Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003239-48.2018.4.03.6119
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
20/10/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/10/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA - INCAPACIDADE PREEXISTENTE DEMONSTRADA - COBRANÇA - VALORES
PAGOS INDEVIDAMENTE - INEXIGIBILIDADE - TEMA 979 - ERRO ADMINISTRATIVO -
MODULAÇÃO DE EFEITOS -HONORÁRIOS RECURSAIS -APELOS DESPROVIDOS-
SENTENÇA MANTIDA.
1. Em razão de sua regularidade formal, os recursos foram recebidos, nos termos do artigo 1.011
do Código de Processo Civil.
2.Osbenefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso
deaposentadoria por invalidez(art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de
15 (quinze) dias consecutivos, no caso deauxílio-doença(art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência,
quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 12/04/2013constatou que a parte
autora, doméstica, idade atual de 47 anos, está incapacitada de forma total e permanente para o
exercício de sua atividade laboral desde outubro de 1997, como se vê do laudo oficial.
5. No entanto, o benefício não pode ser concedido, pois restou comprovado, através do laudo
pericial, que a incapacidade laboral da parte autora já existia quando da sua nova filiação, em
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
maio de 2001.
6. A Lei nº 8.213/91 veda a concessão tanto do auxílio-doença (artigo 59, parágrafo único) como
da aposentadoria por invalidez (artigo 42, parágrafo 2º), nos casos em que a doença já
incapacitava o segurado quando da sua filiação ao Regime Geral da Previdência Social.
7. Demonstrado, nos autos, que a parte autora, quando da nova filiação ao Regime Geral da
Previdência Social, já estava incapacitada para o trabalho, e sendo tal argumento intransponível,
não é de se conceder o benefício postulado.
8. A questão posta nos autos versa sobre a exigibilidade/devolução de valores pagos
indevidamente a título de benefício previdenciário, e sobre a qual a jurisprudência pátria
controverte há longo tempo.
9. Isto porque, tem-se, de um lado, o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do
segurado, e de outro, a indisponibilidade da verba pública e a vedação ao locupletamento ilícito.
10. A Administração Pública, constatando a existência de erro do ato administrativo - no caso
específico da autarquia previdenciária na concessão ou pagamento dos benefícios - tem o poder
de autotutela, que aqui se revela no poder-dever de proceder à correção do benefício,
observando o devido processo legal. Além disso, o princípio da segurança jurídica deve ser
compatibilizada com o poder de autotutela.
11. A convalidação é uma expressão do princípio da autotutela, “que significa o poder (na
verdade, poder-dever) da Administração de prover o interesse público sem recorrer a outra
autoridade, a ela estranha, para anular, corrigir e revogar atos administrativos ilegais ou, na última
hipótese referida, inconvenientes ou inoportunos ao interesses públicos.” (ARAÚJO, Edmar Netto
de. A Convalidação dos atos administrativos e as leis de processo administrativo. InProcesso
Administrativo: Temas polêmicos da Lei n° 9.784/99, Irene Patrícia Nohara e Marco Antônio
Praxedes de Moraes Filho (org), São Paulo: Atlas, 2011, p. 52)
12. O poder-dever de autotutela da Administração é guiado pelos princípios administrativos, já
que a atividade dos órgãos públicos está estritamente vinculada à legalidade, devendo ser
eficiente, resguardar o interesse público, sempre respeitando o contraditório e a ampla defesa,
por meios de atos motivados que garantam a segurança jurídica dos administrados.
13. Nesse sentido, a Súmula 473 do STF, cujo enunciado é: “A administração pode anular seus
próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam
direitos.”
14. Pacífico é o entendimento de que o INSS, no exercício de sua autotutela, deverá proceder à
correção de benefício previdenciário pago incorretamente.
15. De outro lado, estabelece o artigo 876 do Código Civil que aquele que recebeu o que não lhe
era devido fica obrigado a restituir. E o artigo 884 do mesmo Código Civil dispõe que o
enriquecimento sem causa também implica a restituição.
16. Aquele que recebe benefício indevidamente, especialmente em razão de irregularidade ou
fraude quando de sua concessão, está obrigado a restituir a importância devida, devidamente
atualizada, nos termos do citado artigo 884 do CC.
