Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000674-82.2016.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
13/06/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/06/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA
DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEO AOS FATOS ALEGADOS PELO
PERÍODO DE CARÊNCIA EXIGIDO EM LEI. ATIVIDADE RURAL NÃO DEMONSTRADA.
SÚMULA 149 DO STJ. APLICABILIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO
MÉRITO DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE PROVA DO TRABALHO RURAL. VERBAS DE
SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
APELAÇÃO DO INSS PREJUDICADA.
1 - A aposentadoria por idade do trabalhador rural encontra previsão no art. 48, §§1º e 2º, da Lei
nº 8.213/91.
2 - Deve a autora comprovar o exercício do labor rural, em período imediatamente anterior ao
implemento do requisito etário (2013) por, pelo menos, 180 (cento e oitenta) meses, conforme
determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91.
3 - Foram acostadas aos autos cópias de CTPS da autora, na qual constam registros como
professora, nos períodos de 1º/03/1975 a 31/12/1979, de 1º/02/1980 a 14/02/1984 e de
1º/03/1986 a 24/02/1987; cópia de certidão de casamento da autora, realizado em 1976, na qual
o marido foi qualificado como lavrador e ela como “lides do lar”, com averbação de divórcio em
1994; de instrumento particular de arrendamento de imóvel rural, referente ao período de 1991 a
1996, no qual a autora, qualificada como lavradora, figura como arrendatária; de declaração
firmada por Agostinho Fernandes, atestando que comprou milho da roça de Laudelino de Jesus
da Silva e da autora, em 1996 e 1997; procuração firmada em 1994, na qual a autora foi
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
qualificada como agricultora; de declarações dos sindicatos de trabalhadores rurais de Bonito e
de Bodoquena, atestando o labor rural da autora; de fichas de filiação a sindicatos rurais em
nome da autora; de carta do INCRA endereçada a autora em 1995; de notas fiscais de
estabelecimentos comerciais de caráter diverso e agropecuários, emitidas em 1995, 1996, 1999,
2013 e 2014, indicando a aquisição de produtos por parte da autora; e de Portaria da Prefeitura
Municipal de Bonito, convocando a autora para exercer o cargo de regente auxiliar, no período de
18/02/1999 a 31/12/1999. Além disso, os extratos do CNIS fazem referência aos vínculos com o
Município de Bonito, como professora, nos períodos já apontados e apontam o recolhimento
como contribuinte individual, na condição de segurada especial, entre 1º/07/1995 a 31/01/1996.
4 - As notas fiscais de estabelecimentos comerciais e as declarações de particulares são
destituídas de valor probante.
5 - As fichas de filiação a sindicatos rurais desacompanhadas dos comprovantes de
recolhimentos de contribuições não se consubstanciam em suficiente início de prova material do
exercício de labor rural.
6 - Por sua vez, a declaração sindical não foi homologada por órgão oficial, razão pela qual não
têm aptidão como prova material do trabalho rural.
7 - Condenação da parte autora no pagamento das despesas processuais e dos honorários
advocatícios, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12,
ambos da Lei 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa à extinção do
processo sem resolução do mérito.
8 - A controvérsia acerca da eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela
provisória deferida neste feito, ora revogada, deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de
acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e
cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos
do CPC. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo.
9 - Extinção do processo sem resolução do mérito de ofício. Ausência de prova do trabalho rural.
Verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça. Apelação do
INSS prejudicada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000674-82.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MADALENA BALBUENO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: CLEIA ROCHA BOSSAY - MS8045-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000674-82.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MADALENA BALBUENO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: CLEIA ROCHA BOSSAY - MS8045-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação ajuizada por MADALENA BALBUENO DA SILVA, objetivando a concessão do benefício de
aposentadoria por idade rural.
A r. sentença (ID 64242, p. 1-10) julgou procedente o pedido e condenou o INSS à concessão do
benefício de aposentadoria por idade rural, a partir da data do requerimento administrativo
(07/05/2013), com correção monetária e juros de mora. Honorários advocatícios fixados em 10%
do valor da condenação, incidentes sobre as parcelas vencidas até a prolação da sentença, nos
termos da Súmula 111 do STJ. Concedida a antecipação da tutela.
