
| D.E. Publicado em 19/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em juízo de retratação, negar provimento ao agravo legal do Ministério Público Federal, mantendo a decisão monocrática e o acórdão recorrido, por fundamentos diversos, restando prejudicada a análise do recurso especial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003107-25.2012.4.03.6107/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de julgamento de eventual juízo de retratação decorrente da interposição de recurso excepcional contra acórdão desta Turma, exarado em sede de agravo legal interposto pelo Ministério Público Federal, em ação ajuizada por SIDNEY DE SOUZA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
O v. acórdão guerreado (fls. 134/140-verso) negou provimento ao referido agravo legal, mantendo a decisão monocrática que negou seguimento à apelação do autor e, por consequência, manteve a r. sentença de improcedência do pedido inicial.
Em exame de admissibilidade do recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, foi determinado o retorno dos autos a esta Turma julgadora, nos termos do artigo 543-C, §7º, II, do CPC/73, à vista do julgamento do REsp nº 1.355.052/SP e do REsp nº 1.112.557/MG, pelo Superior Tribunal de Justiça.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, verifico que a questão apreciada no recurso representativo de controvérsia REsp autuada sob o nº 1.112.557/MG não se aplica à situação fática dos autos, eis que o indeferimento do pedido do benefício assistencial pugnado não foi assentado em prova exclusivamente objetiva, qual seja, a delimitação do valor da renda per capita familiar, com eventual superação ao ¼ do salário mínimo.
De outro lado, impõe-se, no caso, o devido enfrentamento da matéria tratada no julgamento do REsp nº 1.355.052/SP.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Pleiteia o autor a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é idoso e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O requisito etário fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de 65 anos em 20/02/2005 (fl. 09), anteriormente à propositura da presente demanda (21/09/2012 - fl. 02).
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social (fls. 79/81) informou ser o núcleo familiar composto pelo autor, por sua esposa, sua filha e seu genro, os quais residem em imóvel alugado, com "estrutura ótima para morar", composto por "03 quartos, sala, copa, cozinha, 02 banheiros".
Segundo relatado, na ocasião da visita, a renda familiar decorria unicamente dos proventos auferidos pela esposa do requerente. À época, a Sra. Marilene Constantino de Souza recebia aposentadoria no valor de um salário mínimo (confirmada pelo documento de fls. 21), além de R$500,00, em média, em razão de "serviços eventuais 'bicos' para escola de samba (virada do SOL), sem carteira assinada" e também "bolsa família no valor de R$70,00 (Setenta reais mensais)".
A assistente social noticiou que a filha do casal, Sra. Rosângela Maria de Souza, exercia "atividade com faxina auferindo o valor de R$350,00 (trezentos e cinquenta reais mensais)", mas que, a despeito de residir sob o mesmo teto, não oferecia nenhuma ajuda. Ao contrário, conforme salientou a profissional, "a filha e o genro em idade produtiva dependem economicamente dos idosos". O genro do autor, Sr. Marco Antônio de Lamajorca, estava desempregado e foi referido que costumava trazer "vários prejuízos para o casal", a exemplo do que descreveu o próprio requerente no sentido de que "perdeu sua única moradia em função de afiançar contrato de locação para filha Rosângela e seu amásio", que, por sua vez, "não honraram o compromisso, culminando que sua moradia foi executada indo a leilão".
As despesas mensais da família incluíam o aluguel, no valor de R$500,00, além de R$450,00 com alimentos, R$220,00 com energia, R$180,00 com água e R$30,00 com celular, perfazendo um total de R$1.380,00.
Não obstante o fato de ter consignado o somatório total das despesas da família, o relatório socioeconômico considerou, para fins de "renda do casal", somente os ganhos da esposa do autor, no montante de R$1.278,00. No ponto, por se tratar de pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos, o órgão ministerial defende a aplicação do disposto no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, para que seja excluído, do cômputo da renda familiar, o benefício recebido no mínimo legal.
Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita e a famigerada situação de "renda zero", sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
Às receitas do núcleo familiar, contabilizadas pela assistente social, devem ser somados também os rendimentos auferidos pela filha Rosângela, em razão do trabalho exercido como faxineira, bem como aqueles obtidos pelo genro Marco Antônio que, a despeito da situação de desemprego constatada no momento da visita à residência, já havia exercido atividade laborativa como servente de pedreiro, não havendo menção a qualquer tipo de incapacidade que o impeça de contribuir com as despesas do núcleo familiar.
Conveniente frisar que integram eles o núcleo familiar, na medida em que, não só residem sob o mesmo teto do autor, como também se auxiliam da renda gerada pela esposa daquele. Por fim, de se ressaltar o ineditismo da tese que propugna pela inclusão dos filhos na divisão da renda per capita, mas não da sua adição para aferição do rendimento bruto familiar.
Além disso, há informação nos autos de que o autor possui outros dois filhos (Júnior Cesar de Souza e Ana Paula Constantino de Souza - fls. 36 e 80), casados, cuja situação financeira não foi melhor perscrutada.
Saliente-se que os filhos maiores possuem o dever constitucional de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229 da Carta Magna). Isso, aliás, é o que dispõem os artigos 1.694, 1.695 e 1.696 do Código Civil, evidenciando o caráter supletivo da atuação estatal.
In casu, o núcleo composto por quatro integrantes, dos quais três extraem rendimentos do exercício de labor, mostra-se com capacidade financeira suficiente para garantir o sustento do autor. Vale frisar que tal conclusão não se altera em razão de eventual situação de desemprego enfrentada por um deles, até mesmo porque o próprio autor asseverou que, de forma habitual, recebe ajuda, em alimentos e roupas, tanto do CRAS (Centro de Referência de Assistência), como também da igreja.
Alie-se como elemento de convicção o fato de que o imóvel no qual residem é novo, possui 260m², 8 (oito) cômodos e "estrutura ótima para morar", o que, por si só, não é auto-excludente da possibilidade de concessão do benefício assistencial, mas que, em contrapartida, é elemento que milita contrariamente à ideia de miserabilidade.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo o autor, portanto, jus ao benefício pleiteado.
O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Não me parece tenha criado o legislador programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e 10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Volto a frisar que o dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
Também não é via alternativa ao idoso, que jamais fez parte do mercado de trabalho, seja na condição de empregado, seja na de autônomo, que lhe venha a assegurar renda mínima, tão-somente por ter implementado requisito etário e por se encontrar em situação socioeconômica humilde. Sei que o tema é absolutamente espinhoso e desperta comiseração em sociedade, o que não pode servir, entretanto, de cortina de fumaça que permita o obnubilamento das exigências legais à concessão do benefício vindicado.
Ante o exposto, no exercício do juízo de retratação, nego provimento ao agravo legal do Ministério Público Federal e mantenho a decisão monocrática, bem como o acórdão agravado, por fundamentos diversos, restando prejudicada a análise do recurso especial.
Comunique-se a Vice-Presidência.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 06/12/2016 17:50:37 |
