Processo
CCCiv - CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL / SP
5003830-29.2021.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
Órgão Especial
Data do Julgamento
10/06/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 14/06/2021
Ementa
E M E N T A
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AUXÍLIO EMERGENCIAL. PRESTAÇÃO QUE NÃO
SE ENCONTRA NO ÂMBITO DE ATRIBUIÇÕES DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. RELAÇÃO
JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. NATUREZA ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DAS
TURMAS QUE COMPÕEM A SEGUNDA SEÇÃO. CONFLITO IMPROCEDENTE.
I – Nos termos do art. 10, §3º, do Regimento Interno deste Tribunal, “À Terceira Seção cabe
processar e julgar os feitos relativos à Previdência e Assistência Social, excetuada a competência
da Primeira Seção.”
II- A Assistência Social encontra a descrição de seu programa normativo nos arts. 203 e 204, da
CF. Por sua vez, a estruturação concreta do modelo constitucional mencionado é promovida pela
Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93).
III- A Lei nº 8.742/93 confere àAssistência Social uma organização própria, possuindo como
órgão deliberativo superior o Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. A execução das
ações sociais ocorre por meio do Sistema Único de Assistência Social (Suas), com observância
das diretrizes traçadas na Política Nacional de Assistência Social – PNAS, sendo que suas
atividades são financiadas pelo Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS.
IV- O Capítulo IV, da Lei nº 8.742/93, intitulado “Dos Benefícios, dos Serviços, dos Programas e
dos Projetos de Assistência Social”, detalha os serviços, programas e benefícios cuja prestação
cabe à Assistência Social. Ali, são estabelecidas duas espécies de benefícios: A) o benefício de
prestação continuada (art. 20); e, B) os benefícios eventuais (art. 22), consistentes nas “provisões
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do Suas”. É assentado,
ainda, que compete à Assistência Social: 1) prestar serviços socioassistenciais voltados à
melhoria de vida da população (Seção III); 2) promover programas de assistência social, por meio
de ações integradas e complementares, com vistas a incentivar e melhorar os serviços
assistenciais (Seção IV); 3) e realizar projetos de enfrentamento da pobreza(Seção V).
V- A Assistência Social abrange um conjunto específico de serviços, programas e prestações
financeiras, geridas e executadas dentro de uma estrutura particularmente organizada com esta
finalidade, contando com seus próprios órgãos deliberativos e forma de financiamento.
VI- Constata-se que nem todo programa ou prestação econômica de caráter social disponibilizada
pela União e pelos demais órgãos federais se encontra a cargo da estrutura da “Assistência
Social”. É o que ocorre, por exemplo, com o Programa Bolsa Família, que, não obstante sua
inegável importância social, adota modelo próprio de gestão (Conselho Gestor Interministerial do
Programa Bolsa Família – art. 4º da Lei nº 10.836/04 e art. 24, inc. V da Lei nº 13.844/19), bem
como de financiamento e gerenciamento de recursos (arts. 6º e 7º da Lei nº 10.836/04).
VII- De forma semelhante, o programa relativo ao auxílio emergencial não se encontra inserido
entre as atribuições dos órgãos que compõem a estrutura da “Assistência Social”.
VIII- A Lei nº 13.982/2020, que instituiu o referido programa, deliberadamente deixou de integrar o
regramento do auxílio emergencial à Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93), a qual
apenas é mencionada no art. 1º do referido Diploma.
IX- Apesar da brevidade das regras trazidas na Lei nº 13.982/2020, é seguro afirmar que o auxílio
emergencial não é gerido pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, não é
financiado com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS, nem é
operacionalizado pelo INSS ou pelos órgãos do Sistema Único de Assistência Social (Suas).
Além disso, o auxílio emergencial não integra a Política Nacional de Assistência Social – PNAS,
assim como não se encontra previsto em nenhuma das normas que regem a Assistência Social.
X- O auxílio emergencial não se encontra inserido no âmbito da Assistência Social. Precedentes
da E. Corte Especial do TRF-4ª Região: CC nº 5019813-75.2020.4.04.0000, Corte Especial, Rel.
Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado, v.u., j. 27/08/2020; CC nº 5018344-91.2020.4.04.0000,
Corte Especial, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, v.u., j. 29/06/2020.
XI- O auxílio emergencial constitui um programa de transferência de renda gerido por órgãos
federais, ostentando a natureza de relação jurídica de direito público – mais propriamente, afeta
ao Direito Administrativo -, na qual o particular busca perante a Administração a obtenção de uma
prestação pública.
XII- Reconhecida a competência da E. Quarta Turma desta Corte para o julgamento da demanda
de Origem, nos termos do art. 10, §2º, do Regimento Interno do TRF-3ª Região.