Em razões recursais (ID 64204, p. 1-14), o INSS pugna pela reforma da sentença, uma vez
ausente início de prova material contemporâneo, não tendo a autora comprovado o trabalho rural
pelo período necessário ao cumprimento da carência. Subsidiariamente, requer a modificação
dos critérios de incidência da correção monetária e dos juros de mora.
Intimada, a parte autora não apresentou contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000674-82.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MADALENA BALBUENO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: CLEIA ROCHA BOSSAY - MS8045-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A aposentadoria por idade do trabalhador rural encontra previsão no art. 48, §§1º e 2º, da Lei nº
8.213/91, in verbis:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de
trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I, na
alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) (grifos
nossos)
A autora pleiteia a concessão de aposentadoria por idade rural. Nasceu em 05 de maio de 1958
(ID 64205, p. 1), com implemento do requisito etário em 05 de maio de 2013. Deveria, portanto,
comprovar nos autos o exercício do labor rural, em período imediatamente anterior a 2013, ao
longo de, ao menos, 180 (cento e oitenta) meses, conforme determinação contida no art. 142 da
Lei nº 8.213/91.
Foram acostadas aos autos cópias de CTPS da autora, na qual constam registros como
professora, nos períodos de 1º/03/1975 a 31/12/1979, de 1º/02/1980 a 14/02/1984 e de
1º/03/1986 a 24/02/1987 (ID 64224, p. 1-2); cópia de certidão de casamento da autora, realizado
em 1976, na qual o marido foi qualificado como lavrador e ela como “lides do lar”, com averbação
de divórcio em 1994 (ID 64235, p. 1-2); de instrumento particular de arrendamento de imóvel
rural, referente ao período de 1991 a 1996, no qual a autora, qualificada como lavradora, figura
como arrendatária (ID 64216, p. 1-2); de declaração firmada por Agostinho Fernandes, atestando
que comprou milho da roça de Laudelino de Jesus da Silva e da autora, em 1996 e 1997 (ID
64229, p. 1); procuração firmada em 1994, na qual a autora foi qualificada como agricultora (ID
64236, p. 1-2, ID 64236, p. 13); de declarações dos sindicatos de trabalhadores rurais de Bonito e
de Bodoquena, atestando o labor rural da autora (ID 64236 - Pág. 6-12); de fichas de filiação a
sindicatos rurais em nome da autora (ID 64236, p. 14-15); de carta do INCRA endereçada a
autora em 1995 (ID 64236, p. 22); de notas fiscais de estabelecimentos comerciais de caráter
diverso e agropecuários, emitidas em 1995, 1996, 1999, 2013 e 2014 (ID 64236, p. 17-21),
indicando a aquisição de produtos por parte da autora; e de Portaria da Prefeitura Municipal de
Bonito, convocando a autora para exercer o cargo de regente auxiliar, no período de 18/02/1999 a
31/12/1999 (ID 64236, p. 27). Além disso, os extratos do CNIS fazem referência aos vínculos com
o Município de Bonito, como professora, nos períodos já apontados e apontam o recolhimento
como contribuinte individual, na condição de segurada especial, entre 1º/07/1995 a 31/01/1996
(ID 64238, p. 1).
As notas fiscais de estabelecimentos comerciais e as declarações de particulares são destituídas
de valor probante.
As fichas de filiação a sindicatos rurais desacompanhadas dos comprovantes de recolhimentos
de contribuições não se consubstanciam em suficiente início de prova material do exercício de
labor rural.
Por sua vez, a declaração sindical não foi homologada por órgão oficial, razão pela qual não têm
aptidão como prova material do trabalho rural.
Nesse sentido o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e desta 3ª Seção:
"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.
