Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5146016-85.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/07/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. RECONHECIMENTO DE TRABALHO RURAL SEM
REGISTRO. CONTAGEM RECÍPROCA. TEMA 609 DO STJ. CONJUNTO PROBATÓRIO
SUFICIENTE. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. JUSTIÇA
GRATUITA.
- Tratando-se do caráter alimentar do rendimento auferido pela parte autora, destinado a sua
subsistência e de sua família, o valor não deve ser considerado bastante para a exclusão da
possibilidade de obtenção da gratuidade.
- Não se conhece da remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do atual CPC, cujo
artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. Neste caso, à evidência, esse
montante não é alcançado.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
Precedentes.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural pleiteado.
- Necessidade de indenização, conforme o dispositivo do art. 96, IV, da Lei n. 8.213/1991, para
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
fins de contagem recíproca, nos termos da Tese jurídica firmada no julgamento do Repetitivo do
STJ, Tema 609.
- Constatada a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes a pagar honorários ao
advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da
causa, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC. Em relação à parte autora,
suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por
tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelações parcialmente providas.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5146016-85.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: REGINALDO APARECIDO GOMES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
- INSS
Advogados do(a) APELANTE: FERNANDO FALICO DA COSTA - SP336741-A, PAULO
ROBERTO DA SILVA DE SOUZA - SP322871-A, VIVIANE ROCHA RIBEIRO - SP302111-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, REGINALDO APARECIDO
GOMES
Advogados do(a) APELADO: VIVIANE ROCHA RIBEIRO - SP302111-A, FERNANDO FALICO
DA COSTA - SP336741-A, PAULO ROBERTO DA SILVA DE SOUZA - SP322871-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5146016-85.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: REGINALDO APARECIDO GOMES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
- INSS
Advogados do(a) APELANTE: FERNANDO FALICO DA COSTA - SP336741-A, PAULO
ROBERTO DA SILVA DE SOUZA - SP322871-A, VIVIANE ROCHA RIBEIRO - SP302111-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, REGINALDO APARECIDO
GOMES
Advogados do(a) APELADO: VIVIANE ROCHA RIBEIRO - SP302111-A, FERNANDO FALICO
DA COSTA - SP336741-A, PAULO ROBERTO DA SILVA DE SOUZA - SP322871-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
reconhecimento de tempo de serviço rural, para fins de contagem recíproca.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer o trabalho rural no
intervalo de 23/9/1988 a 10/6/1991.
Inconformada, a autarquia apresenta apelação na qual assevera a não comprovação do trabalho
rural reconhecido e a necessidade de indenização.
Não resignada, a parte autora também apresenta apelação na qual requer a concessão da justiça
gratuita e o reconhecimento dos períodos de 1º/11/1991 a 12/6/1992, de 1º/11/1992 a 3/6/1993,
de 27/10/1993 a 1º/8/1994, de 15/10/1994 a 1º/6/1995, de 17/12/1995 a 2/5/1996 e de 21/12/1996
a 1º/06/1997.
Com as contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5146016-85.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: REGINALDO APARECIDO GOMES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
- INSS
Advogados do(a) APELANTE: FERNANDO FALICO DA COSTA - SP336741-A, PAULO
ROBERTO DA SILVA DE SOUZA - SP322871-A, VIVIANE ROCHA RIBEIRO - SP302111-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, REGINALDO APARECIDO
GOMES
Advogados do(a) APELADO: VIVIANE ROCHA RIBEIRO - SP302111-A, FERNANDO FALICO
DA COSTA - SP336741-A, PAULO ROBERTO DA SILVA DE SOUZA - SP322871-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Insta frisar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na
vigência do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição
quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Neste caso, à evidência, esse montante não é alcançado.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
No que tange ao pedido de concessão da justiça gratuita, destaco, inicialmente, que o Código de
Processo Civil de 2015, em seu artigo 1.072, revogou expressamente os artigos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º,
11, 12 e 17 da Lei n. 1.060/50, porque incompatíveis com as disposições trazidas pelos artigos 98
e 99 do novo diploma processual civil.
Dispõe o artigo 99, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil/2015, in verbis:
“O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na
petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
(...)
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa
natural.”
Assim, em princípio, tem-se que a concessão desse benefício depende de simples afirmação de
insuficiência de recursos da parte, a qual, no entanto, por gozar de presunção juris tantum de
veracidade, pode ser ilidida por prova em contrário.
