Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5137087-29.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL.
TRATORISTA RURAL. RUÍDO ACIMA DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. LAUDO.
METODOLOGIA DE AFERIÇÃO. IRRELEVÂNCIA. AGENTES QUÍMICOS. REQUISITOS
ATENDIDOS NA DER. CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. TUTELA
ANTECIPADA.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Presença de CTPS, formulário patronal e laudo técnico pericial produzido no curso da ação,
asseverando o exercício das funções do autor de “tratorista" rural e "administrador de fazenda",
com exposição habitual a ruídos acima dos limites de tolerância, além deagentes químicos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
hidrocarbonetos e defensivos agrícolas (glifosato - herbicida organofosforado), fato que permite o
reconhecimento da natureza especial, à luz dos códigos 1.1.6 e1.2.6 do anexo ao Decreto n.
53.831/1964 e 1.0.12 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Precedentes.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa, senão qualitativa. Precedentes.
- Possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez
constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de
PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Admite a prova pericial indireta ou por similaridade, em empresa similar àquela em que o
segurado trabalhou, quando não houver meio de reconstituir as condições físicas do local onde
efetivamente prestou seus serviços. Precedentes.
- A controvérsia a respeito do computo de período em gozo de auxílio doença como tempo de
serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do
STJ.
- Questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP não
devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do
princípio da automaticidade.
- O enquadramento na hipótese prevista no código 2.2.1 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964
refere-se à trabalhadores na agropecuária, situação não verificada, porque nem o cargo exercido
nem o estabelecimento empregador indicam especificamente essa situação.
- Em vista das informações constantes no laudo técnico, não é possível inferir exposição -
habitual e permanente - do autor ao agente nocivo calor em patamar superior aos estabelecidos
no Anexo 3 da NR-15/MTE, até porque a mera fotografia, anexada ao laudo, do aparelho
"medidor de stress térmico" não representa a efetiva permanência do obreiro no campo.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos na DER.
- Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5%
(cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111 do
Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Tutela jurídica mantida, mas com adaptações.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5137087-29.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: NELSON BALBINO SIQUEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, NELSON BALBINO
SIQUEIRA
Advogado do(a) APELADO: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
OUTROS PARTICIPANTES:
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5137087-29.2021.4.03.9999
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de atividade especial, com vistas à
concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença acolheu em parte o pedido autoral para enquadrar os lapsos de 1º/5/1978 a
31/1/1984, de 2/4/1984 a 4/10/1984, de 1º/12/1984 a 30/12/1989, de 1º/3/1990 a 9/2/1996, de
1º/7/1997 a 5/2/1998, de 1º/7/1998 a 12/3/1999, de 2/4/2001 a 30/3/2003, de 2/1/2004 a
1º/2/2008, de 1º/10/2008 a 27/2/2010, de 1º/9/2010 a 19/10/2013 e de 2/5/2014 a 15/12/2014,
sob o fator 1.4, e conceder-lhe aposentadoria desde a DER 20/12/2018. Ademais, fixou os
consectários e antecipou os efeitos da tutela.
Parcialmente inconformada, a parte autora recorreu postulando a aposentadoria em foco desde
a primeira DER 15/12/2014.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação. Sustenta a impossibilidade do enquadramento
efetuado, sobretudo no tocante à metodologia utilizada na aferição do agente nocivo “ruído” e à
necessidade de laudo técnico contemporâneo. Ademais, enfatiza a imprestabilidade do PPP e
do laudo judicial. Por cautela, pugnou por exclusão de eventual auxílio doença como tempo
especial e por modificação do termo inicial de concessão.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5137087-29.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: NELSON BALBINO SIQUEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, NELSON BALBINO
SIQUEIRA
Advogado do(a) APELADO: LUCIO AUGUSTO MALAGOLI - SP134072-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/73, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No que concerne aos lapsos reconhecidos de 1º/7/1997 a 5/2/1998, de 1º/7/1998 a 12/3/1999,
de 2/1/2004 a 1º/2/2008, de 1º/10/2008 a 27/2/2010, de 1º/9/2010 a 19/10/2013, constato a
presença de CTPS, formulário patronal e laudo técnico pericial produzido no curso da ação,
asseverando o exercício das funções do autor de “tratorista" rural e "administrador de fazenda",
com exposição habitual a ruídos acima dos limites de tolerância, além deagentes químicos
hidrocarbonetos e defensivos agrícolas (glifosato - herbicida organofosforado), fato que permite
o reconhecimento da natureza especial, à luz dos códigos 1.1.6 e1.2.6 do anexo ao Decreto n.
53.831/1964 e 1.0.12 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Nesse sentido: TRF3, APELREEX 00019264020134036111, Desembargador Federal Sergio
Nascimento – 10ª Turma, e-DJF3: 5/8/2015; APELREEX 00035154020124036002,
Desembargadora Federal Tania Marangoni – 8ª Turma, e-DJF3: 29/4/2015.
Sobre o tema, cabe também destacar que os riscos ocupacionais gerados pela exposição a
agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa, senão
qualitativa (TRF-4 - APELREEX: 50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100,
Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM DA SILVA, Data de Julgamento: 09/07/2014, SEXTA
TURMA, Data de Publicação: D.E. 10/07/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300
0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de
Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de
Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P. 281).
Ademais, possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período,
uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado
por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível -
2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Des. Fed. Inês Virgínia, 7T, e-DJF3 Judicial 1 Data:
7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Des. Fed. Baptista
Pereira, 10T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Cumpre acrescentar que se admite a prova pericial indireta ou por similaridade, em empresa
similar àquela em que o segurado trabalhou, quando não houver meio de reconstituir as
condições físicas do local onde efetivamente prestou seus serviços (REsp 1370229/RS, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/2/2014).
A controvérsia a respeito do computo de período em gozo de auxílio doença como tempo de
serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do
Superior Tribunal de Justiça, no seguinte sentido: “O segurado que exerce atividades em
condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz
jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.” (STJ, REsp
1723181/RS e REsp 1759098/RS, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1ª SEÇÃO,
julgado em 26/6/2019, DJe 1º/8/2019).
Frisa-se, ainda, que o uso de EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado.
Por derradeiro, cumpre salientar que as questões afetas ao recolhimento de contribuições
previdenciárias ou divergências na GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade
especial exercida pelo segurado, à vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n.
8.212/1991), aplicável neste enforque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista
caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas
pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES.
FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Por outro giro, no tocante aos períodos de 1º/5/1978 a 31/1/1984, de 2/4/1984 a 4/10/1984, de
1º/12/1984 a 30/12/1989, de 1º/3/1990 a 9/2/1996, de de 2/4/2001 a 30/3/2003 e de 2/5/2014 a
15/12/2014, consta haver a parte autora atuado como “trabalhador rural braçal" em
estabelecimentos: “serviços agrícolas” e “agro-industrial”.
No entanto, as atividades supra indicadas anotadas em CTPS (até 28/4/1995 – possibilidade de
enquadramento por categoria profissional) não estão previstas nos mencionados decretos
regulamentadores, tampouco podem ser caracterizadas como insalubres, perigosas ou penosas
por simples enquadramento.
Com efeito, o enquadramento na hipótese prevista no código 2.2.1 do anexo ao Decreto n.
53.831/1964 refere-se à trabalhadores na agropecuária, situação não verificada, porque nem o
cargo exercido nem o estabelecimento empregador indicam especificamente essa situação.
Especificamente aos interstícios posteriores a 28/4/1995, entendo também ser descabida a
pretensão de contagem excepcional do labor rural.