XIII- Conflito de competência improcedente.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº5003830-29.2021.4.03.0000
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
SUSCITANTE: DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE - QUARTA TURMA
SUSCITADO: DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN - NONA TURMA
OUTROS PARTICIPANTES:
PARTE AUTORA: JOSEANE BARROS ALVES
PARTE RE: EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMACOES DA PREVIDENCIA SOCIAL,
CAIXA ECONOMICA FEDERAL, UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: PEDRO ALVES - SP436539-A
ADVOGADO do(a) PARTE RE: AMELIA VASCONCELOS GUIMARAES - RJ71182-A
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª RegiãoÓrgão Especial
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº5003830-29.2021.4.03.0000
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
SUSCITANTE: DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE - QUARTA TURMA
SUSCITADO: DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN - NONA TURMA
OUTROS PARTICIPANTES:
PARTE AUTORA: JOSEANE BARROS ALVES
PARTE RE: EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMACOES DA PREVIDENCIA SOCIAL,
CAIXA ECONOMICA FEDERAL, UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: PEDRO ALVES - SP436539-A
ADVOGADO do(a) PARTE RE: AMELIA VASCONCELOS GUIMARAES - RJ71182-A
R E L A T Ó R I O
O Senhor Desembargador Federal Newton De Lucca (Relator): Cuida-se de conflito negativo de
competência suscitado pela E. Desembargadora Federal Monica Nobre, integrante da Quarta
Turma desta Corte, nos autos da Remessa Necessária nº 5001026-53.2020.4.03.6134, tendo
como suscitado o Desembargador Federal Gilberto Jordan, integrante da E. Nona Turma.
Trata o processo de Origem de mandado de segurança impetrado por Joseane Barros Alves, no
qual postula a “implantação do auxílio emergencial pelo período de 03 meses no valor de R$
600,00 (cada parcela), conforme redação da lei ou decorrido o prazo de pagamento seja
determinado o depósito do valor total das 03 parcelas perfazendo um total de R$ 1.800,00.”
(doc. nº 153.241.353, p. 15).
Foram indicadas como autoridades coatoras a Subsecretaria de Assuntos Administrativos do
Ministério da Cidadania, a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência – DATAPREV
e a Caixa Econômica Federal.
Na peça inaugural, alega a impetrante que, ao tentar realizar o cadastro para a obtenção do
auxílio emergencial, por meio do aplicativo disponibilizado pelo governo federal, sobreveio
mensagem informando que “os dados do cadastro são inconclusivos”. Sustenta que, em
seguida, tentou por diversas vezes refazer o cadastro, não obtendo êxito, uma vez que o
sistema informava que os CPFs dos membros da família da impetrante já haviam sido
cadastrados em outro grupo familiar. Entende preencher os requisitos para a obtenção do
auxílio.
Em 29/07/2020, o Juízo de primeiro grau proferiu sentença, concedendo parcialmente a
segurança “para determinar a continuidade do processamento do requerimento de auxílio
emergencial da impetrante, superando-se o óbice de vinculação dos CPFs indicados (CPFs
190.303.958-72, 544.692.498-31, 544.495.118-59) a uma outra composição familiar.” (doc. nº
153.241.368, p. 17).
Encaminhado o feito a esta E. Corte para fins de exame da remessa oficial, os autos foram
inicialmente distribuídos ao E. Desembargador Federal Gilberto Jordan que, em 23/02/2021,
declinou da competência, determinando a redistribuição do processo para uma das Turmas da
E. Segunda Seção desta Corte. Registrou que “o auxílio emergencial não é um benefício
previdenciário, mas temporário, fruto de política assistencial operacionalizada pela Caixa
Econômica Federal com recursos da União” (doc. nº 153.241.368, p. 8) e que, “Além disso, o
INSS não é o órgão gestor do benefício, que também não consta das Leis 8.213/91 e 8.742/93”
(doc. nº 153.241.368, p. 8), de modo que o mandamus não trata de matéria previdenciária.
Redistribuída a demanda, a E. Desembargadora Federal Monica Nobre suscitou o presente
conflito de competência. Destacou que “O auxílio emergencial foi instituído pela Lei nº
13.982/20, alterando dispositivos da Lei nº 8.742/1993, que trata da organização da Assistência
Social.” (doc. nº 153.241.351, p. 2), motivo pelo qual “não há como afastar a natureza
assistencial do auxílio emergencial e, consequentemente, a competência da Terceira Seção
para processamento e julgamento do presente recurso, nos termos do art. 10, § 3º do RI/TR3.”
(doc. nº 153.241.351, p. 2).
Designei a E. Desembargadora Federal suscitante para resolver, em caráter provisório, as
medidas urgentes (doc. nº 153.315.613).
O MPF opinou pela improcedência do conflito (doc. nº 153.675.869).
É o breve relatório.
