco e
indica um desconhecimento do campo teórico que se convencionou chamar de “economia dos
cuidados”, além de indicar um viés de desprestígio e de tratamento não isonômico de uma
atividade incorporada legalmente no regime geral de previdência social.
Os estudos sobre o valor econômico das atividades domésticas e de cuidados com os que
precisam estar em casa (crianças, idosos, pessoas com alguns tipos de deficiência) decorreram
de pesquisas sobre desigualdade entre gêneros, que ganharam corpo nos últimos 40 anos. Em
relatório sobre o marco téorico-conceitual da “Economia dos Cuidados”, publicado pela fundação
pública IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (vinculada ao Ministério da Economia) e
elaborado em2016 por Bruna Cristina Jaquetto Pereira, foi destacado que:
“Uma das principais contribuições nesse sentido parte de teóricas e pesquisadoras dos campos
da economia, da ciência política, da sociologia, da antropologia, da história e das ciências da
saúde, entre outros, as quais vêm buscando evidenciarque as tarefas de atenção e cuidado às
pessoas e de manutenção dos lares e demais ambientes da vida social constituem trabalhos
imprescindíveis à reprodução social biológica e ao bem-estar(Carrasco, Borderías e Torns, 2011,
p. 9). Por sua natureza, o debate comporta tanto as abordagens restritas a uma única disciplina
quanto aquelas que combinam aspectos éticos, práticos e políticos, de caráter interdisciplinar
(Molinier, Laugier e Paperman, 2009).
A problematização da dualidade público-privado por perspectivas feministas descortina conteúdos
políticos de relações sociais que, privatizadas e delegadas às mulheres, são consideradas
apolíticas (Biroli, 2013, p. 169).Tomar os cuidados como objeto de estudos favorece também o
desenvolvimento de reflexões mais amplas sobre a organização social dos trabalhos de cuidado,
suas variações e permanências no decorrer da história, suas implicações para o status e o
usufruto da cidadania de quem provê e/ou demandae recebe cuidados, e sobre o papel de suas
formas tradicionais de distribuição para a reprodução de desigualdades e hierarquias entre
grupos sociais.Pensar o cuidado abre espaço para que se formulem propostas para sua
redistribuição, principalmente a partir de políticas públicas destinadas a esta finalidade.”
(Economia dos Cuidados: Marco Teórico-Conceitual: relatório de pesquisa. Disponível em
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7412/1/RP_Economia_2016.pdf, p.11. Grifos meus)
Como explicado pelo Consultor Legislativo Iuri Gregório de Sousa, quando da análise do PL
7815/2017, hoje arquivado, que dispunha sobre “a inclusão da economia do cuidado no sistema
de contas nacionais, usado para aferição do desenvolvimento econômico e social do país para a
definição e implementação de políticas públicas”:
“O termocare(cuidado em língua inglesa) tem sido utilizado para caracterizar as atividades que
são desenvolvidas no âmbito da economia dos cuidados. Numa acepção ampla,careengloba as
atividades desempenhadas, gratuitamente ou não, por pessoas que se dediquem a prestar
serviços orientados à satisfação de necessidades físicas ou psicológicas de terceiros bem como à
promoção da criação e desenvolvimento de crianças e jovens.
Há portanto, vários segmentos docaree, dentre as possíveis segmentações, estão os trabalhos
remunerados e aqueles não remunerados. A relevância da exploração do tema economia dos
cuidados reside justamente na parcela das atividades não remuneradas, que são invisíveis ao
mercado.Quando serviços relacionados aocaresão remunerados, a sua significância já é
naturalmente expressa pelo valor monetário desembolsado por sua prestação. Entretanto as
inumeráveis atividades docareque ocorrem dentro das famílias ou entre conhecidos próximos de
forma gratuita são excluídas de estatísticas oficiais. E, mesmo num nível individual, são vistas
como um trabalho menor ou mesmo um não trabalho, o que leva à desvalorização social
daqueles que exercem tais atividades.
O tema suscita ainda a questão de desigualdade entre gêneros, pois as mulheres perfazem a
maioria dos trabalhadores dos cuidados, principalmente nos trabalhos domésticos. (...) Supõe-se
que a maior causa dessa desproporção de oportunidades seja decorrente da herança cultural de
uma época em que ao homem era reservado o dever de prover o lar e à mulher o dever de
manter a casa.Nessa visão o trabalho do homem seria gerador de valor e o trabalho da mulher
seria algo estéril, sem qualquer significação econômica.”
