
| D.E. Publicado em 01/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação do INSS, tão somente para revogar a multa diária de R$ 1.000,00, aplicada em seu desfavor na r. sentença recorrida, mantendo-a no mais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 24/05/2017 19:08:31 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015031-89.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em ação ajuizada por EDNA APARECIDA ELIAS DA SILVA, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 73/74-verso julgou procedente o pedido inicial e condenou o INSS na implantação do benefício assistencial de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da citação, com juros de mora legais e atualização monetária a partir do vencimento de cada prestação, nos termos da Lei 11.960/2009. O INSS foi condenado no pagamento de honorários advocatícios de 10% das parcelas vencidas até a sentença. Foi determinada a tutela antecipada com multa diária de R$ 1.000,00.
Em razões recursais de fls. 77/86, o INSS alega, primeiramente, a necessidade de se afastar a cominação de multa diária. Subsidiariamente pleiteia a sua redução. Pugna pela reforma da decisão, ao fundamento de que não houve comprovação da deficiência, tampouco a renda familiar supera os limites legais, o que torna indevido o pagamento do benefício assistencial. Caso não reconhecida sua tese principal, requer a fixação da data de início do benefício na data da juntada do último laudo juntado em juízo. Por fim, prequestiona a matéria.
Intimada a parte autora, apresentou contrarrazões (fl. 89).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 108/110-verso), no sentido do parcial provimento do recurso, apenas para que a sentença seja reformada para reduzir os valores da multa diária, bem como para fixar a data de início do benefício a partir da citação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita e a famigerada situação de "renda zero", sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz para o trabalho e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O exame médico pericial de fls. 48/50, apresentado em 01/04/2014, diagnosticou que a autora "apresenta Transtorno Afetivo Depressivo Orgânico, transtorno mental caracterizado por uma alteração no humor ou afeto, usualmente acompanhado de uma alteração do nível global da atividade, se expressando através de crises depressivas ou maníacas, causada diretamente por doença ou disfunção cerebral".
Ao responder as indagações formuladas pelo Juízo, o expert pontuou que existe a possibilidade de ocorrer reversão da moléstia, sendo a incapacidade total e provisória pelo período de um ano.
Por outro lado, de acordo com o próprio perito, a requerente apresenta transtorno com sintomas psicóticos, surgido desde os 28 anos de idade, ou seja, há, aproximadamente, 15 anos, sendo que "está incapaz há vários anos".
Conforme dispõe o artigo 479 do Código de Processo Civil vigente e o princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. É exatamente esse o caso dos autos.
Nessa linha, apesar da menção de provisoriedade da doença pelo exíguo período de um ano, aludida estimativa foi feita por meio de resposta a questionamento (fl. 49 - item 12), sem justificativa plausível.
Sobre o tema, as considerações do psiquiatra, a meu ver, seriam imprescindíveis para embasar o seu posicionamento, já que o histórico da pericianda, de longa data (15 anos), se revela delicado, tendo apresentado "ataques de fúria" e tentativa de esfaqueamento de seu namorado, sendo que até os dias atuais, com a frequência de duas vezes por semana, suas "crises geralmente duram 10 minutos e quando acorda fica "fora do ar" durante certo tempo."
Análise mais detida da situação fática revela, entretanto, que há muitos anos (quinze) a demandante encontra-se impedida para o exercício de trabalho remunerado, não sendo possível prever, sem maior detalhamento clínico, a sua alta em apenas um ano, sobretudo em razão da ineficiência dos tratamentos hodiernamente realizados. Logo, entendo presente o impedimento de longo prazo "que incapacita a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho" (artigo 20 da Lei n. 8.742/93, com a alteração a Lei n. 12.435/2011).
No que tange à hipossuficiência econômica, o estudo social realizado em 26 de abril de 2014 (fls. 57/60) informou que a autora reside, de favor e temporariamente, com a irmã, o cunhado e o sobrinho, por não ter onde morar e não ter condições de pagar aluguel.