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª RegiãoÓrgão Especial
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº5003830-29.2021.4.03.0000
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
SUSCITANTE: DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE - QUARTA TURMA
SUSCITADO: DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN - NONA TURMA
OUTROS PARTICIPANTES:
PARTE AUTORA: JOSEANE BARROS ALVES
PARTE RE: EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMACOES DA PREVIDENCIA SOCIAL,
CAIXA ECONOMICA FEDERAL, UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: PEDRO ALVES - SP436539-A
ADVOGADO do(a) PARTE RE: AMELIA VASCONCELOS GUIMARAES - RJ71182-A
V O T O
O Senhor Desembargador Federal Newton De Lucca (Relator): Trata-se de conflito de
competência relativo a demanda na qual se pretende a obtenção de auxílio emergencial.
Inicialmente, destaco que a matéria debatida no processo de Origem não se confunde com o
tema do mero retardo ou falha da Administração Pública quanto ao exame de processo
administrativo.
O pedido formulado na petição inicial do mandado de segurança não deixa dúvidas de que se
objetiva a própria obtenção do auxílio emergencial, não se limitando a pretensão da impetrante,
portanto, à simples análise de seu requerimento pela Administração.
Ademais, embora o reexame necessário seja relativo apenas à determinação da sentença de
“continuidade do processamento do requerimento de auxílio emergencial da impetrante,
superando-se o óbice de vinculação dos CPFs indicados (...) a uma outra composição familiar”
(doc. nº 153.241.368, p. 17) - sem que tenha havido recurso voluntário das partes -, ainda
assim é possível constatar que o objeto a ser julgado neste grau de jurisdição se relaciona com
a concessão do auxílio emergencial.
Isto porque a sentença a ser reexaminada procedeu à análise da legalidade do ato
administrativo que indeferiu o requerimento de auxílio emergencial, concluindo que os motivos
invocados pela Administração para negar a prestação postulada não eram legítimos. A
sentença apenas deixou de determinar o imediato pagamento do auxílio emergencial por
entender que cabia à Administração o direito de examinar os demais requisitos exigidos pela lei
para a concessão da prestação.
Feitas estas considerações iniciais, a questão a ser resolvida refere-se à competência interna
desta Corte, definindo-se o órgão para o julgamento de demandas relativas à concessão de
auxílio emergencial.
Prescrevem os §§ 2º e 3º, do art. 10, do Regimento Interno desta E. Corte:
“§ 2º - À Segunda Seção cabe processar e julgar os feitos relativos ao direito público,
ressalvados os que se incluem na competência da Primeira e Terceira Seções, dentre outros:
(...)”
“§ 3º - À Terceira Seção cabe processar e julgar os feitos relativos à Previdência e Assistência
Social, excetuada a competência da Primeira Seção.”
Como se observa, compete à Terceira Seção o julgamento das ações relacionadas à
Previdência e Assistência Social.
A Assistência Social encontra a descrição de seu programa normativo nos arts. 203 e 204, da
CF. Estabelece o art. 203, da CF que “A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. Por sua vez, determina o
art. 204, da CF:
“Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com
recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e
organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera
federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e
municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das
políticas e no controle das ações em todos os níveis.”
Já a estruturação concreta do modelo constitucional mencionado vem estabelecida pela Lei
Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93).
De acordo com o art. 6º, da Lei nº 8.742/93, “A gestão das ações na área de assistência social
fica organizada sob a forma de sistema descentralizado e participativo, denominado Sistema
Único de Assistência Social (Suas)” (grifei), contando com a participação coordenada da União,
Estados, Municípios e DF. Conforme se extrai do §2º, do art. 6º, “O Suas é integrado pelos
entes federativos, pelos respectivos conselhos de assistência social e pelas entidades e
organizações de assistência social”.
O órgão deliberativo superior da Assistência Social é o Conselho Nacional de Assistência Social
– CNAS (art. 17), o qual é responsável pela normatização das ações socioassistenciais, bem
como pela aprovação da Política Nacional de Assistência Social – PNAS(art. 18, inc. I), que
compreende as regras, objetivos e diretrizes básicas a serem observadas pelos órgãos do
Sistema Único de Assistência Social.
Com relação à forma de execução das ações da Assistência Social, estabelece o art. 6º-A, da
Lei nº 8.742/93:
“Art. 6º-A. A assistência social organiza-se pelos seguintes tipos de proteção:
I - proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência
social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do
desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários;
II - proteção social especial: conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo
contribuir para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o
fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o
enfrentamento das situações de violação de direitos.”
Adicionalmente, o Capítulo IV, da Lei nº 8.742/93, intitulado “Dos Benefícios, dos Serviços, dos
Programas e dos Projetos de Assistência Social”, detalha os serviços, programas e benefícios
cuja prestação cabe à Assistência Social.