(Consultoria Legislativa, 14/08/2017, disponível emhttps://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-
legislativa/fiquePorDentro/temas/economia-do-cuidado-set-2017. Grifos meus).
Desse modo, considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode mais
exercer, de forma definitiva, a sua atividade habitual, não havendo possibilidade de reabilitação
profissional,é possível conceder a aposentadoria por invalidez, até porque preenchidos os demais
requisitos legais.
Nesse sentido, é o entendimento firmado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
... a jurisprudência do STJ alinhou-se no sentido de que, para a concessão da aposentadoria por
invalidez, o magistrado não está vinculado à prova pericial e pode concluir pela incapacidade
laboral levando em conta os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado.
(AgInt nos EDcl no AREsp nº 884.666/DF, 2ª Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe
08/11/2016)
No mesmo sentido, confiram-se os seguintes julgados desta Egrégia Corte Regional:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO. DIB. MANTIDA. REMESSA OFICIAL. NÃO
CONHECIDA. PRELIMINAR. REJEITADA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Cumpre observar que, embora a sentença tenha sido desfavorável ao Instituto Nacional do
Seguro Social - INSS, não se encontra condicionada ao reexame necessário, considerados o
valor do benefício e o lapso temporal de sua implantação, não excedente a 1.000 (mil) salários
mínimos (art. 496, I, NCPC).
2. Tendo em vista que a natureza alimentar do benefício pleiteado evidencia o risco de dano
irreparável ou de difícil reparação, o que reforça a necessidade da concessão da medida de
urgência, ainda que em detrimento de eventual dano patrimonial ao ente público, entendo
presentes os requisitos autorizadores da concessão do benefício, devendo ser privilegiada a
dignidade da pessoa humana entabulada no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de
1988.
3. A concessão da aposentadoria por invalidez reclama que o requerente seja segurado da
Previdência Social, tenha cumprido o período de carência de 12 (doze) contribuições, e esteja
incapacitado, total e definitivamente, ao trabalho (art. 201, I, da CR/88 e art. 18, I, "a"; 25, I, e 42
da Lei nº 8.213/91). Idênticos requisitos são exigidos à outorga de auxílio-doença, cuja diferença
centra-se na duração da incapacidade (arts. 25, I, e 59 da Lei nº 8.213/91).
4. No que se refere ao requisito da incapacidade, o laudo médico pericial de fls. 117/125,
realizado em 13/10/2015, quando a autora contava com 54 anos, atesta que ela é portadora de
psoríase não especificada (CID L40.9), com "lesões em ambas as mãos escamativas e ulceradas
com sinais de infecção" e "lesões em ambos os calcanhares e pés escamativas, sem a presença
de úlcera e infecção", por fim "apresenta lesões em couro cabeludo", concluindo por incapacidade
total e temporária, com início da doença no ano de 2013 e surgimento da incapacidade em
12/05/2014.
5. Tratando-se de incapacidade total e temporária, é de rigor levar-se em conta, ainda, as
condições pessoais da segurada, tais como: idade (atualmente com 56 anos), nível de
escolaridade (estudou até a 4ª série) e possibilidade de reabilitação em outra atividade laboral
(histórico profissional na área de auxiliar de balconista, embaladeira e serviços gerais, conforme
cópia CTPS f. 22/23). No presente caso, tais considerações levam à inarredável conclusão de
que a autora faz jus à aposentadoria por invalidez. Nesse contexto, dificilmente terá condições de
conseguir novo emprego que não demande a realização de trabalhos pesados, com a utilização
das mãos e constante caminhada, alternando com excessivos períodos em pé, razão pela qual a
conclusão pela conversão do benefício de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez é
medida que se impõe.
6. A DIB deverá ser mantida a partir da cessação indevida do benefício (NB 604.225.432-8),
ocorrida em 16/05/2014 (f. 19), posto que a autora já se encontrava incapacitada para o trabalho.
7. Positivados os requisitos legais, de rigor a manutenção da sentença.
8. Para o cálculo dos juros de mora, aplicam-se os critérios estabelecidos no Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração
da conta de liquidação. Quanto à correção monetária, acompanho o entendimento firmado pela
Sétima Turma no sentido da aplicação do Manual de Cálculos, naquilo que não conflitar como o
disposto na Lei nº 11.960/2009, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de
29 de junho de 2009.
9. A verba honorária de sucumbência deve ser mantida no montante de 10% (dez por cento)
sobre o valor da condenação, conforme entendimento desta Turma (artigo 85, §§ 2º e 3º, do
Código de Processo Civil/2015), aplicada a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça,
segundo a qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidem
sobre o valor das prestações vencidas após a data da prolação da sentença.
