Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000690-60.2021.4.03.6119
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO
ACIMA DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO. IRRELEVÂNCIA.
AGENTES QUÍMICOS. PPP. REQUISITOS ATENDIDOS NA DER. CONSECTÁRIOS.
SUCUMBÊNCIA.
- Alegação de remessa oficial afastada, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual
Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição
quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
- Cerceamento de defesa não configurado. Cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do
CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de
prova suficiente e segura.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Presença de CTPS e formulário patronal asseverando o exercício das funções do autor com
exposição habitual a ruídos acima dos limites de tolerância, além deagentes químicos, fato que
permite o reconhecimento da natureza especial, à luz dos códigos 1.1.6, 1.2.10, 1.2.11 do anexo
ao Decreto n. 53.831/1964 e 1.0.19 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n.
3.048/1999. Precedentes.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa, senão qualitativa. Precedentes.
- Possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez
constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de
PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP não
devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do
princípio da automaticidade.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos na DER, cabendo a opção pelo benefício mais vantajoso.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, utilizando-se o IPCA-E, afastada a incidência da Taxa Referencial (TR).
Repercussão Geral no RE n. 870.947.
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Condena-se o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre
a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão,
consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior
Tribunal de Justiça, já aplicada a majoração decorrente da fase recursal. Todavia, na fase de
execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico
ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do
pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da
sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Ausência de contrariedade à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000690-60.2021.4.03.6119
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOAO BATISTA ANTUNES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO BATISTA ANTUNES
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000690-60.2021.4.03.6119
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de atividade especial, com vistas à
concessão de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença acolheu em parte o pedido autoral para enquadrar os lapsos de 12/3/1991 a
5/3/1997 e de 18/11/2003 a 31/5/2015 e condenou o demandante na verba de sucumbência.
Parcialmente inconformada, a parte autora recorreu, suscitando, inicialmente, cerceamento de
defesa. No mérito, reiterou a procedência dos períodos declinados na exordial, o que lhe
assegura a prestação em foco na DER.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, invocando, inicialmente, o reexame necessário.
Na questão de fundo, sustenta a impossibilidade do enquadramento efetuado, sobretudo no
tocante à metodologia utilizada na aferição do agente nocivo “ruído” e à necessidade de laudo
técnico contemporâneo. Ademais, enfatiza a imprestabilidade do PPP. Prequestionou a matéria
para efeitos recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000690-60.2021.4.03.6119
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOAO BATISTA ANTUNES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO BATISTA ANTUNES
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Contudo, não se cogita de remessa oficial, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual
Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição
quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática
prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Por outro lado, não visualizo o alegado cerceamento de defesaa ponto de se anular a decisão
singular.
Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar
a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura.
Nesse passo, a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos
vindicados, deve a parte suplicante carrear documentos aptos certificadores das condições
insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e permanência, como formulários
padrão e laudos técnicos individualizados, cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada,
o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Com efeito, compete ao juiz a condução do processo, cabendo-lhe apreciar a questão de
acordo com o que está sendo debatido. Dessa forma, o juiz não está obrigado a decidir a lide
conforme pleiteado pelas partes, mas, sim, conforme seu livre convencimento, fundado em
fatos, provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao
caso.
Se não houver dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas
atividades laborativas, despicienda revela-se a produção de prova pericial para o julgamento da
causa e, por consequência, não estará configurado cerceamento de defesa ou violação de
ordem constitucional ou legal.
Insta ressaltar, por fim, que possível discussão acerca de irregularidades no PPP, expedido
pelo empregador, deve ser levado à instância própria, que é a Justiça do Trabalho, não ao
Juízo previdenciário.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/73, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No que concerne aos lapsos reconhecidos, de 12/3/1991 a 5/3/1997 e de 18/11/2003 a
31/5/2015, constato a presença de CTPS e PPP regularmente preenchido, asseverando o
exercício das funções do autor de “operador de produção" da empresa Wyeth Indústria
Farmacêutica Ltda., com exposição habitual a ruídos acima dos limites de tolerância, fato que
permite o reconhecimento da natureza especial, à luz dos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n.
53.831/1964 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Ademais, possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período,
uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado
por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (AC 2306086
0015578-27.2018.4.03.9999, Des. Fed. Inês Virgínia, 7T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 7/12/2018; AC
3652270007103-66.2015.4.03.6126, Des. Fed. Baptista Pereira, 10T, e-DJF3 Judicial 1 Data:
19/7/2017).
No tocante ao lapso de 1º/6/2015 a 12/11/2019, o mesmo perfil profissiográfico atestou
manipulação do segurado com agentes químicos no processo de fabricação dos medicamentos,
como polihexametileno, 17 beta estradiol, trimegestona, cloridrato de clindamicina,
clorpropamida, ácido mefenâmico, citrato de sildenafila, dentre outros, o que autoriza o devido
enquadramento nos códigos 1.2.10, 1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 1.0.19 do
anexo ao Decreto n.3.048/1999.