17. Nessa esteira, o artigo 115 da Lei n. 8.213/91 autoriza o desconto de valores pagos a maior,
percebidos pelo segurado. No entanto, na aplicação desse dispositivo legal, devem ser
ponderados dois pontos: a boa-fé do titular, princípio geral do direito norteador do ordenamento
jurídico; e o caráter alimentar do benefício previdenciário.
18. A E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se submeteu
a julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica: Com relação aos
pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou
operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração,
são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido.
19. O aludido precedente firmou as seguintes balizas para solução da temática: (i) os valores
recebidos indevidamente em razão de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são
passíveis de devolução pelo segurado; (ii) os valores recebidos indevidamente em razão de erro
material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da
boa-fé do segurado; (iii) a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir
de 23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma); e (iv) a repetição, quando admitida, permite o
desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
20. Em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a restituição.
Já nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou operacional autárquico,
é preciso verificar se tal equívoco era capaz de “despertar no beneficiário inequívoca
compreensão da irregularidade do pagamento”, conditio sine qua non para que a restituição seja
devida.
21. A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de
acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a
segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
22. Mencionado precedente obrigatório, em deferência ao princípio da segurança jurídica e com
esteio no artigo 927, §3°, do CPC, cuidou, ainda, de modular os efeitos da tese adotada,
estabelecendo que, no que tange aos processos em curso no momento do mencionado
julgamento, deve ser adotada a jurisprudência até então predominante.
23. A simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração não
autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício
previdenciário,que, em tese, foram recebidos deboa-fépelos segurados/beneficiários. Em casos
tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida aboa-féda
pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o
ressarcimento ao erário.
24. In casu, o INSS busca a restituição de valores pagos indevidamente à parte contrária, sendo
certo que a autarquia, em nenhum momento apresentou nos autos elementos a evidenciar nexo
de causalidade entre tal fato e uma conduta do segurado contrária ao princípio da boa-fé.
25. Em que pese a demonstração do pagamento indevido, considerando que a presente ação
judicial foi proposta antes do julgamento do precedente vinculante pelo Superior Tribunal de
Justiça, a restituição postulada se mostra indevida, diante da modulação de efeitos antes
mencionada.
26. Inexistindo nos autos elementos a demonstrar a má-fé do segurado, deve ser mantida a
sentença no particular, com a impossibilidade de restituição dos valores pagos pelo INSS.
27. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11,
como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
28. Desprovidosos apelos interpostos na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença
devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015,
observada, em relação à parte autora, a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma
lei,e condicionando, quanto ao INSS, a exigibilidade da verbaà futura deliberação sobre o Tema
nº 1.059/STJ, o que será examinado oportunamente peloJuízo da execução
29. Apelos desprovidos. Sentença mantida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003239-48.2018.4.03.6119
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ELIANE FRANKLIN DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL
Advogado do(a) APELANTE: RUTE FERREIRA E SILVA - SP253469-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, ELIANE FRANKLIN DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: RUTE FERREIRA E SILVA - SP253469-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003239-48.2018.4.03.6119
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ELIANE FRANKLIN DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL
Advogado do(a) APELANTE: RUTE FERREIRA E SILVA - SP253469-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, ELIANE FRANKLIN DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: RUTE FERREIRA E SILVA - SP253469-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se
deapelações interpostascontra sentença que julgou PARCIALMENTEPROCEDENTE o pedido,
com fundamento na irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, para afastar a cobrança
dos valores recebidos a título de auxílio-doença NB 125.829.804-7 e NB 544.037.301-9,
condenando às partes, em razão da sucumbência recíproca,ao pagamento de honorários
advocatícios, na seguinte proporção: em percentual mínimo legal, pelo INSS, e em R$ 2.000,00
pela parte autora,suspensa a execução em relação a esta,por ser beneficiária da assistência
judiciária gratuita.
Em suas razões de recurso, alega a parte autoraque foi indevido o cancelamento dos
benefícios, pois a parte autora não só estava incapacitada para o trabalho, tanto que ela estava
interditada. Requer, assim, o restabelecimento do auxílio-doença e sua conversão em
aposentadoria por invalidez.