Consoante laudo pericial judicial, produzido durante a instrução, a parte autora desenvolveu
suas atividades em ambiente sob calor intenso de 32ºC, acima dos limites de tolerância, e
radiação solar (fonte de calor natural) ao longo do ano.
Em relação ao agente nocivo calor, o Anexo IV do Decreto n. 3.048/1999 estabelece que se
considera atividade exercida em temperatura anormal aquela com exposição, habitual e
permanente, a calor acima dos limites de tolerância estabelecidos na NR-15 da Portaria n.
3.214/1978, que, por sua vez, indica os cálculos para fins de verificação da submissão ao
referido agente agressor, com base em dados técnicos.
Desse modo, em vista das informações constantes no laudo técnico, não é possível inferir
exposição - habitual e permanente - do autor ao agente nocivo calor em patamar superior aos
estabelecidos no Anexo 3 da NR-15/MTE, até porque a mera fotografia, anexada ao laudo, do
aparelho "medidor de stress térmico" não representa a efetiva permanência do obreiro no
campo.
Assim, entendo que a exposição do autor ao mencionado agente era ocasional e intermitente
pela própria natureza da atividade.
Ademais, os riscos do “trabalho a céu aberto” e “movimento repetitivo”, decorrentes da atividade
agrária, não permitem o enquadramento perseguido.
Desse modo, incabível se afigura o reconhecimento da excepcionalidade dos ofícios
desempenhados como trabalhador rural, à míngua de comprovação do exercício da atividade
em condições degradantes.
Em suma, prospera em parte o pleito de reconhecimento do caráter especial da atividade acima
referida, cujos lapsos devem ser somados aos demais períodos incontroversos.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para
obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia,
a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres),
além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para
completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de "pedágio".
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142
da Lei n. 8.213/1991.
Já em relação ao quesito temporal, somados os períodos ora reconhecidos aos incontroversos,
a parte autora não atinge tempo necessário à aposentação na primeira formulação
administrativa (15/12/2014), senão na segunda (16/4/2018).
Assim, em 16/4/2018 (2ª DER), a parte autora já reunia mais de 35 anos de profissão e possuía
direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/1988, art. 201, § 7º, inc. I, com
redação dada pela EC n. 20/1998), mediante cálculo de acordo com a Lei n. 9.876/1999, com a
incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação total resulta inferior a 95 pontos
(Lei n. 8.213/1991, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Sobre o termo inicial do benefício, algumas considerações devem ser feitas.
De plano, como a comprovação da atividade debatida ocorreu apenas nestes autos, por meio
de prova não submetida à prévia apreciação administrativa, penso ser adequada a fixação do
termo inicial dos efeitos financeiros na citação, momento em que a autarquia teve ciência da
pretensão, em sua plenitude, e a ela pôde resistir.
Quanto a esse aspecto, destaca-se o fato de o Poder Judiciário exercer suas atribuições em
substituição à Administração que deve praticar os atos que lhe são inerentes como atividade
primária.
Vale dizer: preponderantemente, apenas os atos que a Administração deveria, por lei, praticar
podem ser passíveis de controle judicial, sob o enfoque de possível lesão ou ameaça a direito.
Nessa esteira, a concessão de benefício fundada em prova produzida exclusivamente na esfera
judicial, por impedir a Administração de exercer o pleno exercício das atribuições que lhe são
inerentes, afasta a configuração de mora da autarquia e a possibilidade de fixação do termo
inicial na data do requerimento administrativo.
Afinal, a insuficiência ou inaptidão de elementos probatórios do direito invocado configura
situação que, de forma indireta, inviabiliza o exercício de atividade própria da Administração.
A propósito, esses mesmos fundamentos foram evocados pelo Ministro Roberto Barroso ao
apreciar, sob o regime da repercussão geral, o RE n. 631.240 e fixar tese sobre a necessidade
de prévio requerimento administrativo nas ações de conhecimentos de cunho previdenciário.
Confira-se o seguinte trecho do voto:
“17. Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que
o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de
requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em
guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria. O Judiciário
não tem, e nem deve ter, a estrutura necessária para atender às pretensões que, de ordinário,
devem ser primeiramente formuladas junto à Administração. O juiz deve estar pronto, isto sim,
para responder a alegações de lesão ou ameaça a direito. Mas, se o reconhecimento do direito
depende de requerimento, não há lesão ou ameaça possível antes da formulação do pedido
administrativo. Assim, não há necessidade de acionar o Judiciário antes desta medida....”
Não obstante o entendimento acima sufragado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001,
ao tratar especificamente da matéria, deliberou pela prevalência da seguinte orientação (g. n.):
“A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem
o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao
benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os
requisitos para a concessão da aposentadoria”. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)
No mesmo sentido são os recentes julgados da Corte Superior: REsp 1.859.330/CE, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020;
AgInt no REsp 1.609.332/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado
em 19/03/2019, DJe 26/3/2019.
Dessa forma, curvo-me ao entendimento do STJ para fixar o termo inicial da concessão do
benefício na data do requerimento administrativo (DER - 16/4/2018).
Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto, nego provimento ao apelo do autor e dou parcial provimento ao recurso do
INSS para, nos termos da fundamentação:(i) restringir o enquadramento da atividade especial
aos períodos de 1º/7/1997 a 5/2/1998, de 1º/7/1998 a 12/3/1999, de 2/1/2004 a 1º/2/2008, de
1º/10/2008 a 27/2/2010 e de 1º/9/2010 a 19/10/2013; (ii) determinar a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição integral na DER 16/4/2018.
Por fim, mantenho a tutela de urgência deferida, mas para determinar ao INSS a concessão de
aposentadoria por tempo de contribuição desde16/4/2018.
Informe-se à Autarquia, via sistema, para fins de adaptação e cumprimento da ordem judicial.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL.
TRATORISTA RURAL. RUÍDO ACIMA DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. LAUDO.
METODOLOGIA DE AFERIÇÃO. IRRELEVÂNCIA. AGENTES QUÍMICOS. REQUISITOS
ATENDIDOS NA DER. CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. TUTELA
ANTECIPADA.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Presença de CTPS, formulário patronal e laudo técnico pericial produzido no curso da ação,
asseverando o exercício das funções do autor de “tratorista" rural e "administrador de fazenda",
com exposição habitual a ruídos acima dos limites de tolerância, além deagentes químicos
hidrocarbonetos e defensivos agrícolas (glifosato - herbicida organofosforado), fato que permite
o reconhecimento da natureza especial, à luz dos códigos 1.1.6 e1.2.6 do anexo ao Decreto n.
53.831/1964 e 1.0.12 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Precedentes.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa, senão qualitativa. Precedentes.
- Possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez
constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio
de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Admite a prova pericial indireta ou por similaridade, em empresa similar àquela em que o
segurado trabalhou, quando não houver meio de reconstituir as condições físicas do local onde
efetivamente prestou seus serviços. Precedentes.
- A controvérsia a respeito do computo de período em gozo de auxílio doença como tempo de
serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do
STJ.
- Questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP
não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do
princípio da automaticidade.
- O enquadramento na hipótese prevista no código 2.2.1 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964
refere-se à trabalhadores na agropecuária, situação não verificada, porque nem o cargo
exercido nem o estabelecimento empregador indicam especificamente essa situação.
- Em vista das informações constantes no laudo técnico, não é possível inferir exposição -
habitual e permanente - do autor ao agente nocivo calor em patamar superior aos estabelecidos
no Anexo 3 da NR-15/MTE, até porque a mera fotografia, anexada ao laudo, do aparelho
"medidor de stress térmico" não representa a efetiva permanência do obreiro no campo.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos na DER.
- Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Tutela jurídica mantida, mas com adaptações.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação autoral e dar parcial provimento à apelação
da parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