Neste Capítulo, estabelece a Lei nº 8.742/93 duas espécies de benefício: A) o benefício de
prestação continuada (art. 20) que, em observância ao art. 203, inc. V, da CF, destina-se a
garantir “um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família”; e, B) os benefícios eventuais (art. 22), consistentes nas “provisões suplementares e
provisórias que integram organicamente as garantias do Suas e são prestadas aos cidadãos e
às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de
calamidade pública” (grifei), e cuja concessão e valor são “definidos pelos Estados, Distrito
Federal e Municípios e previstos nas respectivas leis orçamentárias anuais, com base em
critérios e prazos definidos pelos respectivos Conselhos de Assistência Social.” (art. 22, § 1º).
Ainda, no Capítulo IV, da Lei nº 8.742/93, está assentado que compete à Assistência Social: 1)
prestar serviços socioassistenciais voltados à melhoria de vida da população (Seção III); 2)
promover programas de assistência social, por meio de ações integradas e complementares,
com vistas a incentivar e melhorar os serviços assistenciais (Seção IV); 3) e realizar projetos de
enfrentamento da pobreza(Seção V).
No que diz respeito ao financiamento da Assistência Social, a Lei nº 8.742/93 criou o Fundo
Nacional de Assistência Social – FNAS, que se destina a “proporcionar recursos para
cofinanciar gestão, serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social” (art. 1º do
Decreto nº 7.788/12). Ademais, conforme se extrai do art. 28 da Lei nº 8.742/93, o
financiamento do Sistema Único de Assistência Social ocorre “mediante cofinanciamento dos 3
(três) entes federados, devendo os recursos alocados nos fundos de assistência social ser
voltados à operacionalização, prestação, aprimoramento e viabilização dos serviços,
programas, projetos e benefícios desta política.” (grifei).
Atualmente, a gestão do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS cabe ao Ministério da
Cidadania (art. 23, inc. XI da Lei nº 13.844/19), “sob orientação e acompanhamento do
Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS” (art. 2º do Decreto nº 7.788/12), ao qual
compete “estabelecer diretrizes, apreciar e aprovar os programas anuais e plurianuais do Fundo
Nacional de Assistência Social (FNAS)” (art. 18, inc. XI da Lei 8.742/93). A respeito, explica a
doutrina:
“8) Gestão dos recursos
Como órgão de controle social, o Conselho Nacional de Assistência Social é responsável por
acompanhar e avaliar a gestão dos recursos destinados à execução da política de assistência
social, os ganhos sociais e o desempenho das ações socioassistenciais.
Válido rememorar que os recursos de responsabilidade da União destinados à assistência
social são automaticamente repassados ao Fundo Nacional de Assistência Social.”
(RIBAS, Karine Berbigier (coord.), LOAS – Comentários à Lei Orgânica da Assistência Social –
Lei nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993, Publicações da Escola da AGU, jan/fev. 2015, p. 133,
grifei)
Note-se que os recursos utilizados para “pagamento, operacionalização, gestão, informatização,
pesquisa, monitoramento e avaliação do benefício de prestação continuada e de renda mensal
vitalícia” também integram o Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS (art. 4º, inc. VI, do
Decreto nº 7.788/12), podendo, contudo, ser repassados diretamente para o INSS (art. 4, § 3º).
Esclarece a doutrina:
“3) Benefício de prestação continuada
O provimento dos recursos destinados ao pagamento do benefício de prestação continuada é
de responsabilidade da União, que o faz por intermédio do Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome.
Tais recursos são automaticamente repassados ao Fundo Nacional de Assistência Social,
podendo ser transferidos diretamente ao Instituto Nacional do Seguro Social, órgão responsável
por sua execução e operacionalização.
Além do financiamento do benefício de prestação continuada, compete ao Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, por intermédio da Secretaria Nacional de
Assistência Social, a implementação, a coordenação-geral, a regulação, o monitoramento e a
avaliação da prestação do benefício, sem prejuízo das iniciativas compartilhadas com Estados,
Distrito Federal e Municípios.”
(RIBAS, Karine Berbigier (coord.), LOAS – Comentários à Lei Orgânica da Assistência Social –
Lei nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993, Publicações da Escola da AGU, jan/fev. 2015, p. 137,
grifei)
Ainda, segundo o art. 39, da Lei nº 8.742/93, o Conselho Nacional de Assistência Social –
CNAS, por maioria absoluta de seus membros, pode propor ao Poder Executivo a alteração dos
limites de renda mensal per capta do benefício de prestação continuada, respeitados “o
orçamento da seguridade social e a disponibilidade do Fundo Nacional de Assistência Social
(FNAS)”.
Como se observa, a Assistência Social abrange um conjunto específico de serviços, programas
e prestações financeiras, geridas e executadas dentro de uma estrutura particularmente
organizada com esta finalidade, contando com seus próprios órgãos deliberativos (entre os
quais o Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS) e forma de financiamento (Fundo
Nacional de Assistência Social - FNAS).