10. Remessa oficial não conhecida. Matéria preliminar rejeitada. Apelação do INSS parcialmente
provida.
(Apel Reex nº 0005011-68.2017.4.03.9999/SP, 7ª Turma, Rel. Desembargador Federal Toru
Yamamoto, DE 15/08/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REMESSA OFICIAL TIDA POR
INTERPOSTA. INCAPACIDADE. QUALIDADE DE SEGURADO. TERMO INICIAL. ERRO
MATERIAL. JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
I - Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de
reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a
sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
II - Considerando-se a atividade a idade da autora (62 anos), o agravamento da enfermidade, e
as considerações do laudo pericial (dificuldade de recolocação), conclui-se que ela não tem
condições de reabilitação, mesmo apontando o laudo pela incapacidade parcial fazendo jus ao
benefício de aposentadoria por invalidez, inclusive abono anual, em conformidade com o art. 40
do mesmo diploma legal.
III - Termo inicial do benefício de aposentadoria por invalidez mantido no dia seguinte à cessação
administrativa (01.12.2013), eis que não houve recuperação da autora, corrigindo-se erro material
na sentença que considerou tal data como pedido administrativo. Os valores percebidos a título
de auxílio-doença deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.
IV - Os juros de mora e a correção monetária serão calculadas na forma da lei de regência, não
se conhecendo nessa parte da apelação do INSS, uma vez que a sentença dispôs no mesmo
sentido.
V - Ante a parcial procedência da remessa oficial tida por interposta, mantidos os honorários
advocatícios em 10% (dez por cento) do valor das prestações vencidas até a data da sentença,
nos termos da Súmula 111 do E. STJ - em sua nova redação, e entendimento firmado por esta
10ª Turma, conforme previsto no art. 85, § 11, do Novo CPC.
VI - Apelação do réu não conhecida em parte e na parte conhecida, improvida. Remessa oficial
tida por interposta parcialmente provida.
(AC nº 0021184-70.2017.4.03.9999/SP, 10ª Turma, Relator Desembargador Federal Sérgio
Nascimento, DE 21/09/2017)
Restou comprovado, nos autos, que a parte autora é segurada da Previdência Social e cumpriu a
carência de 12 (doze) contribuições, exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91, como se
vê dos documentos constantes do ID152481841.
Constam, desse documento, recolhimentos efetuados como segurado facultativo nas
competências de 09/2014, 11/2014 a 12/2015, 02/2016 a 04/2016, 06/2016 a 05/2018, 07/2018 a
09/2018 e 11/2018 a 10/2019.
A presente ação foi ajuizada em 28/10/2019.
O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento administrativo
ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de auxílio-
doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
No caso, após a cessação judicialdo auxílio-doença, a parte autora requereu novo benefício em
13/10/2014 (ID152481844), 05/06/2015 (ID152482145) e28/09/2018 (ID152482146).
Todavia, considerando o longo tempo transcorrido entre os requerimentos administrativos e o
ajuizamento da ação, bem como a ausência de prova no sentido de que a parte autora, já em
alguma daquelas decisões, estava incapacitada para o trabalho, o termo inicial do benefício deve
ser fixadoà data da citação, em 09/12/2019.
Na verdade,embora afirme que a incapacidade da parte autora teve início na data da perícia
(18/08/2020),o perito judicial constatou a incapacidade da parte autora em razão dos mesmos
males indicados na petição inicial, o que conduz à conclusão de que, quando do ajuizamento da
ação, em 28/10/2019, ela estava incapacitada para o trabalho.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos
no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo
Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período
em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-e, critério
estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso
Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e
confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS.
Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte
alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos
Tribunais Superiores.
Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
No que se refere às custas processuais, no âmbito da Justiça Federal, delas está isenta a
Autarquia Previdenciária, a teor do disposto no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96.
Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte
autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a
gratuidade processual que foi concedida à parte autora.
Também não o dispensa do pagamento de honorários periciais ou do seu reembolso, caso o
pagamento já tenha sido antecipado pela Justiça Federal, devendo retornar ao erário (Resolução
CJF nº 305/2014, art. 32).
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo da parte autora, para condenar o Instituto-réu a
conceder-lhe a APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, nos termos dos artigos 42 e 44 da Lei nº
8.213/91, a partir de 09/12/2019, data da citação,determinando, ainda, na forma acima
explicitada, a aplicação de juros de mora e correção monetária, bem como o pagamento de
encargos de sucumbência.
