
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005484-58.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: SANDRO CERBONCINI
Advogado do(a) APELANTE: EDIMAR HIDALGO RUIZ - SP206941-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005484-58.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: SANDRO CERBONCINI
Advogado do(a) APELANTE: EDIMAR HIDALGO RUIZ - SP206941-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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RELATÓRIO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO (RELATOR):
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de pessoa com deficiência desde a data do requerimento administrativo, bem como o reconhecimento de atividade especial no período de 23/04/2004 a 31/08/2018, com possibilidade de reafirmação da DER, acrescido de consectários legais.
A r. sentença: a) julgou o pedido extinto sem resolução do mérito, com fundamento no inciso VI do artigo 485 do CPC, quanto ao tempo especial de 20/07/2013 a 31/08/2018, considerando a condição de deficiente em grau moderado incontroversa e sob o argumento de vedação expressa para a contagem de tempo especial concomitante com período em que reconhecida a deficiência (a partir de 20/07/2013); e b) julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial. Condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais, bem como ao pagamento de honorários de advogado, no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (art. 85, § 2º, CPC).
A parte autora interpôs apelação, alegando, que o exerceu as atividades exposto a agente nocivo ruído de 98 dB (A), e “eletricidade acima de 250 volts”, de forma habitual e permanente, consoante PPP juntado aos autos. Aduz que, no tocante a exposição a altas tensões elétricas, o risco de choque elétrico é inerente as suas atividades laborais, devendo ser reconhecidos os períodos pleiteados para cômputo de tempo especial. Sustenta que, tratando-se de modalidade de aposentadoria da pessoa com deficiência (Grau Moderado –Incontroverso), quanto ao tempo laborado em atividade especial, é permitida a conversão do tempo especial quando resulta em condição mais favorável ao segurado, conforme dispõe o art. 70-F do Decreto 3048/99. Requer a reforma da r. sentença, com a procedência do pedido nos termos da inicial.
Sem as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005484-58.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: SANDRO CERBONCINI
Advogado do(a) APELANTE: EDIMAR HIDALGO RUIZ - SP206941-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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VOTO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO (RELATOR):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado se mostra formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Considerando que não houve impugnação pelas partes quanto à condição de deficiente em grau moderado a partir de 20/07/2013, a matéria resta incontroversa, restando acobertada pela coisa julgada.
Da Aposentadoria por Tempo de Contribuição de Deficiente:
A aposentadoria por tempo de serviço para portador de deficiência, modalidade de aposentadoria contributiva, positivada pela Lei Complementar 142/2013, é fruto do regramento excepcional contido no artigo 201, § 1º da Constituição Federal, referente à adoção de critérios diferenciados para a concessão de benefícios a portadores de deficiência.
O art. 3º, da LC 142/13 dispõe:
"Art. 3º - É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - Aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - Aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III- Aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve;
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar."
Com o intuito de regulamentar a norma houve a edição do Decreto 8.145/13 que alterou o Decreto 3.048/99, ao incluir a Subseção IV-A, que trata especificamente da benesse que aqui se analisa:
Art. 70-A. A concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade ao segurado que tenha reconhecido, em avaliação médica e funcional realizada por perícia própria do INSS, grau de deficiência leve, moderada ou grave, está condicionada à comprovação da condição de pessoa com deficiência na data da entrada do requerimento ou na data da implementação dos requisitos para o benefício.
Art. 70-B. A aposentadoria por tempo de contribuição do segurado com deficiência, cumprida a carência, é devida ao segurado empregado, inclusive o doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual e facultativo, observado o disposto no art. 199-A e os seguintes requisitos:
I - aos vinte e cinco anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos vinte e nove anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e quatro anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; e
III - aos trinta e três anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e oito anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve.
Parágrafo único. A aposentadoria de que trata o caput é devida aos segurados especiais que contribuam facultativamente, de acordo com o disposto no art. 199 e no § 2o do art. 200.
(...)
Art. 70-D. Para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, compete à perícia própria do INSS, nos termos de ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União:
I - avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o seu grau; e
II - identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau.
§ 1° A comprovação da deficiência anterior à data da vigência da Lei Complementar n° 142, de 8 de maio de 2013, será instruída por documentos que subsidiem a avaliação médica e funcional, vedada a prova exclusivamente testemunhal.
§ 2° A avaliação da pessoa com deficiência será realizada para fazer prova dessa condição exclusivamente para fins previdenciários.
