
| D.E. Publicado em 09/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10177 |
| Nº de Série do Certificado: | 28B53C2E99208A4F |
| Data e Hora: | 25/10/2016 19:29:35 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006804-66.2012.4.03.6103/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em ação ajuizada por JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
Deferida a antecipação dos efeitos da tutela (fls. 27/29).
A r. sentença de fls. 53/57 julgou procedente o pedido inicial e condenou o INSS no pagamento do benefício assistencial à parte autora, desde a data do requerimento administrativo (20/06/2012), além de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Em razões recursais de fls. 66/69, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a renda familiar encontra-se acima dos limites legais, o que torna indevido o pagamento do benefício assistencial.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 96/98), no sentido do desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Da mesma forma, impende registrar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE nº 580.963/PR, assentou a inconstitucionalidade por omissão - sem pronúncia de nulidade - do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, por infringência ao princípio da isonomia.
Referido julgamento, realizado na forma do art. 543-B do CPC/73, está assim ementado:
Pleiteia o autor a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é idoso e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O requisito etário fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de 65 anos em 02/04/2012, anteriormente à propositura da presente demanda (03/09/2012).
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 23 de novembro de 2012 (fls. 22/26) informou ser o núcleo familiar composto pelo autor, por sua companheira (Sra. Isabel Conceição Aparecida de Almeida), e, ainda, pela irmã e três sobrinhos da companheira do autor. O imóvel no qual residem é financiado, e foi adquirido por meio de programa social de habitação (CDHU).
A assistente social relatou que o imóvel é construído em alvenaria, possui quatro cômodos, encontra-se "em bom estado de conservação", e "conta com fornecimento de energia elétrica, água, iluminação pública e pavimentação". Além disso, é guarnecido por móveis antigos, tais como geladeira, fogão, tanquinho, cama, guarda-roupa, colchões, em estado "regular" de conservação, e também por móveis em "bom" estado de conservação, como a cama de casal, um dos guarda-roupas e uma cômoda.
A renda familiar decorre dos proventos auferidos pela companheira do requerente, na qualidade de beneficiária da previdência social. Informações extraídas do Sistema Único de Benefícios/Dataprev (fls. 82) confirmam a titularidade do benefício de pensão por morte previdenciária, no valor de um salário mínimo.
Outrossim, segundo estudo socioeconômico, os rendimentos da família também são integrados pela "pensão que a irmã da companheira do autor recebe no valor de R$150,00 (sem comprovação de valor)", e por "uma renda no valor aproximado de R$200,00 da sobrinha da companheira do autor (sem comprovação do valor)" .
Em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, que integra a presente decisão, verificou-se que, na verdade, à época da visita e constatação, a sobrinha da companheira do autor mantinha vínculo empregatício com a empresa "Shibata Caçapava Atacado e Varejo de Mercadorias em Geral Ltda", o que lhe permitiu auferir remuneração no valor de R$359,78 em 11/2012, R$1.022,28 em 01/2013 e R$1.236,65 em 06/2013, dentre outras.
Há informações no relatório de que as despesas mensais incluem energia elétrica (R$89,28), alimentação (R$500,00), prestação da casa (R$93,30), água (R$28,30), gás (R$45,00) e telefone (R$50,00).
Em sede de contrarrazões de apelação, o requerente, apoiando-se na norma prevista no art. 34 do Estatuto do Idoso, sustenta que "de acordo com posição uniformizada, todos os benefícios (previdenciário ou assistencial) auferidos por idosos (acima de 65 anos) no montante de um salário mínimo são cobertos pela norma supramencionada", e que, portanto, "há respaldo para a exclusão da pensão por morte - percebida pela companheira do autor - da renda familiar no presente caso"(fls. 89/90).
No entanto, pelo que se extrai das informações prestadas à assistente social (fls. 23/24), a companheira do autor não é idosa, nos termos da lei - 52 anos à época do estudo social - e não houve qualquer indicação no sentido de que seria pessoa portadora de deficiência ou de impedimento de longo prazo que a impossibilitasse de exercer atividade laborativa capaz de garantir o sustento do casal.
Ao invés, consta do relatório que "Isabel Conceição Aparecida Almeida convidou a irmã para morar em sua casa com objetivo de ajudar os sobrinhos nos estudos", indicando que possui capacidade financeira para tanto, apesar de declarar que ela e seu companheiro sobrevivem com a renda mensal de um salário mínimo.
Ademais, importante ser dito que a mera aplicação do referido dispositivo legal não enseja, automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita e a famigerada situação de "renda zero", sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
Alie-se como elemento de convicção o fato de que residem em imóvel adquirido por meio de programa social de habitação - portanto, com prestação acessível à família de baixa renda -, com 4 (quatro) cômodos, em bom estado de conservação e localizado em área abastecida com os principais serviços urbanos, fato que, por si só, não é auto-excludente da possibilidade de concessão do benefício assistencial, mas que, em contrapartida, milita contrariamente à ideia de miserabilidade.
A despeito da menção aos problemas de saúde enfrentados pelo autor, não foram descritos, no relatório socioeconômico, gastos com tratamentos médicos e farmácia, revelando que a família, em caso de necessidade, também se utiliza da rede pública de saúde e de programas de fornecimento gratuito de medicamentos.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social, não fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ciente está este julgador de que, infelizmente, grande parte dos trabalhadores de nosso país não possui qualificação técnica regular, em sua imensa maioria provenientes das classes mais humildes da população, e, portanto, não têm efetivas condições de competir no mercado de trabalho. Esta dolorosa situação resulta de uma ineficiente política educacional levada a efeito pelo Estado, que não fornece educação que atenda níveis mínimos de qualidade, demonstrando o desinteresse estatal na preparação de seus trabalhadores para competição no atual mercado de trabalho, que vem se tornando cada vez mais exigente.
Entretanto, o benefício assistencial da prestação continuada não existe para a correção deste tipo de mazela, mas sim para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Não me parece tenha criado o legislador programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e nº 10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Volto a frisar que o dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Revogo os efeitos da tutela antecipada concedida.
Comunique-se o INSS.
É como voto.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10177 |
| Nº de Série do Certificado: | 28B53C2E99208A4F |
| Data e Hora: | 25/10/2016 19:29:39 |