Independentemente do trânsito em julgado, determino, com base no artigo 497 do CPC/2015, a
expedição de e-mail ao INSS, instruído com cópia dos documentos da segurada MARIA
NARTONIA FEITOZA CAVALCANTE,para que, no prazo de 30 dias, sob pena de multa-diária no
valor de R$ 100,00, cumpra a obrigação de fazer consistente na imediata implantação do
benefício de APOSENTADORIA POR INVALIDEZ,com data de início (DIB) em 09/12/2019 (data
da citação)e renda mensal a ser calculada de acordo com a legislação vigente.
OFICIE-SE.
É COMO VOTO.
/gabiv/asato
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA - INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA A ATIVIDADE HABITUAL - REABILITAÇÃO
PROFISSIONAL: IMPOSSIBILIDADE- DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO INICIAL
DO BENEFÍCIO - JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - ENCARGOS DE
SUCUMBÊNCIA - APELO PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA.
1.Em razão de sua regularidade formal, o recurso foi recebido, nos termos do artigo 1.011 do
CPC/2015.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso
de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de
15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência,
quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 18/08/2020,constatou que a parte
autora, do lar,idade atual de 58anos, é portadora de maltes ortopédicos que a incapacitam de
forma parcial e permanente para o trabalho, como se vê do laudo oficial.
5.A incapacidade parcial e permanente da parte autora, de acordo com o perito judicial, a impede
de exercer atividades que exijam esforço físico ou sobrecarga para o aparelho locomotor, não
havendo possibilidade de reabilitação profissional.
6. Ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem
o artigo 436 do CPC/73 e o artigo 479 do CPC/2015, estas devem ser consideradas, por se tratar
de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante das partes.
6. O laudo em questão foi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes,
capacitado, especializado em perícia médica, e de confiança do r. Juízo, cuja conclusão encontra-
se lançada de forma objetiva e fundamentada, não havendo que falar em realização de nova
perícia judicial. Atendeu, ademais, às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que
o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados, e levou em
consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica colacionada aos
autos.
7. O fato da segurada ter como atividade habitual a realização de tarefas domésticas (seja em
sua própria casa, como do lar, seja em casa alheia, como faxineira) não pode ser visto como algo
prejudicial, a partir da idealização da possibilidade de consecução de tarefas pela simples razão
de que tais tarefas, remuneradas ou não, são do universo feminino.
8.A dissociação entre “trabalho” e “atividades domésticas”, com o afastamento e/ou
desconsideração destas últimas do campo econômico, é um equívoco e indica um
desconhecimento do campo teórico que se convencionou chamar de “economia dos cuidados”,
além de indicar um viés de desprestígio e de tratamento não isonômico de uma atividade
incorporada legalmente no regime geral de previdência social.
9. Considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode mais exercer,
de forma definitiva, a sua atividade habitual, não havendo possibilidade de reabilitação
profissional,é possível conceder a aposentadoria por invalidez, até porque preenchidos os demais
requisitos legais.
10. Comprovado, nos autos, que a parte autora é segurada da Previdência Social e cumpriu a
carência de 12 (doze) contribuições, exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91.
11. O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento
administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese
de auxílio-doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
12. No caso, após a cessação judicialdo auxílio-doença, a parte autora requereu novo benefício
em 13/10/2014, 05/06/2015 e28/09/2018.Todavia, considerando o longo tempo transcorrido entre
os pedidos administrativos e o ajuizamento da ação, bem como a ausência de prova no sentido
de que a parte autora, já em alguma daquelas decisões, estava incapacitada para o trabalho, o
termo inicial do benefício deve ser fixadoà data da citação, em 09/12/2019.
13. Embora afirme que a incapacidade da parte autora teve início na data da perícia
(18/08/2020),o perito judicial constatou a incapacidade da parte autora em razão dos mesmos
males indicados na petição inicial, o que conduz à conclusão de que, quando do ajuizamento da
ação, em 28/10/2019, ela estava incapacitada para o trabalho.
14. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
15. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte
alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos
Tribunais Superiores.
16. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença(Súmula nº 111/STJ).
17. A Autarquia Previdenciária, no âmbito da Justiça Federal, está isenta das custas processuais
(Lei nº 9.289/96, art. 4º, I), mas (i) não do reembolso das custas recolhidas pela parte autora
(artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a
gratuidade processual que foi concedida à parte autora, (ii) nem do pagamento de honorários
periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela Justiça Federal,
devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32).
18. Apelo provido. Sentença reformada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
