
| D.E. Publicado em 06/10/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da apelação do INSS, e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CLAUDIO DE PAULA DOS SANTOS:10160 |
| Nº de Série do Certificado: | 55147702D8A0F1EB905E2EE8C46D23F4 |
| Data e Hora: | 29/09/2016 16:13:51 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000620-22.2007.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO CLAUDIO SANTOS (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por MARIA ROSA DE OLIVEIRA, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, mediante reconhecimento de período laborado em atividade rural.
A r. sentença de fls. 40/41 julgou improcedente o pedido inicial, e condenou a parte autora no pagamento das custas processuais, além da verba honorária, fixada em 10% sobre o valor da causa, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita.
Em razões recursais de fls. 82/85, a parte autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que as provas trazidas aos autos comprovam o exercício de trabalho rural no período compreendido entre 30/10/1962 a 30/03/1991. Sustenta, ainda, que o período de trabalho urbano, devidamente registrado, somado ao tempo de atividade na lavoura, lhe garante o direito à percepção do benefício vindicado.
O INSS, por sua vez, também apresenta apelação (fls. 89/92), sustentando não ser cabível a averbação do tempo de serviço em que a autora alega ter trabalhado como rurícola, tendo em vista que a comprovação baseou-se em prova exclusivamente testemunhal. Pugna ainda pela inversão do ônus de sucumbência.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO CLAUDIO SANTOS (RELATOR):
Inicialmente, verifico que o recurso interposto pela Autarquia Previdenciária não comporta conhecimento.
No presente caso, a pretensão deduzida na petição inicial refere-se à concessão de aposentadoria por tempo de serviço, mediante reconhecimento de tempo trabalhado em atividade campesina. O pedido autoral foi julgado totalmente improcedente, sob o argumento de que não teria sido efetuado o necessário recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, fato este que implicou, inclusive, na negativa de averbação do tempo de serviço rural incontroverso. A sentença de 1º grau de jurisdição condenou, ainda, a parte autora no pagamento das verbas sucumbenciais, ressalvando o fato de ser beneficiária da justiça gratuita.
Nas razões de apelação, o INSS alega que não poderia ser compelido a "expedir certidão de tempo de serviço e efetuar quaisquer averbações", uma vez que não houve comprovação documental do período supostamente trabalhado na lavoura. Insurge-se ainda "no que tange à imposição ao Apelante de arcar com 50% das custas e despesas processuais, visto que a Autarquia é legalmente isenta de tais encargos", pugnando, por fim, pela inversão dos consectários da sucumbência.
Verifica-se, portanto, no caso sob análise, que as razões de apelação do INSS encontram-se dissociadas dos fundamentos da r. sentença recorrida. A sentença guerreada não foi combatida em seus fundamentos, e as razões do inconformismo acham-se divorciadas dos termos fixados na tutela prestada em 1º grau de jurisdição, razão pela qual é nítida a ausência de pressuposto de admissibilidade recursal, previsto no artigo 1.010, do CPC/2015.
Tais as circunstâncias, não comporta conhecimento o apelo ofertado, à conta de sua manifesta inadmissibilidade, na forma acima especificada.
Neste sentido, o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional:
Passo, então, à análise do recurso interposto pela parte autora.
A autora alega que trabalhou em atividade rural desde 30/10/1962, ou seja, desde os 12 (doze) anos de idade, até 1º/04/1991, quando obteve seu primeiro vínculo laborativo registrado, e que mencionado período não é reconhecido pelo INSS para efeito de concessão de aposentadoria por tempo de serviço.
Tenho como apenas parcialmente provado o tempo de serviço rural alegado na exordial. Com efeito, os documentos juntados pela Autora, corroborados pela prova testemunhal, bem demonstram que exerceu a atividade rural. No entanto, não havendo prova documental cabal, senão apenas indiciária, deve ser reconhecido apenas o trabalho relatado por testemunhas, a partir de 1979.
Junta a parte autora: a) cópia da sua certidão de casamento, em 1971, na qual consta registro da profissão de seu pai e de seu cônjuge como lavradores (fls. 09); b) cópia da certidão de nascimento de seus filhos, em 1973, 1974 e 1976, nas quais também consta a profissão de lavrador do seu marido (fls. 14/16).
