
| D.E. Publicado em 08/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005441-10.2013.4.03.6103/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Tratam-se de apelações interpostas por VALTER DE JESUS DA SILVA, incapaz, e pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em ação ajuizada objetivando o restabelecimento do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 81/82 julgou parcialmente procedente o pedido inicial e condenou o INSS na implantação do benefício assistencial de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data do requerimento administrativo bem como no pagamento dos valores em atraso, acrescidos dos consectários legais e nas verbas de sucumbência. Fixados honorários advocatícios em 8% sobre o valor atualizado da condenação nos termos da Súmula nº 111 do STJ.
Em razões recursais de fls. 95/96, o autor requer a reforma do julgado, pugnando pela majoração da condenação em honorários advocatícios para sua adequação aos termos do art. 20, §§ 1º e 2º do CPC/1973.
Em razões recursais de fls. 100/101, o INSS sustenta que a renda familiar supera os limites legais, o que torna indevido o pagamento do benefício assistencial. Por fim, prequestiona a matéria.
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 122/123), no sentido do provimento do recurso do autor e desprovimento do recurso autárquico.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, expressamente disposto no art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, tanto em sua redação original como na que lhe fora atribuída pela Lei nº 12.435/11, anoto que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral da República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, oportunidade em que declarou a constitucionalidade do dispositivo em questão.
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
A propósito, trago à colação ementa do seguinte julgado:
Tal entendimento descortina, a meu julgar, a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova"; de fato, da normação preconizada no citado art. 20, §3º, depreende-se que, para aqueles que ostentem a idade mínima ou incapacidade para o trabalho e cuja renda mensal per capita seja inferior a valor equivalente a ¼ do salário-mínimo, é, objetivamente, assegurada a percepção do benefício vindicado. Todavia, contemplada a hipótese da existência de renda individualizada que refoge àquela estabelecida, tal fato, per si, não afasta o reconhecimento do direito ao benefício, mas implica revolver todo o conjunto probatório, através do qual se possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável.
A questão não se mostrou tranquila na jurisprudência, o que levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Pleiteia o autor o restabelecimento do benefício assistencial concedido em 01.10.2007 (fl. 19) e cessado em 22.12.2010 em razão da implantação, à sua genitora, da aposentadoria por tempo de contribuição, ao fundamento de que a renda familiar per capita superava o valor de ¼ do salário mínimo então vigente. Reiterado o pedido de concessão administrativa em 02.04.2013, este foi indeferido pelo INSS por idêntico fundamento e também pelo não comparecimento do autor à perícia médica designada (fl. 22).
A fl. 32 o d. Juízo de 1º grau houve por bem determinar a realização do exame pericial in loco, considerando o noticiado agravamento do estado de saúde do requerente, internado em instituição hospitalar, razão pela qual ficou impedido de comparecer à perícia na data aprazada.
O exame médico pericial de fls. 37/42, realizado em 19.10.2013, diagnosticou que o autor é portador de esquizofrenia residual refratária e em franco surto psicótico, transtorno de personalidade e demência", fato esse que provocou sua internação hospitalar (fl. 39). Refere ainda tratar-se de "prognóstico fechado sem perspectivas de melhora, com a necessidade de cuidados e vigilância de terceiros, tratamento no CAPS, assim como internações periódicas". Utiliza-se dos medicamentos Haldol, Clorpromazina, Biperideno e Prometazina, apresenta-se agressivo e foge com frequência, necessitando de vigilância constante.
De acordo com o perito, o autor apresenta "incapacidade total e permanente para a vida laboral."
O estudo social realizado em 20.03.2014 (fls. 45/53) informou ser o núcleo familiar formado pelo autor e sua genitora, que vivem em casa própria de 4 cômodos, em alvenaria e de cerca de 70 m2 de área construída. Conforme demonstram as fotos anexadas ao estudo, a casa está bem conservada, azulejada, com piso, e guarnecida de móveis em bom estado de conservação, além de possuir eletrodomésticos básicos como fogão, geladeira, televisor e forno de microondas.
A renda familiar declarada decorre dos proventos de aposentadoria por tempo de contribuição percebida por sua genitora no valor de um salário mínimo, conforme relatório do Sistema Único de Benefícios/DATAPREV ora juntado aos autos. As despesas declaradas na época do estudo social somam R$ 743,00 e incluem gastos com alimentação, manutenção da casa e medicamentos utilizados pelo autor.
De fato, em uma análise meramente matemática, a renda per capita, considerados os dois membros da família, supera o valor de ¼ do salário mínimo atual. Todavia, conforme mencionado linhas atrás, aludido critério apenas presume a miserabilidade absoluta, não podendo ser considerado como o único aspecto de análise, sem levar em conta os demais elementos do caso concreto.
Deflui do laudo pericial que, dada a fragilidade do estado de saúde do autor, há necessidade de acompanhamento contínuo em função das fugas constantes e das internações hospitalares periódicas a que tem se submeter para receber medicação e tratamento. Também é possível inferir que, embora a genitora do autor, aos 62 anos de idade (fl. 12) não possa ser qualificada como idosa ou inapta para o trabalho para os efeitos legais, é a única pessoa que pode assistir o autor nas necessidades decorrentes de sua enfermidade, impedindo outra atividade laboral. Verifica-se, ademais, que não há notícia de outra alternativa de renda ao grupo familiar.
No mais, entendo que a concessão de benefício previdenciário a outra pessoa da família não pode ser causa isolada de cessação do benefício assistencial ao deficiente na medida em que não trata de hipótese de cumulação expressamente vedada em lei. Assim, inexistindo nos autos indícios de que o núcleo familiar disporia de outras fontes de renda, é de ser afastada a alegação do INSS quanto à impossibilidade de concessão do benefício.
Verifica-se, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, a parte autora, jus ao restabelecimento do benefício indevidamente cessado.
No que pertine à majoração dos honorários advocatícios, inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a verba honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que restou perfeitamente atendido com o percentual de 8% (oito por cento) estabelecido na sentença recorrida.
Além do mais, considerando que o autor sucumbiu de parte do pedido formulado na inicial relativamente ao termo inicial do restabelecimento do benefício, é de ser mantida a condenação em honorários fixada na sentença recorrida.
Cumpre consignar que, diante de todo o explanado, esta decisão não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento apresentado pela autarquia.
Ante o exposto, nego provimento às apelações, ficando mantida a r. sentença de 1º grau.
É como voto.
Desembargador Federal
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