
| D.E. Publicado em 12/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024515-31.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por MARIANA APARECIDA FERREIRA DA CRUZ, incapaz, representada por SEVERINO FRANCILINO DA CRUZ NETO, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
Em virtude do falecimento da genitora da autora, foi deferida a substituição do seu representante legal (fls. 98).
A r. sentença de fls. 141/143 julgou improcedente o pedido inicial, condenando a autora no pagamento da verba honorária, fixada no valor de R$200,00, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita.
Em razões recursais de fls. 147/154, a autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de haver preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 168/172), no sentido do provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O laudo pericial de fls. 66/68 diagnosticou a requerente como portadora de paralisia cerebral. Esclareceu que a autora necessita do auxílio de terceiros para as atividades do cotidiano. Por fim, concluiu o expert que a situação de dependência tende a permanecer por toda a vida, e que a autora "certamente não reunirá condições para, no futuro, exercer uma atividade laborativa que possa lhe garantir o sustento", se afigurando presente o impedimento de longo prazo.
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 1º de junho de 2011 informou ser o núcleo familiar composto pela autora, seus genitores e um tio paterno. O relatório, à época, indicou que a família residia em imóvel próprio, composto por dois dormitórios, atendido por saneamento básico. A renda familiar era proveniente da remuneração auferida pelo genitor da autora.
Em cumprimento a determinação judicial, foi realizado novo estudo social (19 de agosto de 2013 - fls. 85/89), o qual constatou que a autora passou a residir com seu irmão, cunhada e sogra do irmão desde o acidente automobilístico que provocou o falecimento de sua genitora.
Consta do novo relatório socioeconômico que "a família reside em casa própria, composta por três quartos, dois banheiros, duas salas, cozinha, despensa, lavanderia, garagem e varanda. Amplo quintal de terra, murado e com portão na frente da residência." Além disso, "a residência apresentava boas condições de limpeza ambiental e organização, mobiliada com simplicidade. Apresenta eficiente proteção e conforto aos seus moradores."
A renda familiar é decorrente dos proventos auferidos pelos que residem no imóvel. À época da visita à residência, o irmão da requerente (Sr. Alex Sandro da Silva) recebia remuneração no valor de R$1.500,00, em razão de atividade laborativa, na condição de enrolador eletricista. A cunhada (Sra. Roberta Aparecida de Souza Silva) auferia renda no valor de R$1.000,00, como vendedora. Por sua vez, a sogra do irmão (Sra. Madalena Orsolina de Souza) recebia um salário mínimo, a título de benefício previdenciário de aposentadoria. A renda total do núcleo familiar foi contabilizada no valor de R$3.178,00. Informações atualizadas extraídas do Sistema Único de Benefícios/Dataprev, que passam a integrar a presente decisão, dão conta de que na competência 02/2016, o irmão da autora auferiu proventos da ordem de R$2.563,71.
Além disso, foi informado que o pai da autora, apesar de não mais residir sob o mesmo teto, paga o salário da Auxiliar de Enfermagem, necessária aos cuidados da filha, no montante de R$750,00 (setecentos e cinquenta reais), valor este que para fins de apuração da renda familiar deve ser agregado aos ingressos financeiros do núcleo.
A assistente social registrou ainda que o irmão da requerente é proprietário de um veículo, e que ele, juntamente com a autora e outro irmão, receberam, em herança da genitora, um imóvel, do qual são detentores, em conjunto, da metade do seu valor, circunstância apta a lhe gerar acréscimo de rendimento.
Os elementos trazidos aos autos militam, portanto, contrariamente à demonstração da hipossuficiência econômica, apontando, na verdade, no sentido da construção de uma situação socioeconômica distante da ideia de miserabilidade.
Consequentemente, a autora não faz jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ciente está este julgador de que, infelizmente, grande parte dos trabalhadores de nosso país não possui qualificação técnica regular, em sua imensa maioria provenientes das classes mais humildes da população, e, portanto, não têm efetivas condições de competir no mercado de trabalho. Esta dolorosa situação resulta de uma ineficiente política educacional levada a efeito pelo Estado, que não fornece educação que atenda níveis mínimos de qualidade, demonstrando o desinteresse estatal na preparação de seus trabalhadores para competição no atual mercado de trabalho, que vem se tornando cada vez mais exigente.
Entretanto, o benefício assistencial da prestação continuada não existe para a correção deste tipo de mazela, mas sim para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação da autora, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
Proceda a Subsecretaria à retificação da autuação no tocante ao representante legal da parte autora.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 30/08/2016 18:30:12 |