Observa-se, portanto, que nem todo programa ou prestação econômica de caráter social
disponibilizada pela União e pelos demais órgãos federais se encontra a cargo da estrutura da
“Assistência Social”.
É o que ocorre, por exemplo, com o Programa Bolsa Família. Não obstante a inegável
importância social do programa, voltado para o combate da pobreza extrema, observa-se que o
Bolsa Família adota modelo próprio de gestão (Conselho Gestor Interministerial do Programa
Bolsa Família – art. 4º da Lei nº 10.836/04 e art. 24, inc. V da Lei nº 13.844/19), bem como de
financiamento e gerenciamento de recursos (arts. 6º e 7º da Lei nº 10.836/04).
Além disso, a operacionalização dos recursos do Programa Bolsa Família não é transferida
para o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (art. 12 da Lei nº 10.836/04 - “Fica atribuída à
Caixa Econômica Federal a função de Agente Operador do Programa Bolsa Família”).
Este é o motivo pelo qual, no âmbito deste E. Tribunal, a competência para o julgamento de
demandas relativas ao Programa Bolsa Família não é atribuída a Terceira Seção. A fim de
exemplificar a questão, reproduzo os seguintes julgados, prolatados por Turmas de outras
Seções desta E. Corte:
“BOLSA FAMÍLIA. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PAGAMENTO. BENEFÍCIO DEVIDO.
I - Hipótese de suspensão de repasse de benefício do programa Bolsa Família, instituído pela
Lei nº 10.836/04, no período compreendido entre os meses de março a outubro de 2006.
II - Constatação de que o Sistema de Pagamentos Sociais (Sipas) incluiu alteração cadastral
incompatível com a real situação socioeconômica da família beneficiada no período discutido,
tendo em vista que não houve comprovada alteração da renda per capita familiar, igualmente
não havendo modificação da quantidade de membros do núcleo a ensejar a suspensão do
pagamento.
III - Recurso desprovido.”
(AC nº 0001866-96.2006.4.03.6116, Segunda Turma, Rel. Des. Fed. Peixoto Junior, v.u., j.
23/10/2018, DJe 30/10/2018)
“ADMINISTRATIVO. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUSPENSÃO
BENEFÍCIO BOLSA FAMÍLIA. ERRO CADASTRAL. DANOS MATERIAIS. PROVIMENTO.
DANOS LEGITIMIDADE DA UNIÃO.
1. Apelação da União contra a sentença que acolheu parcialmente a pretensão deduzida na
inicial.
2. Erro de sistema no cadastro da parte autora, que culminou na suspensão do benefício entre
maio de 2011 e julho de 2012.
3. Cinge-se a controvérsia apenas ao pagamento das parcelas devidas no referido período, e
não à concessão do bolsa-família - que foi objeto de apreciação e deferimento na esfera
administrativa.
4. Ao teor do que se infere da Lei n.º 10.836/2004, a União figura como instituidora e
responsável pelo custeio do referido benefício, de sorte que parte legítima para integrar o polo
passivo da demanda.
5. Matéria preliminar rejeitada e, no mérito, apelação desprovida.”
(AC nº 0002616-60.2013.4.03.6114, Primeira Turma, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, v.u., j.
04/12/2018, DJe 12/12/2018)
“PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA.
SENTENÇA ‘CITRA PETITA’. ARTIGO 1.013, § 3º, I, DO CPC. ADMINISTRATIVO. BOLSA
FAMÍLIA. ERRO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DEVOLUÇÃO DE VALOR RECEBIDO A
MAIOR PELOS BENEFICIÁRIOS. RESTITUIÇÃO DO VALOR DESCONTADO PELA CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL DO BENEFÍCIO. DESOBRIGATORIEDADE. EFEITOS DA
SENTENÇA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÕES DESPROVIDAS.
1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União em face da Caixa
Econômica Federal e da União com o objetivo de que os beneficiários do Programa Bolsa
Família não sejam obrigados à devolução dos valores recebidos a maior nos meses de
setembro e outubro de 2010, bem como sejam as rés condenadas a restituir a essas famílias os
valores eventualmente já descontados.
2. A Defensoria Pública possui legitimidade para integrar o polo ativo da presente ação, pois
tem a função constitucionalmente conferida de exercer a tutela de interesses transindividuais e
individuais homogêneos, e, em especial, a defesa dos necessitados.
3. O artigo 1.013, § 3º, I, do Código de Processo Civil de 2015, autoriza o exame do mérito pelo
tribunal ad quem quando a matéria tratada for exclusivamente de direito e o processo estiver
em condições de imediato julgamento, o que se verifica no caso sub judice. Em homenagem
aos princípios da economia, celeridade e efetividade processual, a prolação de sentença nula
não impede a análise do pedido por este Tribunal.