O fato de constar como lavrador somente o marido da Autora nos documentos apresentados, nos quais ela consta como "do lar" não é óbice para a declaração da sua condição de rurícola. É sabido que sempre foi costume qualificar a mulher como tal, servindo o labor do marido como prova material indiciária do trabalho da mulher identicamente como lavradora, evidentemente a ser analisado conforme o conjunto probatório. Outrossim, a notícia de que seu pai também era lavrador prova a origem rural da autora.
Entendo ser prescindível que a documentação apresentada comprove o desempenho da atividade rurícola ano a ano, visto que há presunção da continuidade do exercício da atividade rural.
Neste sentido, a Súmula nº 14 da Colenda Turma de Uniformização das Decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, que, embora dispondo sobre aposentadoria por idade, também é aplicável ao caso dos autos:
Indo adiante, a par da documentação, trazida como início de prova material, foram ouvidas três testemunhas. Os depoimentos foram convincentes quanto ao trabalho da Autora na zona rural no período posterior a 1979.
Em seu depoimento pessoal (fls. 52/59), a Autora declarou que trabalha na roça desde os 9 anos de idade, quando morava no Paraná com sua família. Disse que mudavam de sítio conforme oferta de trabalho, sendo que o primeiro sítio localizava-se em Jacareí, onde ficou dos 9 aos 15 anos. Dos 15 aos 17 anos trabalhou, junto com sua família, em um sítio localizado em Tamboara, e em seguida, até quase 30 anos de idade, trabalhou no Alto Paraná/PR, como diarista. Em 1979, foi morar em outro sítio, localizado em Gabriel Monteiro/SP, permanencendo sempre na atividade campesina.
Esclareceu que após o casamento, ocorrido aos 21 anos de idade, acompanhava o marido na colheita de arroz, café, tomate, amendoim, e que o pagamento era feito sempre por saca. Citou nomes dos proprietários para os quais trabalhou, bem como os respectivos períodos.
Também aduziu que mesmo após a mudança para a cidade de Bilac/SP, continuou trabalhando para diversos produtores rurais da região, citando Osvaldo Maziero, Geni e Getúlio Ribeiro Amorim. Afirmou que somente no ano de 1991 passou a exercer atividade urbana, tendo sido contratada por uma fábrica de calçados, na qual permanece até os dias atuais.
O depoente João Rossi (fls. 60/63) disse que conhece a Autora desde 1979, ano no qual ela já era casada, e morava no bairro Estivaneli, em Piacatu/SP. Aduziu que tanto a Demandante quanto seu marido trabalhavam na lavoura de café, amendoim, milho. Afirmou ainda ter conhecimento de que quando a Autora mudou-se para Gabriel Monteiro/SP, ela continuou com a atividade campesina, e que "por volta de 91", foi contratada pela fábrica de calçados.
Osvaldo Mazieiro, por sua vez, também confirmou que a Requerente morou em Estivaneli e depois se mudou para Gabriel Monteiro/SP, onde morou em bairro rural. Declarou que nos anos de 1987 e 1988, a Autora trabalhou para ele, na colheita de café, recebendo por saca. Confirmou ainda que mesmo após a transferência para Bilac/SP, ela continuou por um tempo trabalhando na lavoura até conseguir emprego na fábrica de calçados.
Por fim, a testemunha José Mauro Mendonça (fls. 68/72) declarou que conhece a parte autora desde 1979, que frequentava o sítio onde ela e o autor moravam e que sempre os via trabalhando na lavoura de café, milho, amendoim.
Os testemunhos são consentâneos com as alegações da Autora e documentos indiciários apresentados.
Não se trata, portanto, de prova exclusivamente testemunhal. Os depoimentos testemunhais estão confirmados por prova documental, não havendo por que sequer discutir a incidência da ressalva do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91. Aliás, o caso presente enquadra-se, sim, nesse dispositivo, mas na parte em que admite a prova testemunhal "baseada em início de prova material".
