
| D.E. Publicado em 23/01/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, e julgar improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0039319-43.2011.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
VOTO
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Do caso concreto.
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é pessoa com deficiência e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
No que tange ao impedimento de longo prazo, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame pericial realizado em 29 de novembro de 2011 (fls. 56/61), diagnosticou a parte autora como portadora de "esquizofrenia (CID F20.1)" e "retardo mental (CID F71)".
Consignou que a autora "usa medicação controlada. Não trabalha, não estuda. Frequenta a Apae" e faz "tratamento na (aréa de) saúde mental".
Concluiu pela incapacidade total e permanente, além de atestar que é "pouco provável" a chance de reaver sua capacidade laborativa.
Os males apresentados pela autora, portanto, se enquadram no "impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade de igualdade de condições com as demais pessoas" (§2º, art. 20 da Lei nº 8.742/93).
Impende analisar o requisito atinente à hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social.
In casu, foram efetuados 2 (dois) estudos sociais.
O primeiro, de 16 de novembro de 2006 (fls. 64/65), informou o seguinte:
"A requerente sofre de problemas mentais, tendo um gasto com medicação mais ou menos R$120,00 (cento e vinte reais) por mês, não trabalha estuda na APAE há 04 anos, a mãe Zenaide é do lar esta com 63 anos e não possui nenhum benefício, o pai Sr. Fidelcino João da Silva é aposentado por idade com valor de R$350,00 (trezentos reais) , suas irmãs Geane e Cláudia trabalham como diarista fazendo faxina.
(...)
A casa que a família mora é própria com 03 quartos, 01 sala, 01 cozinha e 01 banheiro em condições regulares. A família possui gastos com energia R$ 60,19, água R$ 16,50 com alimentação R$ 280,00" (sic).
O segundo, realizado em 06 de dezembro do mesmo ano (fls. 67/74), consignou também que o núcleo familiar é composto por 5 (cinco) pessoas, aquelas indicadas supra.
A assistente social deste estudo relatou que "a família reside em casa própria de alvenaria composta por seis cômodos de estrutura, saneamento básico e condições de higiene satisfatórias para o bem estar da família".
O estudo social, por ela elaborado, descriminou o salário recebido por uma das irmãs da requerente, no valor de R$200,00 (duzentos reais), além de asseverar que o genitor da autora percebia, à época do estudo, benefício de R$500,00 (quinhentos reais). Informou, ainda, que os gastos com alimentação são, na verdade, de R$200,00 (duzentos reais), R$100,00 (cem reais) com medicamentos, R$70,00 (setenta reais) com energia elétrica, e R$30,00 (trinta reais) com água.
Tal assistente social reafirmou que a autora faz acompanhamento junto à APAE da municipalidade e que a família é "bastante humilde".
Pois bem, informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS e do HISCREWEB - Histórico de Créditos de Benefício, as quais passam a integrar a presente decisão, confirmam a titularidade de aposentadoria por invalidez, percebida por seu genitor, desde 08/08/2001, sendo que à época dos estudos sociais, seu valor girava em torno de R$510,00 (quinhentos e dez reais) e, atualmente, cinge-se a R$1.003,98 (mil e três reais e noventa e oito centavos).
Acresça-se que, além da renda do pai da autora, as duas irmãs que compunham o núcleo familiar laboravam, sendo que uma delas recebia em torno de R$200,00 (duzentos reais).
Constata-se, portanto, que já na época dos estudos sociais (novembro e dezembro de 2006), a renda média familiar de R$700,00 (setecentos reais) mensais já se mostrava suficiente para arcar com todas as despesas, as quais, caso considerados os maiores valores indicados pelas assistentes sociais, correspondiam a um total mensal de R$580,00 (quinhentos e oitenta reais) naquele momento.
Por outro lado, conforme informado pelo INSS em seu apelo, e de acordo com os sistemas acima, a genitora da requerente , ZENAIDE PAES ALVES, também veio a perceber benefício previdenciário, de aposentadoria por idade, no valor de um salário-mínimo, de abril de 2011 até novembro de 2016.
Frise-se, por derradeiro, para além das receitas familiares, que a autora participa de atividades junto à APAE, reside com seus genitores, os quais podem prestar auxílio diário para a mesma, já que a mãe é "do lar" e o pai aposentado, sem contar que residem em um imóvel próprio, de alvenaria, servido por sistema de água e esgoto, e, nas palavras da assistente social, com "condições de higiene satisfatórias".
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ciente está este julgador de que, infelizmente, grande parte dos trabalhadores de nosso país não possui qualificação técnica regular, em sua imensa maioria provenientes das classes mais humildes da população, e, portanto, não têm efetivas condições de competir no mercado de trabalho. Esta dolorosa situação resulta de uma ineficiente política educacional levada a efeito pelo Estado, que não fornece educação que atenda níveis mínimos de qualidade, demonstrando o desinteresse estatal na preparação de seus trabalhadores para competição no atual mercado de trabalho, que vem se tornando cada vez mais exigente.
Entretanto, o benefício assistencial da prestação continuada não existe para a correção deste tipo de mazela, mas sim para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% do valor atualizado da causa (CPC/1973, art. 20, §3º), observadas as hipóteses previstas nos artigos 11, §2º, e 12, da Lei nº 1.060/50, em razão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 13/12/2017 18:46:10 |