§ 3° Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 4° Ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União definirá impedimento de longo prazo para os efeitos deste Decreto.
Art. 70-E. Para o segurado que, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau alterado, os parâmetros mencionados nos incisos I, II e III do caput do art. 70-B serão proporcionalmente ajustados e os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme as tabelas abaixo, considerando o grau de deficiência preponderante, observado o disposto no art. 70-A:
| MULHER | ||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
| Para 20 | Para 24 | Para 28 | Para 30 | |
| De 20 anos | 1,00 | 1,20 | 1,40 | 1,50 |
| De 24 anos | 0,83 | 1,00 | 1,17 | 1,25 |
| De 28 anos | 0,71 | 0,86 | 1,00 | 1,07 |
| De 30 anos | 0,67 | 0,80 | 0,93 | 1,00 |
| HOMEM | ||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
| Para 25 | Para 29 | Para 33 | Para 35 | |
| De 25 anos | 1,00 | 1,16 | 1,32 | 1,40 |
| De 29 anos | 0,86 | 1,00 | 1,14 | 1,21 |
| De 33 anos | 0,76 | 0,88 | 1,00 | 1,06 |
| De 35 anos | 0,71 | 0,83 | 0,94 | 1,00 |
§ 1° O grau de deficiência preponderante será aquele em que o segurado cumpriu maior tempo de contribuição, antes da conversão, e servirá como parâmetro para definir o tempo mínimo necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência e para a conversão.”
§2º. Quando o segurado contribuiu alternadamente na condição de pessoa sem deficiência e com deficiência, os respectivos períodos poderão ser somados, após aplicação da conversão de que trata o caput”.
Em relação ao período especial, quanto ao multiplicador, dispõe o art. 70-F do Decreto nº 3.048/99:
“Art. 70-F. A redução do tempo de contribuição da pessoa com deficiência não poderá ser acumulada, no mesmo período contributivo, com a redução aplicada aos períodos de contribuição relativos a atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
§1º. É garantida a conversão do tempo de contribuição cumprido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do segurado, inclusive da pessoa com deficiência, para fins da aposentadoria de que trata o art. 70-B, se resultar mais favorável ao segurado, conforme tabela abaixo:
| MULHER | |||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | ||||
| Para 15 | Para 20 | Para 24 | Para 25 | Para 28 | |
| De 15 anos | 1,00 | 1,33 | 1,60 | 1,67 | 1,87 |
| De 20 anos | 0,75 | 1,00 | 1,20 | 1,25 | 1,40 |
| De 24 anos | 0,63 | 0,83 | 1,00 | 1,04 | 1,17 |
| De 25 anos | 0,60 | 0,80 | 0,96 | 1,00 | 1,12 |
| De 28 anos | 0,54 | 0,71 | 0,86 | 0,89 | 1,00 |
| HOMEM | |||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | ||||
| Para 15 | Para 20 | Para 25 | Para 29 | Para 33 | |
| De 15 anos | 1,00 | 1,33 | 1,67 | 1,93 | 2,20 |
| De 20 anos | 0,75 | 1,00 | 1,25 | 1,45 | 1,65 |
| De 25 anos | 0,60 | 0,80 | 1,00 | 1,16 | 1,32 |
| De 29 anos | 0,52 | 0,69 | 0,86 | 1,00 | 1,14 |
| De 33 anos | 0,45 | 0,61 | 0,76 | 0,88 | 1,00 |
“§2º. É vedada a conversão do tempo de contribuição da pessoa com deficiência para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata a Subseção IV da Seção VI do Capítulo II.
§3º. Para fins da aposentadoria por idade da pessoa com deficiência é assegurada a conversão do período de exercício de atividade sujeita a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, cumprido na condição de pessoa com deficiência, exclusivamente para efeito de cálculo do valor da renda mensal, vedado o cômputo do tempo convertido para fins de carência”.
A Lei Complementar dispõe ainda, em seu art. 4°, que a avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do regulamento, e que o grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim.
A controvérsia nos autos se refere ao reconhecimento de tempo especial no período de 23/04/2004 a 31/08/2018 e à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência desde a data do requerimento administrativo (21/06/2022), com possibilidade de reafirmação da DER.
Atividade Especial
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei nº 3.807/60.
Dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
O critério de especificação da categoria profissional com base na penosidade, insalubridade ou periculosidade, definidas por Decreto do Poder Executivo, foi mantido até a edição da Lei nº 8.213/91, ou seja, as atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo seriam consideradas penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico, bastando, assim, a anotação da função em CTPS ou a elaboração do então denominado informativo SB-40.
O Poder Executivo baixou os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, relacionando os serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos.
Embora o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 tenha limitado a aposentadoria especial às atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, o critério anterior continuou ainda prevalecendo.
De notar que, da edição da Lei nº 3.807/60 até a última CLPS, que antecedeu à Lei nº 8.213/91, o tempo de serviço especial foi sempre definido com base nas atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo, como penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico.
A própria Lei nº 8.213/91, em suas disposições finais e transitórias, estabeleceu, em seu artigo 152, que a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, prevalecendo, até então, a lista constante da legislação em vigor para aposentadoria especial.
Os agentes prejudiciais à saúde foram relacionados no Decreto nº 2.172, de 05/03/1997 (art. 66 e Anexo IV), mas por se tratar de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei n 9.528, de 10/12/1997.
Destaque-se que o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, em sua redação original, deixou de fazer alusão a serviços considerados perigosos, insalubres ou penosos, passando a mencionar apenas atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, sendo que o artigo 58 do mesmo diploma legal, também em sua redação original, estabelecia que a relação dessas atividades seria objeto de lei específica.
A redação original do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 foi alterada pela Lei nº 9.032/95 sem que até então tivesse sido editada lei que estabelecesse a relação das atividades profissionais sujeitas às condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, não havendo dúvidas até então que continuavam em vigor os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência: STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482.
A atividade especial somente pode ser considerada por presunção legal até 28/04/1995, ocasião em que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 foram alterados pela Lei nº 9.032/95. A partir de então, o reconhecimento da atividade especial apenas se dá caso seja demonstrada a exposição, de forma habitual e permanente, a agentes nocivos à saúde ou à integridade física, sendo que após 10/12/1997 - data da vigência da Lei nº 9.528/97 - passou a ser necessária a apresentação de laudo técnico para comprovação à exposição a agentes nocivos à saúde.
Registro que o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP substitui o laudo técnico, sendo documento suficiente para aferição das atividades nocivas a que esteve sujeito o trabalhador. E também não obsta o reconhecimento de tempo de trabalho em condições especiais à extemporaneidade de documento, pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual à constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica.
O artigo 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, exige que a comprovação do tempo especial seja feita por formulário, ancorado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual, portanto, pode se basear em qualquer metodologia científica. Não tendo a lei determinado que a aferição só poderia ser feita por meio de uma metodologia específica, não se pode deixar de reconhecer o labor especial pelo fato de o empregador ter utilizado uma técnica diversa daquela indicada na Instrução Normativa do INSS, pois isso representaria uma extrapolação do poder regulamentar da autarquia.
É de se ressaltar, quanto ao nível de ruído, que a jurisprudência já reconheceu que o Decreto nº 53.831/64 e o Decreto nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, ou seja, não houve revogação daquela legislação por esta, de forma que, constatando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado (STJ - REsp. n. 412351/RS; 5ª Turma; Rel. Min. Laurita Vaz; julgado em 21.10.2003; DJ 17.11.2003; pág. 355).
O Decreto nº 2.172/97, que revogou os dois outros decretos anteriormente citados, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 dB(A) como prejudicial à saúde.
Por tais razões, até ser editado o Decreto nº 2.172/97, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 dB(A) como agente nocivo à saúde.
Todavia, com o Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível voltou a ser de 85 dB(A) (art. 2º do Decreto nº 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Houve, assim, um abrandamento da norma até então vigente, a qual considerava como agente agressivo à saúde a exposição acima de 90 dB(A), razão pela qual vinha adotando o entendimento segundo o qual o nível de ruídos superior a 85 dB(A) a partir de 05/03/1997 caracterizava a atividade como especial.
Ocorre que o C. STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do artigo 543-C do CPC, decidiu não ser possível a aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, de modo que no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, em consideração ao princípio tempus regit actum, a atividade somente será considerada especial quando o ruído for superior a 90 dB(A) (STJ, REsp 1398260/PR, Primeira Seção, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 05/12/2014).
Quanto à eficácia do EPI, vale dizer que, por ocasião do julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou as seguintes teses: a) “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial"; b) "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Contudo, cabe ressaltar que, para descaracterização da atividade especial em razão do uso de EPI, há necessidade de prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado.
