
| D.E. Publicado em 09/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015180-51.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por BENEDITO DA SILVA, objetivando o restabelecimento de benefício assistencial anteriormente concedido administrativamente, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 143/150 julgou procedente o pedido inicial, condenando o INSS na implantação do benefício de prestação continuada e no pagamento das prestações vencidas a partir da citação, atualizados com correção monetária pelo INPC, acrescidos de juros de mora de 0,5% a partir da citação. Concedeu a tutela antecipada para a imediata implantação do benefício; fixou os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação conforme Súmula 111 do STJ.
Em razões recursais de fls. 173/181, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a requerente não preencheu os requisitos necessários à concessão do benefício, bem como pelo cálculo da correção monetária nos termos da Lei nº 9494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 198/199), no sentido do provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Da mesma forma, impende registrar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE nº 580.963/PR, assentou a inconstitucionalidade por omissão - sem pronúncia de nulidade - do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, por infringência ao princípio da isonomia.
Referido julgamento, realizado na forma do art. 543-B do CPC/73, está assim ementado:
Pleiteia o autor o restabelecimento de benefício de amparo social ao idoso anteriormente concedido em 17.09.1998 e cessado em 01.09.2014, pois a renda per capita excedia o valor de ¼ de salário mínimo então vigente (fl. 8), uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O requisito etário fora devidamente preenchido, considerando que o autor contava 85 anos de idade quando do ajuizamento da ação (fl. 6).
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 02.04.2015 de fl. 96/100 informou ser o núcleo familiar composto pelo autor e sua companheira, ORMINDA DA SILVA, 83 anos, com quem vive em união estável há 19 anos. A casa em que residem, de propriedade da sua companheira, é construída em alvenaria, contém cinco cômodos, sendo três quartos, sala e cozinha, encontrando-se em mau estado de conservação.
A renda familiar informada decorre dos proventos de aposentadoria por idade recebidos por sua companheira, no valor de um salário mínimo (fl. 200) e de R$ 50,00 mensais recebidos a título de aluguel de um cômodo localizado nos fundos da casa, num total de R$ 838,00, na época em que realizado o estudo social. As despesas com manutenção da casa e compra de medicamentos somavam R$ 650,00, inferiores, portanto, à renda auferida. Cuida-se de benefício previdenciário recebido por pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos, situação que, em princípio, se subsumiria ao disposto no art. 34, § único, do Estatuto do Idoso, ensejando a sua exclusão do cômputo da renda familiar.
Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita e a famigerada situação de "renda zero", sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
O estudo complementar a fl. 116/121 refere ser o imóvel bem localizado e servido de redes de água, esgoto e energia elétrica, sendo que parte dos medicamentos utilizados é fornecido pelo sistema público de saúde e conclui que a renda familiar possibilita "o suprimento das necessidades básicas do casal.".
A confirmar esta conclusão milita o fato de que o casal consegue extrair renda com a locação de um dormitório, circunstância inviável se apresentasse em más condições de habitabilidade.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ciente está este julgador de que, infelizmente, grande parte dos trabalhadores de nosso país não possui qualificação técnica regular, em sua imensa maioria provenientes das classes mais humildes da população, e, portanto, não têm efetivas condições de competir no mercado de trabalho. Esta dolorosa situação resulta de uma ineficiente política educacional levada a efeito pelo Estado, que não fornece educação que atenda níveis mínimos de qualidade, demonstrando o desinteresse estatal na preparação de seus trabalhadores para competição no atual mercado de trabalho, que vem se tornando cada vez mais exigente.
Entretanto, o benefício assistencial da prestação continuada não existe para a correção deste tipo de mazela, mas sim para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
Dessa forma, ao que tudo indica, no presente caso, não se mostra razoável atribuir ao Estado a responsabilidade pela sobrevivência da autora, quando existem parentes próximos, com capacidade para tanto. Ora, o dever de assistência é, primordialmente, da família.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Salienta-se que os filhos maiores têm o dever constitucional de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229 da Carta Magna), de modo que o benefício assistencial é subsidiário e somente tem cabimento nas hipóteses em que os descendentes constituam outro núcleo familiar, residam em outro local e, ainda, não disponham de recursos financeiros suficientes para prestarem referida assistência material (requisitos cumulativos), não sendo este o caso dos autos.
O autor declarou ter quatro filhos maiores, e que residem em localidades diversas. Entretanto, a demonstração de eventuais impedimentos pelos quais seus filhos não lhe prestam auxílio é ônus da parte autora, o que inocorreu na espécie. Assim, no caso, o dever de assistência é, primordialmente, da família.
Não me parece tenha criado o legislador programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e nº 10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Volto a frisar que o dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
Também não é via alternativa ao idoso, que jamais fez parte do mercado de trabalho, seja na condição de empregado, seja na de autônomo, que lhe venha a assegurar renda mínima, tão-somente por ter implementado requisito etário e por se encontrar em situação socioeconômica humilde. Sei que o tema é absolutamente espinhoso e desperta comiseração em sociedade, o que não pode servir, entretanto, de cortina de fumaça que permita o obnubilamento das exigências legais à concessão do benefício vindicado.
Assim, não preenchidos os requisitos legais para a percepção do benefício vindicado, imperativa a reforma da sentença recorrida e o julgamento de improcedência do feito.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso do INSS para, em reforma ao julgado proferido em 1º grau de jurisdição, julgar improcedente a demanda e condenar a autora no pagamento das verbas sucumbenciais, cujo dever de satisfação resta suspenso nos termos da lei, explicitados no corpo desta decisão. Revogo os efeitos da tutela antecipada concedida.
Comunique-se o INSS.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 25/10/2016 19:27:09 |