Sobre o tema, cabe também destacar que os riscos ocupacionais gerados pela exposição a
agentes químicos não requerem análise quantitativa, senão qualitativa (TRF-4 - APELREEX:
50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM
DA SILVA, Data de Julgamento: 09/07/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E.
10/07/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ
FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA
REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P. 281).
Frisa-se, ainda, que o uso de EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado.
Por derradeiro, cumpre salientar que as questões afetas ao recolhimento de contribuições
previdenciárias ou divergências na GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade
especial exercida pelo segurado, à vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n.
8.212/1991), aplicável neste enforque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista
caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas
pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES.
FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Por outro giro, quanto ao vínculo de 6/3/1997 a 17/11/2003, o PPP apurou exposição a níveis
de pressão sonora abaixo dos limites toleráveis (90 dB), devendo ser mantido como tempo
comum.
Em suma, prospera em parte o pleito de reconhecimento do caráter especial da atividade acima
referida, cujos lapsos devem ser somados aos demais períodos incontroversos.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para
obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia,
a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres),
além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para
completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de "pedágio".
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142
da Lei n. 8.213/1991.
Já em relação ao quesito temporal, somados os períodos ora reconhecidos aos incontroversos,
em 13/11/2019 (último dia de vigência das regras pré-reforma da Previdência - art. 3º da EC n.
103/2019), a parte autora possuía direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição
(CF/1988, art. 201, § 7º, I, com redação dada pela EC n. 20/1998), mediante cálculo de acordo
com a Lei n. 9.876/1999, com incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação total
resulta inferior a 96 pontos (Lei n. 8.213/1991, art. 29-C, I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Outrossim, em 8/10/2020 (DER), a parte autora possuía direito à aposentadoria conforme art.
17 das regras transitórias da EC n. 103/19 pois cumpria o tempo mínimo de contribuição até a
EC 103/2019 (mais de 33 anos), o tempo mínimo de contribuição (35 anos), a carência de 180
contribuições (Lei n. 8.213/1991, art. 25, II) e o pedágio de 50% (0 anos, 0 meses e 0 dias),
mediante cálculo conforme art. 17, parágrafo único, da mesma emenda constitucional ("média
aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei,
multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7º a 9º do art. 29
da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991").
Em decorrência, caberá a parte optar pelo cálculo que lhe seja mais vantajoso.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os
cálculos na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE
n. 870.947).
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à
razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009,
a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações
introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão
Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a
tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Em virtude da sucumbência, mínima, condeno o INSS a arcar com os honorários de advogado,
arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas
vencidas até a data deste acórdão, já computada a sucumbência recursal pelo aumento da
base de cálculo (acórdão em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I,
e 11, do CPC e verbete da Súmula n. 111 do STJ.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito
econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (artigo 85, § 4º, II, do CPC).
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à
legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar, nego provimento ao recurso do INSS e dou
parcial provimentoà apelação da parte autora para, nos termos da fundamentação:(i) determinar
o enquadramento do período especial de 1º/6/2015 a 12/11/2019; (ii) determinar a concessão
de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER, observados os dois critérios de
cálculo supra, facultada a opção pelo benefício mais vantajoso; (iii) discriminar os consectários.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO
ACIMA DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO. IRRELEVÂNCIA.
AGENTES QUÍMICOS. PPP. REQUISITOS ATENDIDOS NA DER. CONSECTÁRIOS.
SUCUMBÊNCIA.
- Alegação de remessa oficial afastada, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual
Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição
quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
- Cerceamento de defesa não configurado. Cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do
CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio
de prova suficiente e segura.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Presença de CTPS e formulário patronal asseverando o exercício das funções do autor com
exposição habitual a ruídos acima dos limites de tolerância, além deagentes químicos, fato que
permite o reconhecimento da natureza especial, à luz dos códigos 1.1.6, 1.2.10, 1.2.11 do
anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 1.0.19 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n.
3.048/1999. Precedentes.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa, senão qualitativa. Precedentes.
- Possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez
constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio
de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP
não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do
princípio da automaticidade.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos na DER, cabendo a opção pelo benefício mais vantajoso.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, utilizando-se o IPCA-E, afastada a incidência da Taxa Referencial (TR).
Repercussão Geral no RE n. 870.947.
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Condena-se o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento)
sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão,
consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior
Tribunal de Justiça, já aplicada a majoração decorrente da fase recursal. Todavia, na fase de
execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito
econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Ausência de contrariedade à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar, negar provimento à apelação do INSS e dar
parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