PREVIDENCIÁRIO. LABOR RURAL. COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
DECLARAÇÃO. SINDICATO. AUSÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
IMPRESTABILIDADE. SÚMULA 168/STJ. INCIDÊNCIA. 1. A teor da jurisprudência firmada pelo
Superior Tribunal de Justiça, a declaração de sindicato rural não homologada pelo Ministério
Público não constitui início de prova material para fins de comprovação de tempo de atividade
rural. Nesse sentido: EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.010.725/MS, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 6/11/2012, DJe 19/11/2012; AgRg no REsp
1.171.571/SP, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 6/11/2012, DJe 19/11/2012; e AR
3.202/CE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/4/2008,
DJe 6/8/2008. [...]" (STJ, 3ª Seção, AgRg/EREsp 1140733, relator Ministro Og Fernandes, DJe
31.05.2013)
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. PRELIMINAR. REJEIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. CERTIDÃO DE DISPENSA
DE INCORPORAÇÃO. ABRANGÊNCIA DE PERÍODO PRETÉRITO. VIOLAÇÃO À LITERAL
DISPOSIÇÃO DE LEI. QUESTÃO CONTROVERTIDA. SÚMULA N. 343 DO E. STF.
DOCUMENTOS EM NOME DO PAI. LABOR RURAL SOB REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
PERMANÊNCIA DA SITUAÇÃO FÁTICA. CONTEMPORANEIDADE. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL. AFRONTA AO ARTIGO 55, §3º, DA LEI N. 8.213/91. INÍCIO DE PROVA MATERIAL
CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. COMPROVAÇÃO. TEMPO MÍNIMO PARA A
CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
TEMPO DE SERVIÇO SUPERIOR A 35 ANOS. ART. 201, §7º, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA. TERMO INICIAL. VALOR DO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS
DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. [...] VIII - A declaração prestada pelo Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Araras e Região, com firma reconhecida em 01/2003, no sentido de que
o autor exerceu atividade rural sob o regime de economia familiar no período de 03.11.1965 a
30.04.1975, não foi homologada pelo INSS, em desacordo com o disposto no art. 106, III, da Lei
n. 8.213/91, sendo firme a jurisprudência que tal documento não se presta como início de prova
material do labor rural, além do que extemporâneo em relação aos fatos que se pretende
comprovar. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00239421720154030000, relator Desembargador Federal
Sérgio Nascimento, DJe 25.11.2016)
Os demais documentos apresentados são anteriores ao período de carência, logo, não podem
ser aproveitados.
Isso porque o C. STJ estabeleceu, no julgamento do REsp autuado sob nº 1.354.908/SP, sob a
sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a necessidade da
demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao
implemento do requisito etário, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER
PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º
combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que
estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural,
momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo
48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter
atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo
descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito.
Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os
requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência.
Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil."
(REsp nº 1.354.908/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em
09/09/2015, DJe 10/02/2016) - grifos nossos
Portanto, ainda que tenha sido produzida prova oral, tal, por si só, não tem o condão de
comprovar o exercício de labor rural pelo período de carência exigido em lei.
Por fim, diante da não demonstração do trabalho desenvolvido na lide campesina, quanto ao
período de interesse, imperiosa a extinção da demanda, sem resolução do mérito.
Nesse sentido, transcrevo o entendimento consolidado do C. STJ, em julgado proferido sob a
sistemática de recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS
ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL
DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus
procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas
previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta
os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social
adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da
Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência
Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a
parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização
dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica
previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as
normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação
previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística
civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar
prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas
demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual
garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir
como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo
certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente
dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura
previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela
via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do
CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente
possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos
necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido". (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
Observo que a sentença concedeu a tutela antecipada. Tendo em vista que a eventual devolução
dos valores recebidos por força de tutela provisória deferida neste feito, ora revogada: a) é
matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297,
parágrafo único e 520, II, ambos do CPC; b) que é tema cuja análise se encontra suspensa na
sistemática de apreciação de recurso especial repetitivo (STJ, Tema afetado nº 692), nos termos
do § 1º do art. 1.036 do CPC; e c) que a garantia constitucional da duração razoável do processo
recomenda o curso regular do processo, até o derradeiro momento em que a ausência de
definição sobre o impasse sirva de efetivo obstáculo ao andamento do feito; determino que a
controvérsia em questão deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura
deliberação do tema pelo E. STJ.
