Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2079082 / SP
0003463-89.2014.4.03.6126
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
21/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/11/2019
Ementa
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. GRATUIDADE DA
JUSTIÇA. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. RECONHECIDO. CONVERSÃO INVERSA.
IMPOSSIBILIDADE. TEMPO INSUFICIENTE. BENEFÍCIO ESPECIAL NÃO CONCEDIDO.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DO INSS E
REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS.
1 - A presunção relativa de hipossuficiência pode ser afastada mediante verificação, pelo
magistrado, da possibilidade econômica da parte em arcar com as custas do processo. Inexiste,
portanto, qualquer ofensa à legislação federal invocada.
2 - Os artigos 5º e 6º da Lei nº 1.060/50 permitem ao magistrado indeferir os benefícios
inerentes à assistência judiciária gratuita no caso de "fundadas razões". Permite, em
consequência, que o Juiz que atua em contato direto com a prova dos autos, perquira acerca da
real condição econômica do demandante. Precedentes do STJ e desta Corte Regional.
3 - Pelos rendimentos apresentados em primeiro grau, verifica-se que o requerente auferiu
proventos de atividade laborativa no valor bruto de R$ 6.511,94 (04/2014 - fl. 64).
4 - A exigência constitucional - "insuficiência de recursos" - deixa evidente que a concessão de
gratuidade judiciária atinge tão somente os "necessitados" (artigo 1º da Lei nº 1.060/50). Define
o Dicionário Houaiss de língua portuguesa, 1ª edição, como necessitado "1. que ou aquele que
necessita; carente, precisado. 2. que ou quem não dispõe do mínimo necessário para
sobreviver; indigente; pobre; miserável." Não atinge indistintamente, portanto, aqueles cujas
despesas são maiores que as receitas. Exige algo mais. A pobreza, a miserabilidade, nas
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
acepções linguísticas e jurídicas dos termos. Justiça gratuita é medida assistencial. É o custeio,
por toda a sociedade, das despesas inerentes ao litígio daquele que, dada a sua
hipossuficiência econômica e a sua vulnerabilidade social, não reúne condições financeiras
mínimas para defender seus alegados direitos. E comprovado nos autos que esta não é a
situação da parte autora.
5 - Verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente
na Lei de Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário, não há que se
falar em ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na vasta legislação
aplicável à matéria.
6 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
7 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
8 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
9 - Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos,
químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial,
sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto
que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
10 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
11 - A permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a
jornada de trabalho, guardando relação com a atividade desempenhada pelo trabalhador.
12 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
13 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
14 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
15 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
16 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
17 - Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma
extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o
passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas.
Portanto, se constatado a exposição a agente nocivo à saúde em períodos posteriores ao
laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era
superior.
18 - Controvertida, na demanda, a especialidade dos períodos de 02/07/1979 a 27/03/1980 e
12/12/1998 a 28/01/2014, além da conversão inversa.
19 - No intervalo de 02/07/1979 a 27/03/1980, trabalhado em prol da "Nordon Indústrias
Metalúrgicas S/A", extrai-se do formulário de fls. 21, secundado pelo laudo técnico (fls. 22/23),
que o autor esteve submetido ao ruído de 95,7dB.
20 - Durante o labor na "Volkswagen do Brasil - Indústria de Veículos Automotores Ltda.", no
lapso de 12/12/1998 a 28/01/2014, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (fls. 25/27), com
identificação do responsável pelos registros ambientais, indica a sujeição às seguintes
intensidades sonoras: 91dB de 12/12/1998 a 31/05/2005; 98,1dB de 01/06/2005 a 30/04/2007;
e 93,5dB de 01/01/2011 a 28/01/2012.
21 - Desta forma, constata-se que o requerente trabalhou sujeito a ruído excessivo nos
intervalos de 02/07/1979 a 27/03/1980 e 12/12/1998 a 28/01/2014, os quais se reputam
enquadrados como especiais.
22 - Não obstante, a pretensão de conversão de tempo comum em especial, denominada
"conversão inversa", não merece prosperar. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça, por
ocasião do julgamento do REsp nº 1.310.034/PR, em sede de recurso representativo de
controvérsia repetitiva, firmou o entendimento no sentido de que a lei vigente por ocasião da
aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum,
inclusive quanto ao fator de conversão, independente do regime jurídico à época da prestação
do serviço, restando inaplicável a regra que permitia a conversão de atividade comum em
especial aos benefícios requeridos após a edição da Lei nº 9.032/95.
23 - Consoante planilha anexa, considerando-se a atividade especial reconhecida nesta
demanda e a admitida em sede administrativa (fls. 56/58), verifica-se que a parte autora
contava com 19 anos, 6 meses e 24 dias de atividade desempenhada em condições especiais
até a data do requerimento administrativo (14/02/2014 - fl. 19), não fazendo jus, portanto, à
concessão da aposentadoria especial, conforme fundamentado na decisão de primeiro grau.
24 - Apelação do INSS e remessa necessária desprovidas. Apelação da parte autora
parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação do INSS e à remessa necessária e dar parcial provimento à apelação da parte autora,
para declarar, como especial, o intervalo de 02/07/1979 a 27/03/1980, mantendo, no mais, a
douta decisão de primeiro grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Referência Legislativa
***** LAJ-50 LEI DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
LEG-FED LEI-1060 ANO-1950 ART-5 ART-6 ART-1LEG-FED LEI-9032 ANO-1995LEG-FED
DEC-611 ANO-1992 ART-292***** LBPS-91 LEI DE BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-8213 ANO-1991 ART-57 PAR-4***** RBPS-79 REGULAMENTO DOS
BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-83080 ANO-1979LEG-FED LEI-9528 ANO-1997
Veja
STJ RESP 1.310.034/PRREPETITIVOTEMA 546.