Além disso, cabe ao juiz verificar se os requisitos estão satisfeitos, pois, segundo o artigo 5º,
LXXIV, da Constituição Federal, é devida a justiça gratuita a quem "comprovar" a insuficiência de
recursos.
Esse o sentido constitucional da justiça gratuita, que prevalece sobre o teor da legislação
ordinária.
Registre-se que a assistência judiciária prestada pela DPU é dirigida a quem percebe renda
inferior a R$ 2.000,00, valor próximo a renda que obtém isenção da incidência de Imposto de
Renda (Resolução CSDPU Nº 134, editada em 7/12/2016, publicada no DOU de 2/5/2017).
Pessoalmente, entendo que tal critério, bastante objetivo, poderia ser seguido como regra não
absoluta, de modo que quem recebe renda superior a tal valor tenha contra si presunção juris
tantum de ausência de hipossuficiência, sendo recomendável que o julgador dê oportunidade à
parte para comprovar eventual miserabilidade por circunstâncias excepcionais. E alegações como
a presença de dívidas, ou abatimento de valores da remuneração ou benefício por empréstimos
consignados, não constituiriam desculpas legítimas para a obtenção da gratuidade, exceto se
motivadas por circunstâncias extraordinárias ou imprevistas devidamente comprovadas. Tal
pensar reclamaria maior cuidado na propositura de ações temerárias ou aventureiras, semeando
a ideia de uma maior responsabilidade do litigante.
Contudo, não se desconhece que há outros critérios também relevantes para a apuração da
hipossuficiência. Segundo o Dieese, o salário mínimo do último mês de dezembro (2018) deveria
ser de R$ 3,960,57. Há entendimento, outrossim, que fixa o teto de renda no valor máximo fixado
para os benefícios e salários-de-contribuição do INSS, atualmente em R$ 5.839,45 (2019).
Ambos também são critérios válidos e razoáveis para a aferição do direito à justiça gratuita.
Frise-se, ainda, que as custas processuais cobradas na Justiça Federal são irrisórias quando
comparadas às cobradas pela Justiça Estadual de São Paulo, facilidade que não exclui, à
evidência, o dever de arcar com as demais verbas de sucumbência, mormente os honorários de
advogado (artigo 85 do CPC).
De toda forma, após experimentar divergências a respeito da questão e melhor refletir sobre o
tema, cheguei ao entendimento no sentido de se flexibilizar o critério, a fim de privilegiar a
garantia do acesso à justiça (artigo 5º, XXXV, da CF/88).
Com essas ponderações e ressalvas, passo à análise do caso concreto.
Nesse sentido, a r. sentença entendeu que em razão do autor receber rendimento mensal
equivalente a R$ 4.400,00, não faria jus ao benefício da justiça gratuita.
No entanto, tratando-se do caráter alimentar do rendimento, destinado a sua subsistência e de
sua família, tal valor não deve ser considerado bastante para a exclusão da possibilidade de
obtenção da gratuidade.
Ademais, o fato de ter advogado particular não afasta a possibilidade de concessão da justiça
gratuita.
Dessa maneira, entendo que a parte autora faz jus à gratuidade de justiça.
Do tempo de serviço rural
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados
de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o
recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o
disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta
Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art.
12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16
de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural ;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua
eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves
Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, o Superior Tribunal de Justiça, examinando a
matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada
aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data
do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
Ademais, consoante entendimento desta Nona Turma e do Colendo Superior Tribunal de Justiça,
é possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade (STJ,
AR n. 3.629, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 9/9/2008).
Nos autos, há início razoável de prova material, consubstanciado nas diversas anotações dos
vínculos rurais em carteira de trabalho, entre 11/6/1991 a 29/12/1996.
No mesmo sentido, a certidão emitida pela Secretaria de Segurança Pública, na qual a parte
autora declarou residir e trabalhar no sítio da família em 1990, bem como os documentos que
apontam a atividade rural do genitor (certidão de casamento, certidão de nascimento de filho,
título de eleitor, matrícula em sindicato de trabalhadores rurais e documentos escolares
Por sua vez, os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório, corroboraram o mourejo
asseverado, sobretudo ao afirmarem a atividade agrícola desde tenra idade.