Ante o exposto, de ofício, em atenção ao determinado no REsp 1.352.721/SP, julgado na forma
do art. 543-C do CPC/1973, extingoo processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267,
IV, do mesmo diploma legislativo (art. 485, IV, do CPC/2015), diante da não comprovação do
trabalho rural; por conseguinte, julgo prejudicado o apelo do INSS, revogando a tutela
anteriormente concedida.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a
exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do
disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do
CPC, já que deu causa à extinção do processo sem resolução do mérito.
Oficie-se ao INSS.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA
DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEO AOS FATOS ALEGADOS PELO
PERÍODO DE CARÊNCIA EXIGIDO EM LEI. ATIVIDADE RURAL NÃO DEMONSTRADA.
SÚMULA 149 DO STJ. APLICABILIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO
MÉRITO DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE PROVA DO TRABALHO RURAL. VERBAS DE
SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
APELAÇÃO DO INSS PREJUDICADA.
1 - A aposentadoria por idade do trabalhador rural encontra previsão no art. 48, §§1º e 2º, da Lei
nº 8.213/91.
2 - Deve a autora comprovar o exercício do labor rural, em período imediatamente anterior ao
implemento do requisito etário (2013) por, pelo menos, 180 (cento e oitenta) meses, conforme
determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91.
3 - Foram acostadas aos autos cópias de CTPS da autora, na qual constam registros como
professora, nos períodos de 1º/03/1975 a 31/12/1979, de 1º/02/1980 a 14/02/1984 e de
1º/03/1986 a 24/02/1987; cópia de certidão de casamento da autora, realizado em 1976, na qual
o marido foi qualificado como lavrador e ela como “lides do lar”, com averbação de divórcio em
1994; de instrumento particular de arrendamento de imóvel rural, referente ao período de 1991 a
1996, no qual a autora, qualificada como lavradora, figura como arrendatária; de declaração
firmada por Agostinho Fernandes, atestando que comprou milho da roça de Laudelino de Jesus
da Silva e da autora, em 1996 e 1997; procuração firmada em 1994, na qual a autora foi
qualificada como agricultora; de declarações dos sindicatos de trabalhadores rurais de Bonito e
de Bodoquena, atestando o labor rural da autora; de fichas de filiação a sindicatos rurais em
nome da autora; de carta do INCRA endereçada a autora em 1995; de notas fiscais de
estabelecimentos comerciais de caráter diverso e agropecuários, emitidas em 1995, 1996, 1999,
2013 e 2014, indicando a aquisição de produtos por parte da autora; e de Portaria da Prefeitura
Municipal de Bonito, convocando a autora para exercer o cargo de regente auxiliar, no período de
18/02/1999 a 31/12/1999. Além disso, os extratos do CNIS fazem referência aos vínculos com o
Município de Bonito, como professora, nos períodos já apontados e apontam o recolhimento
como contribuinte individual, na condição de segurada especial, entre 1º/07/1995 a 31/01/1996.
4 - As notas fiscais de estabelecimentos comerciais e as declarações de particulares são
destituídas de valor probante.
5 - As fichas de filiação a sindicatos rurais desacompanhadas dos comprovantes de
recolhimentos de contribuições não se consubstanciam em suficiente início de prova material do
exercício de labor rural.
6 - Por sua vez, a declaração sindical não foi homologada por órgão oficial, razão pela qual não
têm aptidão como prova material do trabalho rural.
7 - Condenação da parte autora no pagamento das despesas processuais e dos honorários
advocatícios, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12,
ambos da Lei 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa à extinção do
processo sem resolução do mérito.
8 - A controvérsia acerca da eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela
provisória deferida neste feito, ora revogada, deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de
acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e
cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos
do CPC. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo.
9 - Extinção do processo sem resolução do mérito de ofício. Ausência de prova do trabalho rural.
Verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça. Apelação do
INSS prejudicada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu, de ofício, em atenção ao determinado no REsp 1.352.721/SP, julgado na
forma do art. 543-C do CPC/1973, extinguir o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no
art. 267, IV, do mesmo diploma legislativo (art. 485, IV, do CPC/2015), diante da não
comprovação do trabalho rural; por conseguinte, julgar prejudicado o apelo do INSS, revogando a
tutela anteriormente concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