4. O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda, direcionado às famílias em
situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País, possuindo natureza eminentemente
alimentar. Assim, não é possível exigir dos beneficiários a devolução de tais valores sem
colocar em risco a sua sobrevivência.
5. O e. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser indevida a restituição de
valores recebidos de boa fé em decorrência de erro da própria Administração.
6. Tais valores, com efeito, não serviram aos beneficiários como fonte de enriquecimento ilícito,
mas sim como forma de subsistência própria e de sua família.
7. Por outro lado, não merece prosperar o pedido de condenação da CEF a restituir aos
beneficiários os valores que já foram descontados do benefício assistencial.
8. Os pagamentos efetivados em percentual superior ao que os beneficiários faziam jus não
possuem a virtude de se transformar em direito adquirido, de sorte que, se já foram
descontados ou devolvidos de boa-féà instituição financeira, esta não possui qualquer
obrigação de restituí-los a essas famílias.
9. Tendo em vista que a ação civil pública é um tipo de ação coletiva, de natureza social, e
também em virtude do princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva, deve a
sentença de procedência irradiar seus resultados positivos a todos os que se encontrem na
mesma situação, a fim de evitar novas demandas. Assim, no caso sub judice, os efeitos da
sentença devem ser estendidos a todo o território nacional.
10. Sucumbência recíproca.
11. Precedentes.
12. Apelações desprovidas.”
(AC nº 0004018-04.2011.4.03.6000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, v.u., j.
20/09/2017, DJe 28/09/2017)
De forma semelhante, o programa relativo ao auxílio emergencial não se encontra inserido
entre as atribuições dos órgãos que compõem a estrutura da “Assistência Social”.
Importante destacar que a Lei nº 13.982/2020, que instituiu o referido programa,
deliberadamente deixou de integrar o regramento do auxílio emergencial à Lei Orgânica da
Assistência Social (Lei nº 8.742/93).
No art. 1º, da Lei nº 13.982/2020, cuidou o legislador de introduzir modificações em relação ao
benefício de prestação continuada do art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Em seguida, em seu art. 2º, a Lei nº 13.982/2020 passa a tratar das regras relativas ao auxílio
emergencial, prescrevendo no §12 daquele dispositivo que “O Poder Executivo regulamentará o
auxílio emergencial (...)”.
Por sua vez, a gestão e financiamento do Auxílio Emergencial apenas se encontram definidas
no art. 4º, do Decreto nº 10.316/20, que estabelece competir ao Ministério da Cidadania “gerir” e
“ordenar as despesas para a implementação do auxílio emergencial”.
Logo, apesar da brevidade das regras trazidas na Lei nº 13.982/2020, é seguro afirmar que o
auxílio emergencial não é gerido pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, não é
financiado com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS, nem é
operacionalizado pelo INSS ou pelos órgãos do Sistema Único de Assistência Social (Suas).
Além disso, o auxílio emergencial não integra a Política Nacional de Assistência Social – PNAS,
assim como não se encontra previsto em nenhuma das normas que regem a Assistência Social.
Desta forma, é forçoso concluir que o auxílio emergencial não se encontra inserido no âmbito
da Assistência Social.
Neste sentido, destaco os seguintes precedentes da E. Corte Especial do TRF-4ª Região:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. AUXÍLIO-EMERGENCIAL.
NATUREZA ADMINISTRATIVA DO PEDIDO.
- Face ao seu delineamento legal, portanto, o Auxílio Emergencial previsto no art. 2º da Lei n.
13.982/2020 não possui natureza previdenciária, e tampouco se insere no âmbito dos
benefícios assistenciais do sistema de Seguridade Social pátrio, de modo que resta afastada a
competência dos órgãos judicantes com atribuição para o processo e julgamento de lides
previdenciárias e afins (TRF4, CC 5018344-91.2020.4.04.0000/SC, 3ª Seção, rel. Des. Federal
Paulo Afonso Brum Vaz, julgado em 29/06/2020).”
(CC nº 5019813-75.2020.4.04.0000, Corte Especial, Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk
Penteado, v.u., j. 27/08/2020, grifos meus)
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE
SEGURANÇA. AUXÍLIO EMERGENCIAL. NATUREZA JURÍDICA. BENEFÍCIO NÃO INSERIDO
NO SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL. COMPETÊNCIA CIVIL/ADMINISTRATIVA.
1. Ao instituir o Auxílio Emergencial, o art. 2º da Lei n. 13.982/2020 estabelece, em seus
parágrafos 2º e 3º, nítidos paralelos entre esse benefício e aquele instituído pela Lei nº
10.836/2004 (Programa do Bolsa Família), inclusive prevendo a possibilidade de substituição
temporária desse último pelo primeiro, caso mais vantajoso.
