
| D.E. Publicado em 21/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora e dar parcial provimento à apelação do INSS tão somente para fixar os juros de mora de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação e Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e para determinar que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos da Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0028657-59.2007.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas por MARIA DAS DORES MONTEIRO e pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em ação ajuizada por aquela, objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez, subsidiariamente, auxílio-doença, benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 99/104 julgou procedente o pedido inicial e condenou o INSS no pagamento do benefício assistencial a partir da citação, acrescidas as parcelas em atraso de correção monetária, nos termos das Súmulas 43 e 148 do STJ, e juros de mora, ambos desde a citação, além de verba honorária arbitrada em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Dispensada a autarquia do pagamento de custas.
Em razões recursais de fls. 108/115, pugna pela reforma da r. sentença ao fundamento de que preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez, subsidiariamente, caso seja mantida a decisão, requer a implantação do benefício assistencial a partir da citação.
Por sua vez, o INSS, em razões às fls. 126/129, requer a reforma da sentença, ao argumento de que a parte autora não comprovou o requisito miserabilidade. Subsidiariamente, requer a alteração do termo inicial do benefício para a data da juntada do laudo pericial, apuração da correção monetária nos termos prescritos na Lei n. 6.899/81, juros de mora a partir da citação, bem como a redução da verba honorária, fixando-a por equidade.
Intimada a autarquia, apresentou contrarrazões às fls. 131/132.
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 146/150), no sentido de desprovimento dos recursos interpostos pelas partes.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais.
No que se refere ao pedido de aposentadoria por invalidez, não merece acolhimento a pretensão recursal da parte autora, tendo em vista a não comprovação da qualidade de segurado em período anterior ao exame médico-pericial realizado em 26 de fevereiro de 2006, que atestou a incapacidade total e definitiva da parte autora para o exercício de atividade laborativa.
Com efeito, os únicos registros constantes da CTPS apontam o exercício de atividade urbana (faxineira e empregada doméstica), tendo as testemunhas afirmado em Juízo que, desde que a conhecem, a autora laborou na zona rural, assim como na cidade, prestando serviço de faxina, afastando-se do trabalho há cerca de 4 (quatro) anos por problemas de saúde.
Dessa forma, uma vez não demonstra a qualidade de segurada no momento da perícia judicial, não é devido o benefício de aposentadoria por invalidez.
Passo à análise do benefício assistencial.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina, a meu julgar, a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Pleiteia a autarquia a reforma da r. sentença, ao fundamento da ausência dos requisitos necessários à concessão do benefício.
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O laudo médico-pericial de fls. 53/57, realizado em 26 de fevereiro de 2006, diagnosticou a autora como portadora de "transtornos depressivos recorrentes".
Em resposta aos quesitos, asseverou o médico perito que "em razão das referidas patologias a parte autora não reúne condições para readaptar-se para o exercício de outra atividade". Atestou, ainda, o expert "não ser possível fixar o termo inicial da incapacidade".
Concluiu o experto que "observando-se o exame físico e exames complementares verifica-se trata-se de paciente portador de transtornos depressivos recorrentes. Pelo exame médico pericial e a somatória das patologias existentes o paciente apresenta incapacidade total e definitiva".
Assim, verifica-se que a lesão apresentada pela parte se enquadra no "impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade de igualdade de condições com as demais pessoas" (§2º, art. 20 da Lei nº 8.742/93).
Igualmente, restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 25 de outubro de 2006 (fls. 76/77) informou ser o núcleo familiar composto pela autora e por seu companheiro, os quais residem "em uma casa em situação precária, mal conservada, com água e luz elétrica, com quase nenhum móvel necessário. Guarnecem de 1 (um) guarda-roupa quebrado e 1(um) fogão. A autora dorme num colchão colocado no chão".
Constou do estudo que o imóvel em que reside a autora "foi cedido pela irmã do seu companheiro, Dona Ana Maria, que ela possui 4 (quatro) filhos, todos casado, sem condições de ajuda-la".
A assistente social relatou que "a requerente sobrevive da remuneração recebida pelo companheiro, no valor de R$ 150,00, da ajuda de vizinhos e da Secretaria do Bem Estar e Integração Social, que até dezembro/2005 ela fez parte do Programa Renda Cidadã por 2 (dois) anos, período máximo permitido pelo programa, recebendo R$ 60,00 por mês".
Informou que "o companheiro da autora é trabalhador rural, portador de vários problemas de saúde que o impedem de exerce um serviço sistemático, vivendo de bicos esporádicos".
Por fim, constou do relatório social que "a parte autora tem depressão, hipertensão arterial e problemas neurológicos e faz uso de medicamentos, cujo maior parte é fornecida pelo Posto de Saúde".
As anotações constantes da CTPS da autora apontam a existência de 2 (dois) vínculos empregatícios nos períodos de 01/09/1984 a 30/10/1984 e 01/03/1990 a 13/03/1990 e a informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), os quais passam a integrar a presente decisão, apenas requerimento administrativo de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
Inegável que o estudo social é indicativo de hipossuficiência da autora, apesar de lacunoso em relação a alguns aspectos, em especial no que tange aos seus filhos, cujos nomes completos não foram sequer perscrutados. Não menos verdadeiro, entretanto, o fato de que o INSS pouco ou nada faz em sua defesa, limitando-se, como sói ocorrer na maioria esmagadora dos casos, a negar simplesmente as alegações do pretenso beneficiário. Como sempre, quase nunca requer ou produz prova no sentido de efetivamente demonstrar o contrário.
Tanto isto é verdade, que, na parte em que impugna a determinação judicial de implantação do benefício, se aferra no vetusto e inconstitucional critério da tese da renda per capita superior ao ¼ do salário mínimo.
Portanto, no caso dos autos, havendo forte indicativo da vulnerabilidade social e da hipossuficiência econômica, de rigor a manutenção do benefício assistencial determinado em 1º grau.
Acerca do tema, firmou-se consenso na jurisprudência que o termo inicial do benefício se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. Nessa esteira, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
In casu, não há prova de que a autora tenha efetivado requerimento administrativo anteriormente à citação, motivo pelo qual o termo inicial do benefício deve ser mantido na data daquele ato.
Os juros de mora, entretanto, devem ser fixados de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos aplicável à Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Já a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos da Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009. Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
Mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre o valor das parcelas devidas até a sentença, uma vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido.
Cumpre, por fim, consignar que, diante de todo o explanado, esta decisão não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento apresentado pela parte autora.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e dou parcial provimento à apelação do INSS tão somente para fixar os juros de mora de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação e Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e para determinar que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos da Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 06/06/2017 20:24:15 |