A lei processual atribui ao Juiz no nosso sistema judiciário livre convencimento quanto à prova carreada aos autos. Em princípio, penso que poderia essa disposição ser mitigada por dispositivo de igual hierarquia, como é o caso da Lei nº 8.213/91, vedadas constitucionalmente somente as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI). O livre convencimento e a exigência de início de prova material podem, de certa forma, ser tidos como não excludentes; conjugam-se ambas disposições, que se integram e complementam no sentido de que, havendo o resquício de prova documental, há plena aplicação do princípio do livre convencimento quanto à prova testemunhal.
De outra parte, em sendo impossível a produção da prova documental, não há dúvida que deverá ela ser dispensada, porquanto não se admite que não se tenha como provado o fato se for a prova testemunhal a única disponível. Negar essa possibilidade afrontaria até o princípio do acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV e LIII a LV). Até porque o dispositivo em tela dispensa a exigência se for decorrente de "força maior ou caso fortuito", não podendo a Lei e o Judiciário fechar os olhos à realidade de que no meio rural muitas são as limitações ao próprio segurado quanto a documentos comprobatórios de sua atividade.
Nem se olvide que o sentido da mencionada norma não é o de um fim em si mesma. Não pode ser outra a exigência legal de início de prova documental senão impedir que a prova testemunhal possa ser forjada, o que afrontaria até mesmo ao Judiciário. No caso, o conjunto dá plena convicção de que os testemunhos são idôneos, mais uma vez levando à sua admissão.
Porém, nenhuma das testemunhas a conhecia anteriormente à mudança para Bilac, época em que residia no Paraná, de modo que restou sem prova o período anterior. Embora suficientes como prova da origem rural, em relação ao trabalho efetivo na lavoura os documentos carreados são apenas indiciários, porquanto se trata de certidões de casamento e nascimento dos filhos, em que seu marido é qualificado como lavrador.
Pelo conjunto, não há a menor dúvida quanto ao efetivo trabalho como lavradora a partir da mudança para Bilac, quando as testemunhas vieram a conhecê-la. O termo inicial deverá ser posterior ao aniversário de 29 anos (30/10/79), idade que mencionou já ter completado por essa ocasião em seu depoimento pessoal; sendo inespecífica a data, mas declarada como sendo em 1979, fixo o termo inicial em 31/12/1979.
Quanto ao termo final, prospera o pedido formulado, visto que coincide com o início de suas atividades mediante registro em CTPS, como auxiliar de pesponto da empresa "Angra Industrial e Comercial de Calçados Ltda".
Tenho como provada, assim, a atividade rural entre 31 de dezembro de 1979 e 31 de março de 1991, véspera do registro do vínculo laboral urbano, o que soma 11 anos, 3 meses e 2 dias, na condição de trabalhadora rural.
Não há impedimento ao reconhecimento desse tempo rural, devendo ser observado apenas o disposto § 2º do art. 55 da Lei nº. 8.213/91, in verbis:
Trata-se, portanto, de expressa disposição legal quanto à possibilidade de reconhecimento do tempo mesmo sem recolhimento. A alteração promovida no dispositivo em questão pela MP nº 1.523-13/97, que obrigava o recolhimento, não foi reeditada após a liminar concedida na ADIn nº 1.664-0 pelo Supremo Tribunal Federal em 13.11.97 (DJU 25.11.97 - p. 61393), que a declarava inconstitucional exatamente porque o rurícola estava antes desobrigado de contribuir.
Todavia, esse tempo de serviço rural não tem efeito quanto à carência, de modo que para esta há de existir contribuição, já que os únicos benefícios devidos ao rurícola independentemente de contribuição são os previstos no art. 142 e no art. 39, inc. I, da LBPS, entre os quais não está a aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição.
Aposentadoria por tempo de serviço
A Autora postula a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, a partir da data da citação.
A aposentadoria por tempo de serviço, diz o art. 52 e o art. 53 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (LBPS), é devida ao segurado do sexo feminino que completar 25 anos de trabalho, correspondendo a uma renda equivalente a 70% do salário de benefício, mais 6% a cada ano até atingir 100%.
A partir da vigência da Emenda Constitucional nº 20/98, para concessão de aposentadoria proporcional, além do tempo mínimo de contribuição (25 anos), passaram a ser exigidos outros dois requisitos, a saber: idade mínima de 48 (quarenta e oito) anos de idade e período adicional de contribuição (40%), nos termos do art. 9º, inciso I e § 1º, inciso I, alíneas "a" e "b".
In casu, a cópia da CTPS e demais documentos colacionados às fls. 11/13 e 19/30, bem como o extrato do CNIS em anexo, comprovam o exercício de atividade urbana com registro por 14 anos, 4 meses e 30 dias, até a data do ajuizamento da ação.
Somando-se a atividade rural reconhecida na presente demanda ao lapso de atividade profissional incontroversa, verifico que a Autora contava com os seguintes tempos de serviço:
- 18 anos, 11 meses e 17 dias até 16/12/1998 (EC nº 20/98) - planilha anexa I
- 25 anos, 8 meses e 1 dia até 30/08/2005 (data do ajuizamento da ação) - planilha anexa II
Assim, a Autora de fato não satisfazia os requisitos para obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição até o ajuizamento da ação.
No entanto, verifico pelos extratos do CNIS, que ora anexo, que a Autora permaneceu trabalhando para o mesmo empregador no curso da ação, com o que veio a completar o tempo de contribuição necessário para obtenção do benefício, perfazendo:
- tempo suficiente para obtenção de aposentadoria proporcional (27 anos, 4 meses e 29 dias) em 28/05/2007, já que preencheu o período adicional e tinha idade mínima (48 anos) - planilha anexa III
- tempo suficiente para aposentadoria integral (30 anos) em 31/12/2009 - planilha anexa IV
O requisito carência (art. 142 da Lei nº 8.213/91) restou também completado nessas datas.
Todavia, tendo em vista que o tempo necessário à concessão do benefício previdenciário proporcional ou integral foi completado após a Lei nº 9.876/99, devem ser aplicados os dispositivos dessa norma quanto à forma de cálculo do benefício, inclusive com a aplicação do fator previdenciário.
Verifico também que a Autora obteve aposentadoria por idade nesse ínterim, concedida com DIB em 01/11/2010.
Portanto, a Autora tem direito à concessão do benefício pela sistemática mais vantajosa, considerando-se os parâmetros acima, devendo o INSS proceder às simulações e conceder o benefício que se afigurar mais benéfico à segurada a título de RMI e valores em atraso, facultando-lhe a escolha.
Deverão ser descontadas as parcelas recebidas administrativamente a título de benefício inacumulável. Optando a segurada pela manutenção do benefício já concedido, não haverá atrasados a serem pagos, o que não prejudicará o direito aos honorários advocatícios por seu patrono, calculados até a data da sentença (Súmula nº 111 - STJ).
Ressalto que a presente decisão não é condicional, haja vista que foi reconhecido o preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional ou integral de acordo com os tempos de serviço/contribuição da segurada, relegando-se para a fase de cumprimento apenas o cálculo da renda mensal inicial (RMI) e dos valores em atraso, a fim de seja implantada a benesse que se afigurar mais vantajosa.
Não há notícia nos autos de requerimento administrativo. Assim, o benefício é devido a partir da data da citação (09.01.2006 - fls. 34-verso), quando caracterizada a mora do INSS (art. 219 do CPC/73, e 240 do CPC/15). Ademais, consta pedido expresso da parte autora neste sentido (fl. 5).
Os atrasados sofrerão correção monetária e juros moratórios nos termos do Manual de Orientação de Procedimento para os Cálculos da Justiça Federal vigente por ocasião da liquidação (Resolução CJF nº 267/2013 e eventuais sucessoras).
Arbitro os honorários advocatícios em 10% sobre o valor das parcelas devidas até a sentença, uma vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente.
Isento a Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais, registrando ser a parte autora beneficiária da gratuidade da justiça.
Ante o exposto, não conheço do recurso de apelação do INSS, e dou parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É como voto.
CLÁUDIO SANTOS
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CLAUDIO DE PAULA DOS SANTOS:10160 |
| Nº de Série do Certificado: | 55147702D8A0F1EB905E2EE8C46D23F4 |
| Data e Hora: | 29/09/2016 16:14:09 |