2. Desse modo, o Auxílio Emergencial consubstancia a implementação de política pública de
redução de desigualdades sociais e manutenção de renda, tal como o Bolsa Família, com a
especificidade de que, no caso do Auxílio Emergencial, as circunstâncias que ensejam a sua
instituição são aquelas resultantes de crise pública, excepcional e temporária, decorrente
pandemia de Covid-19.
3. Face ao seu delineamento legal, portanto, o Auxílio Emergencial previsto no art. 2º da Lei n.
13.982/2020 não possui natureza previdenciária, e tampouco se insere no âmbito dos
benefícios assistenciais do sistema de Seguridade Social pátrio, de modo que resta afastada a
competência dos órgãos judicantes com atribuição para o processo e julgamento de lides
previdenciárias e afins.”
(CC nº 5018344-91.2020.4.04.0000, Corte Especial, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz,
v.u., j. 29/06/2020, grifos meus)
Observa-se, portanto, que o auxílio emergencial constitui um programa de transferência de
renda gerido por órgãos federais, ostentando a natureza de relação jurídica de direito público –
mais propriamente, afeta ao Direito Administrativo -, na qual o particular busca, perante a
Administração, a obtenção de uma prestação pública.
Desta forma, em razão do disposto no art. 10, §2º, do Regimento Interno desta Corte (“À
Segunda Seção cabe processar e julgar os feitos relativos ao direito público”), impõe-se o
reconhecimento da competência da E. Quarta Turma para julgamento da demanda subjacente.
Ante o exposto, julgo improcedente o conflito de competência, reconhecendo a competência da
E. Desembargadora Federal suscitante para o exame da causa.
É o meu voto.
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
DECLARAÇÃO DE VOTO
Senhores Desembargadores, com todas as vênias ao relator, registro respeitosa divergência.
A meu sentir, o benefício em questão é concedido independente de contraprestação, com base
em critérios de vulnerabilidade social (Art. 2º da Lei 13.982/2020), em contexto de calamidade
pública. Nesta quadra, assemelha-se, na essência, aos benefícios eventuais previstos na LOAS
(“Art. 22. Entendem-se por benefícios eventuais as provisões suplementares e provisórias que
integram organicamente as garantias do Suas e são prestadas aos cidadãos e às famílias em
virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade
pública”).
Conquanto, de fato, como apontou o nobre relator, o auxílio emergencial não esteja
formalmente inserido na estrutura da Assistência Social, é forçoso reconhecer que se trata,
materialmente, de medida assistencialista, pelo prisma finalístico do que a própria Constituição
Federal define sobre o tema (“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a
proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; (...) V - a garantia de
um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei”).
Assumindo tal premissa, e com vênia do relator, penso ser pertinente que, em sede de conflito
de competência, o objeto da causa seja descrito como substancialmente similar e equivalente à
matéria tipicamente afeta à competência da Seção responsável pela Assistência Social,
afastando, assim, a interpretação em prol do julgamento pelo órgão de competência residual,
com o qual não guarda qualquer afinidade específica. Pelo contrário, os pontos de aproximação
entre o auxílio emergencial e os temas afetos à competência da 2ª Seção são, na perspectiva
do que se propõe, abstratos e, inclusive, igualmente aplicáveis à própria 3ª Seção (v.g., matéria
de direito público, medida de prestação econômica com vértice no Poder Executivo).
O acolhimento do conflito negativo, no contexto em discussão, parece melhor atender à função,
sentido e abrangência da competência residual prevista no Regimento Interno desta Corte, que
é a de deslocar para a 2ª Seção apenas os temas que, de fato, não possam ser insertos,
essencialmente de acordo com a respectiva natureza jurídica, na competência afeta às Seções
especializadas. Esse entendimento tem sido, inclusive, adotado em vários julgados de Turmas
da 3ª Seção, após redistribuição, como bem destacou a e. Desembargadora Federal suscitante,
a exemplo do que se verificou nos autos 5021322-68.2020.4.03.0000, 5024844-
06.2020.4.03.0000 e 5001614-63.2020.4.03.6133, entre outros.
Desta forma, peço licença para divergir do ilustre relator e, assim, julgar procedente o conflito,
declarando competente, in casu, o e. Desembargador Federal suscitado.
É como voto.
E M E N T A
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AUXÍLIO EMERGENCIAL. PRESTAÇÃO QUE
NÃO SE ENCONTRA NO ÂMBITO DE ATRIBUIÇÕES DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. RELAÇÃO
JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. NATUREZA ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DAS
TURMAS QUE COMPÕEM A SEGUNDA SEÇÃO. CONFLITO IMPROCEDENTE.
I – Nos termos do art. 10, §3º, do Regimento Interno deste Tribunal, “À Terceira Seção cabe
processar e julgar os feitos relativos à Previdência e Assistência Social, excetuada a
competência da Primeira Seção.”
II- A Assistência Social encontra a descrição de seu programa normativo nos arts. 203 e 204, da
CF. Por sua vez, a estruturação concreta do modelo constitucional mencionado é promovida
pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93).