Assim, in casu, entendo demonstrado o labor rural sem registo nos interstícios requeridos (de
23/9/1988 a 10/6/1991, de 1º/11/1991 a 12/6/1992, de 1º/11/1992 a 3/6/1993, de 27/10/1993 a
1º/8/1994, de 15/10/1994 a 1º/6/1995, de 17/12/1995 a 2/5/1996 e de 21/12/1996 a 1º/06/1997)
Ademais, há que se ponderar que o autor é servidor público estadual (policial militar) e deseja a
expedição de certidão para fins de contagem recíproca.
O artigo 201, § 9º, da Constituição Federal garante a contagem recíproca de tempo de serviço
prestado em regimes previdenciários diversos, desde que não tenha havido, no âmbito do RGPS,
i) contagem de tempo de serviço (público ou privado) prestado concomitantemente e ii)
aproveitamento do tempo de serviço utilizado para obtenção de benefício previdenciário em outro
regime (art. 96, II e III, da Lei nº 8.213/91)
O STJ firmou o entendimento de ser indispensável o pagamento da indenização da contribuição
correspondente ao interregno respectivo (art. 201, § 9º, da Constituição Federal, art. 55, § 2º, e
art. 96, IV, da Lei 8.213/91), mesmo quando a pretensão é de mero reconhecimento do tempo de
serviço do trabalhador rural, antes da vigência da Lei 8.213/91, para fins de aposentadoria
estatutária. (REsp 628357, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 06/04/2004)
No mesmo sentido, ainda, decidiu a Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em
julgamento pelo rito de recurso repetitivo (TEMA 609):
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF.
CONTAGEM RECÍPROCA. SERVIDOR PÚBLICO. TRABALHO RURÍCOLA PRESTADO EM
PERÍODO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N. 8.213/1991. DIREITO À EXPEDIÇÃO DE
CERTIDÃO. CABIMENTO. CÔMPUTO DO TEMPO PARA CONTAGEM RECÍPROCA.
EXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES NA FORMA PREVISTA PELO ART.
96, IV, DA LEI N. 8.213/1991. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA
EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. RECURSO JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 1.036 E
SEGUINTES DO CPC/2015, C/C O ART. 256-N E SEGUINTES DO REGIMENTO INTERNO DO
STJ.
1. Na situação em exame, os dispositivos legais cuja aplicação é questionada nos cinco recursos
especiais, com a tramitação que se dá pela sistemática dos repetitivos (REsps 1.676.865/RS,
1.682.671/SP, 1.682.672/SP, 1.682.678/SP e 1.682.682/SP), terão sua resolução efetivada de
forma conjunta.
2. Não se pode conhecer da insurgência na parte em que pleiteia o exame de matéria
constitucional, sob pena de, assim procedendo, esta Corte usurpar a competência do STF.
3. Reconhecido o tempo de serviço rural, não pode o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
se recusar a cumprir seu dever de expedir a certidão de tempo de serviço. O direito à certidão
simplesmente atesta a ocorrência de um fato, seja decorrente de um processo judicial
(justificação judicial), seja por força de justificação de tempo de serviço efetivada na via
administrativa, sendo questão diversa o efeito que essa certidão terá para a esfera jurídica do
segurado.
4. Na forma da jurisprudência consolidada do STJ, "nas hipóteses em que o servidor público
busca a contagem de tempo de serviço prestado como trabalhador rural para fins de contagem
recíproca, é preciso recolher as contribuições previdenciárias pertinentes que se buscam averbar,
em razão do disposto nos arts. 94 e 96, IV, da Lei 8.213/1991" (REsp 1.579.060/SP, Rel. Ministro
Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/2/2016, DJe 30/5/2016).
5. Descabe falar em contradição do art. 96, IV, com o disposto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.
8.213/1991, visto que são coisas absolutamente diversas: o art. 96, IV, relaciona-se às regras da
contagem recíproca de tempo de serviço, que se dá no concernente a regimes diferenciados de
aposentadoria; o art. 55 refere-se às regras em si para concessão de aposentadoria por tempo de
serviço dentro do mesmo regime, ou seja, o Regime Geral da Previdência Social.
6. É descabido o argumento trazido pelo amicus curiae de que a previsão contida no art. 15, I e II,
da Lei Complementar n. 11/1971, quando já previa a obrigatoriedade de contribuição
previdenciária, desfaz a premissa de que o tempo de serviço rurícola anterior à vigência da Lei n.