Por sua vez, sustenta o INSS:
- que os atos administrativos podem ser revistos e anulados (Súmulas nºs 346 e 473, do STF);
- que, cancelada a concessão do auxílio-doença,os valores recebidos indevidamente a esse
título podem ser cobrados, nos termos do artigo 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91;
- que a constatação da boa-fé do segurado não o exime de restituir os valores indevidamente
recebidos;
- que os honorários advocatícios foram fixados em valor exagerado.
Por fim, prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de
lei federal e de preceitos constitucionais.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003239-48.2018.4.03.6119
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ELIANE FRANKLIN DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL
Advogado do(a) APELANTE: RUTE FERREIRA E SILVA - SP253469-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, ELIANE FRANKLIN DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: RUTE FERREIRA E SILVA - SP253469-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Em razão de
sua regularidade formal, recebo os recursos foram recebidos, nos termos do artigo 1.011 do
Código de Processo Civil.
Osbenefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no
caso deaposentadoria por invalidez(artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por
mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso deauxílio-doença(artigo 59).
No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício
provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a
reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade
for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por
invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.
Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está
dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de
qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e
afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei.
Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da
carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 12/04/2013constatou que a parte
autora, doméstica, idade atual de 47 anos, está incapacitada de forma total e permanente para
o exercício de sua atividade laboral desde outubro de 1997, como se vê do laudo constante do
ID7250048, págs. 01-05, complementado no ID7250050, pág. 04:
"A autora apresenta deficiência mental."(ID7250048, pág. 04)
"Sob a ótica psiquiátrica, foi caracterizada situação de incapacidade laborativa total e
permanente. Incapaz para os atos da vida civil e para a vida independente."(ID7250048, pág.
05)
"Ratifico o laudo pericial entregue. De acordo com o prontuário médico a autora é portadora de
doença e incapacidade desde outubro de 1997."(ID7250050, pág. 04)
No entanto, o benefício não pode ser concedido, pois restou comprovado, através do laudo
pericial, que a incapacidade laboral da parte autora já existia quando da sua nova filiação, em
maio de 2001 (ID7250049, pág. 03).
Na verdade, a Lei nº 8.213/91 veda a concessão tanto do auxílio-doença (artigo 59, parágrafo
único) como da aposentadoria por invalidez (artigo 42, parágrafo 2º), nos casos em que a
doença já incapacitava o segurado quando da sua filiação ao Regime Geral da Previdência
Social.
Nesse sentido, confira-se o entendimento desta Egrégia Corte Regional:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO DOENÇA.
INCAPACIDADE PREEXISTENTE COMPROVADA. INGRESSO AO RGPS COM IDADE
AVANÇADA.
I- Os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez compreendem: a) o
cumprimento do período de carência, quando exigida, prevista no art. 25 da Lei n° 8.213/91; b)
a qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios e c) incapacidade definitiva
para o exercício da atividade laborativa. O auxílio doença difere apenas no que tange à
incapacidade, a qual deve ser temporária.
II- O esculápio encarregado do exame atestou a incapacidade total e temporária da parte
autora, porém, fixou o início da incapacidade em data anterior à filiação da segurada à
Previdência Social.
III- Dessa forma, forçoso concluir que a requerente ingressou no RGPS, em março/11, aos 55
anos, já portadora do mal incapacitante, impedindo, portanto, a concessão do benefício de
aposentadoria por invalidez ou auxílio doença, nos termos do disposto nos arts. 42, § 2º e 59,
parágrafo único, da Lei nº 8.213/91.
IV- Apelação improvida.
(AC nº 0025311-85.2016.4.03.9999/SP, 8ª Turma, Relator Desembargador Federal Newton De
Lucca, DE 04/11/2016)
AGRAVO LEGAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO NÃO COMPROVADA. INCAPACIDADE
PREEXISTENTE. BENEFÍCIO CASSADO.
1. Incapacidade preexistente comprovada.
2. Agravo legal não provido.
(Apel Reex nº 0017439-29.2010.4.03.9999/SP, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal
Paulo Domingues, DE 23/08/2016)
Desse modo, restando comprovado que a parte autora, quando da filiação ao Regime Geral da
Previdência Social, já estava incapacitada para o trabalho, e sendo tal argumento
intransponível, não é de se conceder o benefício postulado.
No mais, quanto à a exigibilidade/devolução de valores pagos indevidamente a título de
benefício previdenciário, a jurisprudência pátria controverte há longo tempo
Isto porque, tem-se, de um lado, o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do
segurado, e de outro, a indisponibilidade da verba pública e a vedação ao locupletamento ilícito.
De fato, a Administração Pública, constatando a existência de erro do ato administrativo - no
caso específico da autarquia previdenciária na concessão ou pagamento dos benefícios - tem o
poder de autotutela, que aqui se revela no poder-dever de proceder à correção do benefício,
observando o devido processo legal. Além disso, o princípio da segurança jurídica deve ser
compatibilizada com o poder de autotutela.
A Administração não pode conviver ou permitir atos eivados de legalidade. Desse modo, a
convalidação é uma expressão do princípio da autotutela, “que significa o poder (na verdade,
poder-dever) da Administração de prover o interesse público sem recorrer a outra autoridade, a
ela estranha, para anular, corrigir e revogar atos administrativos ilegais ou, na última hipótese
referida, inconvenientes ou inoportunos ao interesses públicos.” (ARAÚJO, Edmar Netto de. A
Convalidação dos atos administrativos e as leis de processo administrativo. InProcesso
Administrativo: Temas polêmicos da Lei n° 9.784/99, Irene Patrícia Nohara e Marco Antônio
Praxedes de Moraes Filho (org), São Paulo: Atlas, 2011, p. 52)
O poder-dever de autotutela da Administração é guiado pelos princípios administrativos, já que
a atividade dos órgãos públicos está estritamente vinculada à legalidade, devendo ser eficiente,
resguardar o interesse público, sempre respeitando o contraditório e a ampla defesa, por meios
de atos motivados que garantam a segurança jurídica dos administrados. Nas lições de Odete
Medauar:
“o processo administrativo estende a legalidade e dá ensejo ao surgimento de uma nova
legalidade, em especial nas relações entre cidadão e Administração, o que não significa opção
neopositivista ou ideia de onipotência da lei, mas a adequada compreensão da atividade
administrativa, com base na realização dos princípios constitucionais, sem renúncia a um grau
de certeza e de garantia, ou seja, um padrão de coerência sistêmica, segundo as linhas
inerentes ao Estado de
Direito.”(MEDAUAR,Odete.Direitoadministrativomoderno.9.ed.SãoPaulo:Ed.RevistadosTribunai
s,2005, p. 92).
O poder de autotutela guarda consonância com a Súmula 473 do STF, cujo enunciado é: “A
administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais,
porque deles não se originam direitos.”
Portanto, pacífico é o entendimento de que o INSS, no exercício de sua autotutela, deverá
proceder à correção de benefício previdenciário pago incorretamente.
De outro lado, estabelece o artigo 876 do Código Civil que aquele que recebeu o que não lhe
era devido fica obrigado a restituir. E o artigo 884 do mesmo Código Civil dispõe que o
enriquecimento sem causa também implica a restituição.
Portanto, aquele que recebe benefício indevidamente, especialmente em razão de
irregularidade ou fraude quando de sua concessão, está obrigado a restituir a importância
devida, devidamente atualizada, nos termos do citado artigo 884 do CC.
Nessa esteira, o artigo 115 da Lei n. 8.213/91 autoriza o desconto de valores pagos a maior,
percebidos pelo segurado. No entanto, na aplicação desse dispositivo legal, devem ser
ponderados dois pontos: a boa-fé do titular, princípio geral do direito norteador do ordenamento
jurídico; e o caráter alimentar do benefício previdenciário.
Com efeito, a E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se
submeteu a julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé,
a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou
erro da Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica:
Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por
cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o
segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com
demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
O acórdão ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART.
115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE
INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO.
ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA
HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM
CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada
ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à
hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio
também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou
assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e
similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à
suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte
tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por
força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência
Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má
aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má
aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque
também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser
aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a
sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução
dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível
que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a
presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela
administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum
compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração
previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos
objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale
dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro,
necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n.
3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou
indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de
erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o
devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com
desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o
seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal,
ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé
objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste
representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável
interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a
centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os
processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste
acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a
cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se
estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de
simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na
exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos
benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da
vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar os descontos
dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Depreende-se, em resumo, que o aludido precedente firmou as seguintes balizas para solução
da temática:
- os valores recebidos indevidamente em razão de má aplicação ou de interpretação errônea da
lei não são passíveis de devolução pelo segurado;
- os valores recebidos indevidamente em razão de erro material ou operacional da
Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da boa-fé do segurado;
- a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de 23/04/2021
(publicação do acórdão paradigma);
- a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do
benefício do segurado.
Cumpre destacar que o C. STJ andou bem ao distinguir as situações em que o pagamento
indevido decorre de interpretação errônea e/ou má aplicação da lei daquelas em que o
pagamento equivocado deflui de erro (material ou operacional) da autarquia. No particular,
merece especial destaque o seguinte trecho do voto da lavra do e. Ministro Benedito
Gonçalves:
Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação errônea e má aplicação da lei), onde o
elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o segurado recebeu o
benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido
indevidamente, a hipótese de erro material ou operacional deve ser analisado caso a caso, de
modo a averiguar se o beneficiário/segurado tinha condições de compreender a respeito do não
pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do
seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária.
Ou seja, em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a
restituição. Já nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou
operacional autárquico, é preciso verificar se tal equívoco era capaz de “despertar no
beneficiário inequívoca compreensão da irregularidade do pagamento”,conditio sine qua non
para que a restituição seja devida.
A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo
com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança
jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima. Como ensina
Almiro do Couto e Silva:
“Asegurançajurídicaéentendidacomosendoumconceitoouumprincípiojurídicoqueseramificaemdu
aspartes,umadenaturezaobjetivaeoutradenaturezasubjetiva.Aprimeira,denaturezaobjetiva,éaque
laqueenvolveaquestãodoslimitesàretroatividadedosatosdoEstadoatémesmoquandoestessequalif
iquemcomoatoslegislativos.Dizrespeito,portanto,àproteçãoaodireitoadquirido,aoatojurídicoperfeit
oeàcoisajulgada(...).Aoutra,denaturezasubjetiva,concerneàproteçãodaspessoasnopertinenteaos
atos,procedimentosecondutasdoEstado,nosmaisdiferentesaspectosdesuaatuação” (COUTO E
SILVA, Almiro. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público
Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o
prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº
9784/99).RevistaEletrônicadeDireitodoEstado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia,
nº2, abril/maio/junho, 2005, p. 3/4. Disponível em
http://www.direitodoestado.com.br/artigo/almiro-do-couto-e-silva/o-principio-da-seguranca-
juridica-protecao-a-confianca-no-direito-publico-brasileiro-e-o-direito-da-administracao-publica-
de-anular-seus-proprios-at)
Convém mais uma vez citar o voto do e. Ministro Benedito Gonçalves, no qual Sua Excelência
bem explica e exemplifica o que vem a ser um caso de erro administrativo que dá ensejo à
repetição do indébito:
Nesse contexto, é possível afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram
incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do indébito,
situação que foi muito bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman
Benjamin, DJe 3/9/2014, ao exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui
filhos e recebeu, por erro da Administração, auxílio natalidade.
Mencionado precedente obrigatório, em deferência ao princípio da segurança jurídica e com
esteio no artigo 927, §3°, do CPC, cuidou,ainda, de modular os efeitos da tese adotada,
estabelecendo que, no que tange aos processos em curso no momento do mencionado
julgamento, deve ser adotada a jurisprudência até então predominante.
Assim, a simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração
não autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício
previdenciário,que, em tese, foram recebidos deboa-fépelos segurados/beneficiários. Em casos
tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida aboa-féda
pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o
ressarcimento ao erário.
In casu, o INSS busca a restituição de valores pagos indevidamente à parte contrária, sendo
certo que a autarquia, em nenhum momento apresentou nos autos elementos a evidenciar nexo
de causalidade entre tal fato e uma conduta do segurado contrária ao princípio da boa-fé.
Sendo assim, em que pese a demonstração do pagamento indevido, considerando que a
presente ação judicial foi proposta antes do julgamento do precedente vinculante pelo Superior
Tribunal de Justiça, a restituição postulada se mostra indevida, diante da modulação de efeitos
antes mencionada.
Destarte, inexistindo nos autos elementos a demonstrar a má-fé do segurado, entendo que
deve ser mantida a sentença no particular, com a impossibilidade de restituição dos valores
pagos pelo INSS.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como
um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
Não obstante a matéria que trata dos honorários recursais tenha sido afetada pelo Temanº
1.059 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que determinou a suspensão do processamento
dos feitos pendentes que versem sobre essa temática, é possível, na atual fase processual,
tendo em conta o princípio da duração razoável do processo, que a matéria não constitui objeto
principal do processo e que a questão pode ser reexaminada na fase de liquidação,a fixação do
montante devido a título de honorários recursais, porém, deixando a sua exigibilidade
condicionada à futura deliberação sobre o referido tema, o que será examinado oportunamente
peloJuízo da execução.
Assim, desprovidosos apelos interpostos na vigência da nova lei, os honorários fixados na
sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11, do
CPC/2015, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma lei.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos apelos, condenando as partes ao pagamento de
honorários recursais, na forma antes delineada, Mantenho íntegra a sentença apelada.
É COMO VOTO.
/gabiv/asato/ifbarbos
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA - INCAPACIDADE PREEXISTENTE DEMONSTRADA - COBRANÇA - VALORES
PAGOS INDEVIDAMENTE - INEXIGIBILIDADE - TEMA 979 - ERRO ADMINISTRATIVO -
MODULAÇÃO DE EFEITOS -HONORÁRIOS RECURSAIS -APELOS DESPROVIDOS-
SENTENÇA MANTIDA.
1. Em razão de sua regularidade formal, os recursos foram recebidos, nos termos do artigo
1.011 do Código de Processo Civil.
2.Osbenefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no
caso deaposentadoria por invalidez(art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por
mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso deauxílio-doença(art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da
carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 12/04/2013constatou que a parte
autora, doméstica, idade atual de 47 anos, está incapacitada de forma total e permanente para
o exercício de sua atividade laboral desde outubro de 1997, como se vê do laudo oficial.
5. No entanto, o benefício não pode ser concedido, pois restou comprovado, através do laudo
pericial, que a incapacidade laboral da parte autora já existia quando da sua nova filiação, em
maio de 2001.
6. A Lei nº 8.213/91 veda a concessão tanto do auxílio-doença (artigo 59, parágrafo único)
como da aposentadoria por invalidez (artigo 42, parágrafo 2º), nos casos em que a doença já
incapacitava o segurado quando da sua filiação ao Regime Geral da Previdência Social.
7. Demonstrado, nos autos, que a parte autora, quando da nova filiação ao Regime Geral da
Previdência Social, já estava incapacitada para o trabalho, e sendo tal argumento
intransponível, não é de se conceder o benefício postulado.
8. A questão posta nos autos versa sobre a exigibilidade/devolução de valores pagos
indevidamente a título de benefício previdenciário, e sobre a qual a jurisprudência pátria
controverte há longo tempo.
9. Isto porque, tem-se, de um lado, o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do
segurado, e de outro, a indisponibilidade da verba pública e a vedação ao locupletamento ilícito.
10. A Administração Pública, constatando a existência de erro do ato administrativo - no caso
específico da autarquia previdenciária na concessão ou pagamento dos benefícios - tem o
poder de autotutela, que aqui se revela no poder-dever de proceder à correção do benefício,
observando o devido processo legal. Além disso, o princípio da segurança jurídica deve ser
compatibilizada com o poder de autotutela.
11. A convalidação é uma expressão do princípio da autotutela, “que significa o poder (na
verdade, poder-dever) da Administração de prover o interesse público sem recorrer a outra
autoridade, a ela estranha, para anular, corrigir e revogar atos administrativos ilegais ou, na
última hipótese referida, inconvenientes ou inoportunos ao interesses públicos.” (ARAÚJO,
Edmar Netto de. A Convalidação dos atos administrativos e as leis de processo administrativo.
InProcesso Administrativo: Temas polêmicos da Lei n° 9.784/99, Irene Patrícia Nohara e Marco
Antônio Praxedes de Moraes Filho (org), São Paulo: Atlas, 2011, p. 52)
12. O poder-dever de autotutela da Administração é guiado pelos princípios administrativos, já
que a atividade dos órgãos públicos está estritamente vinculada à legalidade, devendo ser
eficiente, resguardar o interesse público, sempre respeitando o contraditório e a ampla defesa,
por meios de atos motivados que garantam a segurança jurídica dos administrados.
13. Nesse sentido, a Súmula 473 do STF, cujo enunciado é: “A administração pode anular seus
próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam
direitos.”
14. Pacífico é o entendimento de que o INSS, no exercício de sua autotutela, deverá proceder à
correção de benefício previdenciário pago incorretamente.
15. De outro lado, estabelece o artigo 876 do Código Civil que aquele que recebeu o que não
lhe era devido fica obrigado a restituir. E o artigo 884 do mesmo Código Civil dispõe que o
enriquecimento sem causa também implica a restituição.
16. Aquele que recebe benefício indevidamente, especialmente em razão de irregularidade ou
fraude quando de sua concessão, está obrigado a restituir a importância devida, devidamente
atualizada, nos termos do citado artigo 884 do CC.
17. Nessa esteira, o artigo 115 da Lei n. 8.213/91 autoriza o desconto de valores pagos a maior,
percebidos pelo segurado. No entanto, na aplicação desse dispositivo legal, devem ser
ponderados dois pontos: a boa-fé do titular, princípio geral do direito norteador do ordenamento
jurídico; e o caráter alimentar do benefício previdenciário.
18. A E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se
submeteu a julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé,
a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou
erro da Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica: Com relação aos
pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou
operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração,
são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor
do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante
do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe
era possível constatar o pagamento indevido.
19. O aludido precedente firmou as seguintes balizas para solução da temática: (i) os valores
recebidos indevidamente em razão de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são
passíveis de devolução pelo segurado; (ii) os valores recebidos indevidamente em razão de
erro material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação
da boa-fé do segurado; (iii) a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a
partir de 23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma); e (iv) a repetição, quando admitida,
permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
20. Em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a restituição.
Já nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou operacional
autárquico, é preciso verificar se tal equívoco era capaz de “despertar no beneficiário
inequívoca compreensão da irregularidade do pagamento”, conditio sine qua non para que a
restituição seja devida.
21. A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de
acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a
segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
22. Mencionado precedente obrigatório, em deferência ao princípio da segurança jurídica e com
esteio no artigo 927, §3°, do CPC, cuidou, ainda, de modular os efeitos da tese adotada,
estabelecendo que, no que tange aos processos em curso no momento do mencionado
julgamento, deve ser adotada a jurisprudência até então predominante.
23. A simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração não
autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício
previdenciário,que, em tese, foram recebidos deboa-fépelos segurados/beneficiários. Em casos
tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida aboa-féda
pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o
ressarcimento ao erário.
24. In casu, o INSS busca a restituição de valores pagos indevidamente à parte contrária, sendo
certo que a autarquia, em nenhum momento apresentou nos autos elementos a evidenciar nexo
de causalidade entre tal fato e uma conduta do segurado contrária ao princípio da boa-fé.
25. Em que pese a demonstração do pagamento indevido, considerando que a presente ação
judicial foi proposta antes do julgamento do precedente vinculante pelo Superior Tribunal de
Justiça, a restituição postulada se mostra indevida, diante da modulação de efeitos antes
mencionada.
26. Inexistindo nos autos elementos a demonstrar a má-fé do segurado, deve ser mantida a
sentença no particular, com a impossibilidade de restituição dos valores pagos pelo INSS.
27. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11,
como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
28. Desprovidosos apelos interpostos na vigência da nova lei, os honorários fixados na
sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11, do
CPC/2015, observada, em relação à parte autora, a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo
3º, da mesma lei,e condicionando, quanto ao INSS, a exigibilidade da verbaà futura deliberação
sobre o Tema nº 1.059/STJ, o que será examinado oportunamente peloJuízo da execução
29. Apelos desprovidos. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento aos apelos, condenando as partes ao pagamento de
honorários recursais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