Relata a autora ter um casal de filhos, os quais não residem com ela e que também tem pouco contato. A filha mora em Sorocaba e o filho está preso. Nesse aspecto, em referência à situação da autora, frisou a assistente social: "Trata-se de pessoa extremamente pobre, sem nenhum recurso para sobreviver, sem poder contar com dos filhos."
A renda familiar decorre dos rendimentos auferidos pelo cunhado como trabalhador rural e de sua irmã, que trabalha como empregada doméstica. Embora não tenham sido informados valores na visita domiciliar, pelas informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (folha 111), observa-se que a última remuneração do Sr. Paulo, cunhado da autora, foi no mês de dezembro de 2012, no montante de R$ 1.464,33, muito tempo antes da realização do estudo.
Não há também dados dos ganhos de sua irmã. No entanto, os documentos anexados demonstram que em janeiro de 2006 foi o último mês que recebeu remuneração decorrente do ofício que exercia. Dali para a frente, não há qualquer registro formal de exercício de atividade remunerada.
Quanto à requerente, é possível concluir que não tem rendimentos, constando nos últimos anos tão somente inúmeros requerimentos de auxílio-doença previdenciário, todos indeferidos. Portanto, não há renda suficiente demonstrada para garantir a subsistência de quatro pessoas.
As despesas mensais não foram quantificadas pela profissional da saúde, o que, no entanto, não afasta o conhecimento de que a manutenção da casa, com quatro pessoas, traz necessariamente, no mínimo, gastos com alimentação, água, luz, sem olvidar das despesas necessárias presumidas para os cuidados terapêuticos com a demandante, cuja necessidade de acompanhamento é evidente.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, a parte autora, jus ao benefício pleiteado.
Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. Nessa esteira, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
É bem verdade que, em hipóteses excepcionais, o termo inicial do benefício pode ser fixado com base na data do laudo, nos casos, por exemplo, em que a data do início da miserabilidade ou incapacidade é fixada no momento da realização da perícia, até porque, entender o contrário, seria conceder o benefício ao arrepio da lei, isto é, antes da presença dos requisitos autorizadores para a concessão, o que configuraria inclusive enriquecimento ilícito do postulante.
O caso em apreço não foge à regra geral, adequando-se exatamente ao precedente citado. A r. sentença concedeu o benefício a partir da citação. Embora a autora argumente, na exordial, pela necessidade de fixação do termo inicial do benefício a partir do requerimento administrativo, deixou de recorrer para modificar a decisão de primeiro grau. Logo, pela aplicação do princípio do non reformatio in pejus, a r. sentença fica mantida como proferida.
Por fim, observo que a r. sentença, ao conceder o benefício assistencial vindicado, determinou a sua imediata implantação, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, o que também foi objeto de recurso pela autarquia.
O provimento jurisdicional atacado traduz uma obrigação de fazer, cujo descumprimento, no ordenamento pátrio, pode ser sancionado por multa periódica, como a diária, para forçar o cumprimento da obrigação por parte do devedor, podendo ser fixada tanto a pedido como de ofício pelo magistrado, dada a natureza da obrigação (artigo 461 § 4º CPC/73).
Nessa linha é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:
Entretanto, não há se perder de vista, reforço, que a finalidade precípua da medida sancionatória não é outra senão forçar o cumprimento da tutela específica, qual seja, a implantação do benefício.
Pelo exame dos extratos fornecidos pelo Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, que passam a integrar o presente voto, observa-se que atualmente a parte autora está recebendo o benefício pleiteado, com data de início na citação, nos exatos termos determinado na r. sentença, motivo pelo qual entendo que a medida cominada atingiu plenamente o seu efeito, tornando-se a esta altura desnecessária a sua manutenção. Diante disso, revogo a multa aplicada.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação do INSS, tão somente para revogar a multa diária de R$ 1.000,00, aplicada em seu desfavor na r. sentença recorrida, mantendo-a no mais.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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