Destaco, ainda, que inexiste vinculação do ato de reconhecimento de tempo de atividade perigosa, ou nociva ao eventual pagamento de encargos tributários com alíquotas diferenciadas, eis que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 não demandam tal exigência, que constituiria encargo para o empregador, não podendo o empregado ser por isso prejudicado.
Por seu turno, o recebimento de adicional de insalubridade ou de pagamento da taxa SAT (com indicação de IEAN no CNIS) não implica necessariamente no reconhecimento de exercício de atividade especial, que tem que ser comprovada pelos meios estabelecidos na legislação vigente.
Quanto à possibilidade da contagem do tempo em gozo de auxílio-doença como atividade especial, o julgamento proferido em sede de repetitivo (Tema repetitivo n. 998), fixou da seguinte tese: “O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial”.
No presente caso, da análise do PPP juntado no processo administrativo (ID 303224857, pp. 54/56), e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, o autor comprovou o exercício de atividade especial no período de 23/04/2004 a 31/08/2018, em que trabalhou no cargo de "Técnico trânsito" e "Técnico sinal trânsito", na Companhia de Engenharia de Tráfego-CET, uma vez que exposto de modo habitual e permanente a ruído de 98, 6 dB(A), nos termos do código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99 (Alterado pelo Decreto nº 4.882/2003); e à exposição à eletricidade acima de 250 volts.
Cumpre destacar que a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT inclui a exposição a eletricidade entre as atividades perigosas, para fins de percepção de adicional de periculosidade:
“Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela Lei nº 12.740, de 2012)
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)”
Vale ressaltar que no caso do agente nocivo eletricidade, a jurisprudência definiu que é indiferente se a exposição do trabalhador ocorre de forma permanente ou intermitente para caracterização da especialidade do labor, dado o seu grau de periculosidade. (Precedentes: AC nº 0013286-86.2009.4.03.6183, Desembargador Federal Relator Toru Yamamoto, DE 20/02/2018). Destarte, existindo prova da efetiva exposição do segurado a tensão elétrica superior a 250 volts, de rigor a caracterização da especialidade do labor (AC nº 0015487-51.2009.4.03.6183, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, DE 22/03/2018 e AC nº 0048862-75.2008.4.03.9999, Relator Desembargador Federal Carlos Delgado, DE 20/03/2018)
Restou superada a questão relacionada à supressão do agente "eletricidade" do rol do Decreto nº 2.172/97, nos termos do entendimento adotado no REsp. nº 1.306.113/SC, representativo de controvérsia, pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Assim, é cabível o enquadramento como atividade especial do trabalho exposto ao agente perigoso eletricidade, exercido após a vigência do Decreto nº 2.172/1997, para fins de aposentadoria especial, desde que a atividade exercida esteja devidamente comprovada pela exposição aos fatores de risco de modo permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais.
Assim, comprovado o exercício de atividades com alta eletricidade (tensão acima de 250 volts), a sua natureza já revela, por si só, que mesmo na utilização de equipamentos de proteção individual, tido por eficazes, não é possível afastar o trabalho em condições especiais, tendo em vista a periculosidade a que fica exposto o profissional.
Desse modo, conforme planilha anexa, considerando a soma do tempo averbado administrativamente pelo INSS, bem como o tempo especial reconhecido, sem e com deficiência com a utilização dos multiplicadores legais, em 21/06/2022 (DER), o autor tem direito ao benefício de aposentadoria por tempo (pessoa com deficiência), com fundamento na LC 142/2013, art. 3º, incisos I, II e III, pois (i) cumpriu o requisito tempo de contribuição PCD, com 30 anos e 7 meses, para o mínimo de 29 anos (Inc. II - moderada); (ii) cumpriu o requisito carência, com 372 meses, para o mínimo de 180 meses.
Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observado o quanto decidido pelo C. STF por ocasião do julgamento do RE 870947, sendo que a partir da promulgação da EC 113/2021, publicada em 09/12/2021, haverá a incidência da taxa Selic para fins de atualização monetária e compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, acumulado mensalmente.
A verba honorária de sucumbência incide no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, conforme entendimento desta Turma (artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil/2015), aplicada, nos termos do julgamento do Tema Repetitivo 1105, a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidirão sobre o valor das prestações vencidas após a data da prolação da sentença ou, na hipótese de a pretensão do segurado somente ser deferida em sede recursal, não incidirão sobre as parcelas vencidas após a prolação da decisão ou acórdão.