8.213/1991 não seria contributivo. É que a contribuição prevista no citado dispositivo legal se
reporta a uma das fontes de custeio da Previdência Social, cuja origem decorre das contribuições
previdenciárias de patrocinadores, que não os próprios segurados. Ora, acolher tal argumento
significaria dizer que, quanto aos demais benefícios do RGPS, por existirem outras fontes de
custeio (inclusive receitas derivadas de concursos de prognósticos), o sistema já seria
contributivo em si, independentemente das contribuições obrigatórias por parte dos segurados.
7. Não se há de falar em discriminação entre o servidor público e o segurado vinculado ao
Regime Geral de Previdência Social, porque, para o primeiro, no tocante ao tempo de serviço
rurícola anterior a 1991, há recolhimento das contribuições previdenciárias, o que não é exigido
para o segundo. Cuida-se de regimes diferentes, e, no caso do segurado urbano e do rurícola,
nada obstante as diferenças de tratamento quanto à carência e aos requisitos para a obtenção
dos benefícios, ambos se encontram vinculados ao mesmo Regime Geral da Previdência Social,
o que não ocorre para o servidor estatutário.
8. Tese jurídica firmada: O segurado que tenha provado o desempenho de serviço rurícola em
período anterior à vigência da Lei n. 8.213/1991, embora faça jus à expedição de certidão nesse
sentido para mera averbação nos seus assentamentos, somente tem direito ao cômputo do
aludido tempo rural, no respectivo órgão público empregador, para contagem recíproca no regime
estatutário se, com a certidão de tempo de serviço rural, acostar o comprovante de pagamento
das respectivas contribuições previdenciárias, na forma da indenização calculada conforme o
dispositivo do art. 96, IV, da Lei n. 8.213/1991.
9. Na hipótese dos autos, o aresto prolatado pelo Tribunal de origem está em conformidade com
o posicionamento desta Corte Superior, porque, da leitura do voto condutor e do acórdão que
resultou das suas premissas, não há determinação para que o tempo de serviço constante da
respectiva certidão seja contado como tal para o caso de contagem recíproca, pelo que não tem
esse efeito, salvo se houver o recolhimento das contribuições.
10. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.
11. Recurso julgado sob a sistemática do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e do art. 256-N e
seguintes do Regimento Interno do STJ."
(REsp 1682678/SP, PRIMEIRA SEÇÃO, Relator Ministro OG FERNANDES, j. 25/04/2018, DJe
30/04/2018) (grifos nossos).
Desse modo, há que se ressalvar a necessidade de indenização/recolhimento aos cofres
previdenciários concernente ao tempo de serviço rural sem registro, ora reconhecido, devendo o
réu averbá-lo e expedir a correspondente certidão de tempo de contribuição.
Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, condeno ambas as partes a pagar
honorários ao advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor
atualizado da causa, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC.
Em relação à parte autora, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, dou parcial provimento às apelações para, nos termos da fundamentação: (i)
conceder os benefícios da justiça gratuita; (ii) reconhecer a existência de trabalho rural sem
registro, em regime de economia familiar, nos intervalos de 23/9/1988 a 10/6/1991, de 1º/11/1991
a 12/6/1992, de 1º/11/1992 a 3/6/1993, de 27/10/1993 a 1º/8/1994, de 15/10/1994 a 1º/6/1995, de
17/12/1995 a 2/5/1996 e de 21/12/1996 a 1º/06/1997; (iii) ressalvar a necessidade de
indenização/recolhimento aos cofres previdenciários concernente ao tempo de serviço rural ora
reconhecido, na forma do Art. 96, IV, da Lei 8.213/91.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. RECONHECIMENTO DE TRABALHO RURAL SEM
REGISTRO. CONTAGEM RECÍPROCA. TEMA 609 DO STJ. CONJUNTO PROBATÓRIO
SUFICIENTE. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. JUSTIÇA
GRATUITA.
- Tratando-se do caráter alimentar do rendimento auferido pela parte autora, destinado a sua
subsistência e de sua família, o valor não deve ser considerado bastante para a exclusão da
possibilidade de obtenção da gratuidade.
- Não se conhece da remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do atual CPC, cujo
artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. Neste caso, à evidência, esse
montante não é alcançado.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
Precedentes.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural pleiteado.
- Necessidade de indenização, conforme o dispositivo do art. 96, IV, da Lei n. 8.213/1991, para
fins de contagem recíproca, nos termos da Tese jurídica firmada no julgamento do Repetitivo do
STJ, Tema 609.
- Constatada a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes a pagar honorários ao
advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da
causa, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC. Em relação à parte autora,
suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por
tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelações parcialmente providas. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA