
| D.E. Publicado em 19/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, julgando improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial, e negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0008756-27.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Tratam-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e por ROSANIA RAMALHO GONÇALVES, representada por José Ramalho da Silva, em ação ajuizada por esta, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 306/307-verso julgou procedente o pedido e condenou o INSS no pagamento do benefício assistencial à autora a partir da data do último requerimento administrativo nº 87/538.738.827-4 (16/12/2009), acrescidas as parcelas em atraso de correção monetária e juros de mora, além de verba honorária arbitrada em 10% sobre o valor devido até a data da sentença. Isentou a autarquia do pagamento de custas processuais.
Em suas razões recursais de fls. 312/333, o INSS, requer a reforma da decisão ao fundamento da ausência dos requisitos necessários à concessão do benefício, em especial, o da miserabilidade.
Por sua vez, a parte autora, em razões às fls. 337/344, requer a reforma da sentença, pleiteando a fixação do termo inicial do benefício na data de entrada do requerimento administrativo nº 87/124.243.870-7, em 20/08/2003.
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 386/387), no sentido de desprovimento do recurso do INSS e provimento da apelação da parte autora.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Pleiteia a autarquia a reforma da r. sentença, ao fundamento do não preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício vindicado.
A parte autora, por sua vez, também apela, postulando a alteração do termo inicial do benefício.
O exame médico-pericial de fls. 247/249, realizado em 07 de fevereiro de 2013, concluiu que a autora é portadora de"quadro mental grave CID 10 F72".
Em resposta aos quesitos, atestou o experto que a requerente apresenta "incapacidade total e permanente para o trabalho, sem mínimas condições de gerir seus bens e sua própria pessoa, necessitando de contínuo auxílio de terceiros para sua sobrevivência".
Assim, verifica-se que a moléstia apresentada pela parte se enquadra no "impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade de igualdade de condições com as demais pessoas" (§2º, art. 20 da Lei nº 8.742/93), tendo em vista que a parte autora necessita de auxílio permanente de terceiros para desempenho das atividades da vida diária.
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 11 de outubro de 2013 (fls. 265 e 272/273) informou que a "requerente reside com o genitor num imóvel financiado".
A assistente social relatou que as despesas do núcleo familiar abrangem: "financiamento imobiliário (R$ 180,00), água e condomínio (R$ 86,00), luz (R$ 50,00), cuidadora (R$ 1.000,00), fraldas (R$ 180,00) e alimentação".
Constou, ainda, do referido relatório socioeconômico que a renda familiar advém de parcela da remuneração do genitor da parte autora, correspondente ao montante de R$ 1.500,00, acrescido das horas extras.
Entretanto, as informações constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais, que integram a presente decisão, revelam que o pai da requerente exibe vínculo empregatício ininterrupto com a empresa CIB CALDEIRARIA INDÚSTRIA BRASILEIRA LTDA entre 11/2010 e 09/2016 com remunerações mensais, a título exemplificativo, em 12/2010, de R$ 1.639,01, correspondente a 3 (três) salários mínimos da época.
O referido CNIS revela também as seguintes remunerações: em 12/2012 R$ 2.439,45, 01/2013 R$ (2.453,21), 02/2013 R$ (2.484,03), 03/2013 R$ (2.449,55), 04/2013 (R$ 2.354,81), 05/2013 (R$ 1.801,78), 06/2013 (R$ 2.390,35), 07/2013 (R$ 2.913,35), 08/2013 (R$ 2.332,23), 09/2013 (R$ 2.145,67), 10/2013 (R$ 2.328,93), 11/2013 (R$ 2.226,04), 12/2013 (R$ 2.065,46), 01/2014 (R$ 1.952,62), 02/2014 (R$ 2.119,24), 03/2014 (R$ 2.423,95), 04/2014 (R$ 2.336,46), 05/2014 (R$ 2.471,60), 06/2014 (R$ 2.491,39), 07/2014 (R$ 2.129,56), 08/2014 (R$ 2.103,84), 09/2014 (R$ 2.479,90), 10/2014 (R$ 3.443,88), 11/2014 (R$ 2.465,45), 12/2014 (R$ 2.842,01), 01/2015 (R$ 1.953,33), 02/2015 (R$ 2.130,26), 03/2015 (R$ 2.385,67), 04/2015 (R$ 2.315,17), 05/2015 (R$ 2.731,45), 06/2016 (R$ 2.038,28), 07/2016 (R$ 2.043,63), 08/2015 (R$ 2.121,83), 09/2015 (R$ 2.058,43), 10/2015 (R$ 2.111,51), 11/2015 (R$ 2.032,83), 12/2015 (R$ 3.469,79), 01/2016 (R$ 1.731,66), 02/2016 (R$ 2.441,29), 03/2016 (R$ 2.454,11), 04/2016 (R$ 2.508,64), 05/2016 (R$ 2.316,38), 06/2016 (R$ 2.265,13), 07/2016 (R$ 2.311,88), 08/2016 (R$ 2.277,12) e 09/2016 (R$ 3.913,02).
Outrossim, informações extraídas do Sistema Único de Benefícios (DATAPREV), que também integram o voto, demonstram que, desde 31/08/2010, o genitor da parte autora obteve administrativamente a concessão de benefício previdenciário aposentadoria por tempo de contribuição, com renda mensal inicial de R$ 2.084,79, circunstâncias que evidenciam que ele reúne amplas condições de prover o sustento da filha, porquanto a renda per capita familiar em muito ultrapassa o valor de 1 (um) salário mínimo.
Alie-se como elemento de convicção o fato da autora receber cuidados de uma babá, Sra. Gislaine Florentina Trindade, cuja remuneração corresponde a R$ 600,00, além de frequentar a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), circunstâncias que demonstram que os requisitos mínimos para uma vida digna estão sendo regularmente assegurados pelo seu genitor, sendo dispensável, portanto, a assistência supletiva do Estado.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, julgando improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial, e nego provimento à apelação da parte autora.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
É como voto.
CARLOS DELGADO
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