O eventual pagamento de benefício previdenciário na via administrativa, seja ele total ou parcial, após a citação válida, não tem o condão de alterar a base de cálculo para os honorários advocatícios fixados na ação de conhecimento, que será composta pela totalidade dos valores devidos.
O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, além de reembolsar as custas recolhidas pela parte contrária.
Anote-se, ainda, a obrigatoriedade da dedução dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado à benesse outorgada, ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei 8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei 8.742/1993).
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para reconhecer o exercício especial no período de 23/04/2004 a 31/08/2018 e para conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de deficiente na data do requerimento administrativo, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DEFICIÊNCIA MODERADA. MATÉRIA INCONTROVERSA. EXPOSIÇÃO A AGENTE NOCIVO. ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA. REQUISITOS CUMPRIDOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS. SENTENÇA REFORMADA.
1. Considerando que não houve impugnação pelas partes quanto à condição de deficiente em grau moderado a partir de 20/07/2013, a matéria resta incontroversa, restando acobertada pela coisa julgada.
2. A aposentadoria por tempo de serviço para portador de deficiência, modalidade de aposentadoria contributiva, positivada pela Lei Complementar 142/2013, é fruto do regramento excepcional contido no artigo 201, § 1º da Constituição Federal, referente à adoção de critérios diferenciados para a concessão de benefícios a portadores de deficiência.
3. A controvérsia nos autos se refere ao reconhecimento de tempo especial no período de 23/04/2004 a 31/08/2018 e à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência desde a data do requerimento administrativo (21/06/2022), com possibilidade de reafirmação da DER.
4. No presente caso, da análise do PPP juntado no processo administrativo (ID 303224857, pp. 54/56), e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, o autor comprovou o exercício de atividade especial no período de 23/04/2004 a 31/08/2018, em que trabalhou no cargo de "Técnico trânsito" e "Técnico sinal trânsito", na Companhia de Engenharia de Tráfego-CET, uma vez que exposto de modo habitual e permanente a ruído de 98, 6 dB(A), nos termos do código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99 (Alterado pelo Decreto nº 4.882/2003); e à exposição à eletricidade acima de 250 volts.
5. A exposição da parte autora de forma eventual ao agente eletricidade com tensões superiores a 250 volts, podendo ser enquadrada, também, como atividade especial no código 1.1.8 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64; no código 2.3.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79, até o advento do Decreto n.º 2.172/97, tendo em vista que o Colendo Superior Tribunal de Justiça acabou por reconhecer a especialidade da atividade sujeita a eletricidade, ainda que referido agente nocivo tenha sido suprimido pelo Decreto nº 2.172/97.
6. Desse modo, conforme planilha anexa, considerando a soma do tempo averbado administrativamente pelo INSS, bem como o tempo especial reconhecido, sem e com deficiência com a utilização dos multiplicadores legais, em 21/06/2022 (DER), o autor tem direito ao benefício de aposentadoria por tempo (pessoa com deficiência), com fundamento na LC 142/2013, art. 3º, incisos I, II e III, pois (i) cumpriu o requisito tempo de contribuição PCD, com 30 anos e 7 meses, para o mínimo de 29 anos (Inc. II - moderada); (ii) cumpriu o requisito carência, com 372 meses, para o mínimo de 180 meses.
7. Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observado o quanto decidido pelo C. STF por ocasião do julgamento do RE 870947, sendo que a partir da promulgação da EC 113/2021, publicada em 09/12/2021, haverá a incidência da taxa Selic para fins de atualização monetária e compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, acumulado mensalmente.
8. A verba honorária de sucumbência incide no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, conforme entendimento desta Turma (artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil/2015), aplicada, nos termos do julgamento do Tema Repetitivo 1105, a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidirão sobre o valor das prestações vencidas após a data da prolação da sentença ou, na hipótese de a pretensão do segurado somente ser deferida em sede recursal, não incidirão sobre as parcelas vencidas após a prolação da decisão ou acórdão.
9. O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, além de reembolsar as custas recolhidas pela parte contrária.
10. Anote-se, ainda, a obrigatoriedade da dedução dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado à benesse outorgada, ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei 8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei 8.742/1993).
11. Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