III- A Lei nº 8.742/93 confere àAssistência Social uma organização própria, possuindo como
órgão deliberativo superior o Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. A execução das
ações sociais ocorre por meio do Sistema Único de Assistência Social (Suas), com observância
das diretrizes traçadas na Política Nacional de Assistência Social – PNAS, sendo que suas
atividades são financiadas pelo Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS.
IV- O Capítulo IV, da Lei nº 8.742/93, intitulado “Dos Benefícios, dos Serviços, dos Programas e
dos Projetos de Assistência Social”, detalha os serviços, programas e benefícios cuja prestação
cabe à Assistência Social. Ali, são estabelecidas duas espécies de benefícios: A) o benefício de
prestação continuada (art. 20); e, B) os benefícios eventuais (art. 22), consistentes nas
“provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do Suas”. É
assentado, ainda, que compete à Assistência Social: 1) prestar serviços socioassistenciais
voltados à melhoria de vida da população (Seção III); 2) promover programas de assistência
social, por meio de ações integradas e complementares, com vistas a incentivar e melhorar os
serviços assistenciais (Seção IV); 3) e realizar projetos de enfrentamento da pobreza(Seção V).
V- A Assistência Social abrange um conjunto específico de serviços, programas e prestações
financeiras, geridas e executadas dentro de uma estrutura particularmente organizada com esta
finalidade, contando com seus próprios órgãos deliberativos e forma de financiamento.
VI- Constata-se que nem todo programa ou prestação econômica de caráter social
disponibilizada pela União e pelos demais órgãos federais se encontra a cargo da estrutura da
“Assistência Social”. É o que ocorre, por exemplo, com o Programa Bolsa Família, que, não
obstante sua inegável importância social, adota modelo próprio de gestão (Conselho Gestor
Interministerial do Programa Bolsa Família – art. 4º da Lei nº 10.836/04 e art. 24, inc. V da Lei
nº 13.844/19), bem como de financiamento e gerenciamento de recursos (arts. 6º e 7º da Lei nº
10.836/04).
VII- De forma semelhante, o programa relativo ao auxílio emergencial não se encontra inserido
entre as atribuições dos órgãos que compõem a estrutura da “Assistência Social”.
VIII- A Lei nº 13.982/2020, que instituiu o referido programa, deliberadamente deixou de integrar
o regramento do auxílio emergencial à Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93), a
qual apenas é mencionada no art. 1º do referido Diploma.
IX- Apesar da brevidade das regras trazidas na Lei nº 13.982/2020, é seguro afirmar que o
auxílio emergencial não é gerido pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, não é
financiado com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS, nem é
operacionalizado pelo INSS ou pelos órgãos do Sistema Único de Assistência Social (Suas).
Além disso, o auxílio emergencial não integra a Política Nacional de Assistência Social – PNAS,
assim como não se encontra previsto em nenhuma das normas que regem a Assistência Social.
X- O auxílio emergencial não se encontra inserido no âmbito da Assistência Social. Precedentes
da E. Corte Especial do TRF-4ª Região: CC nº 5019813-75.2020.4.04.0000, Corte Especial,
Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado, v.u., j. 27/08/2020; CC nº 5018344-
91.2020.4.04.0000, Corte Especial, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, v.u., j. 29/06/2020.
XI- O auxílio emergencial constitui um programa de transferência de renda gerido por órgãos
federais, ostentando a natureza de relação jurídica de direito público – mais propriamente, afeta
ao Direito Administrativo -, na qual o particular busca perante a Administração a obtenção de
uma prestação pública.
XII- Reconhecida a competência da E. Quarta Turma desta Corte para o julgamento da
demanda de Origem, nos termos do art. 10, §2º, do Regimento Interno do TRF-3ª Região.
XIII- Conflito de competência improcedente. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, O Órgão Especial, por
maioria, julgou improcedente o conflito de competência, reconhecendo a competência da E.
Desembargadora Federal suscitante para o exame da causa, nos termos do voto do
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA (Relator), com quem votaram os
Desembargadores Federais PEIXOTO JUNIOR, THEREZINHA CAZERTA, HÉLIO NOGUEIRA,
WILSON ZAUHY, MARISA SANTOS, NINO TOLDO, PAULO DOMINGUES, INÊS VIRGÍNIA e
VALDECI DOS SANTOS.
Vencidos os Desembargadores Federais CARLOS MUTA (convocado para compor quórum),
NELTON DOS SANTOS (convocado para compor quórum), DIVA MALERBI, ANDRÉ
NABARRETE, MARLI FERREIRA, CONSUELO YOSHIDA e SOUZA RIBEIRO, que julgavam
procedente o conflito, declarando competente, o Desembargador Federal suscitado.
Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Federais BAPTISTA PEREIRA e NERY
JÚNIOR.
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA